A luta do brasileiro no trabalho e o nocaute: seremos sempre golpeados?

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A tragédia dos que não são ricos ou super-ricos neste país é não enxergar quem é o seu verdadeiro adversário

Por Rafael da Silva Barbosa*

 

Em referência ao cotidiano laboral do brasileiro, diz dito popular: “sem luta não há vitória”. Essa expressão é convencional a uma grande parcela dos trabalhadores, micro, pequenos e médios empresários que a usam como forma de autoafirmação para o seu esforço próprio. Numa aproximação mais ou menos de que sua sobrevivência depende apenas do seu empenho pessoal e o mundo externo à sua vida privada é um campo de batalha no qual se deva lutar e vencer seus inimigos… Porque o mundo lá fora é uma grande selva.

As alusões e analogias de expressões populares como essa citada, embora fantasiosas, possuem certa aderência à realidade brasileira. Não pelo conteúdo, mas pelo contexto. A contar pelo alto grau da desigualdade e injustiça social e econômica do país, tal perspectiva tem seu peso. Num ambiente nacional onde apenas uma pequena parte da população (os ricos e super-ricos) possui oportunidades básicas de crescimento social e econômico, que se traduzem em verdadeiros privilégios, o sistema se mostra muito mais opressor do que promotor do desenvolvimento. Assim, muitos, de fato, lutam todos os dias contra um inimigo para sobreviver.

Segundo pesquisa da OCDE, uma criança nascida em uma família pobre no Brasil levaria cerca de nove gerações para obter a renda média do país. Um capitalismo de baixíssima mobilidade social. Se comparado, por exemplo, a Portugal e ao Reino Único (UK), principais destinos dos imigrantes brasileiros, o desafio é 80% maior.

 

No entanto, a confusão reside em identificar corretamente o verdadeiro oponente nessa luta diária.

Parece haver, em primeiro lugar, uma incompreensão sobre sua identidade. Uma fração dos trabalhadores, micro, pequenos e médios empresários acredita [é induzida] que faz parte daquele pequeno grupo de ricos e super-ricos. Talvez, por estarem numa realidade um pouco menos sofrível na reprodução cotidiana brasileira e gozarem de certo grau de liberdade em suas escolhas capitalistas, com algum acesso aos bens de consumo similares aos da classe dos ricos, eles cometam o equívoco de não enxergar o óbvio: que são tão explorados quanto a grande massa trabalhadora sub-remunerada do país.

A ausência de clareza sobre o conceito de Estado parece ser o segundo aspecto dessa incompreensão. O Estado é personificado como se fosse um sujeito próprio de tomada de decisão. Quando, em verdade, o Estado se aproxima muito mais de um instrumento de comando, gerenciado por um grupo específico da sociedade que possui interesses próprios.

O que inviabiliza, por sua vez, uma visão mais real e qualificada do Estado. Misturam-se conceitos de governo, Estado e mercado, quando o poder efetivo costuma advir com maior força do último. Os ricos e super-ricos que controlam o mercado exercem seu poder na obscuridade, preferem não aparecer para confundir esses conceitos. Ciente de que o Estado é um instrumento (instituição) que sanciona o poder, a elite dos ricos e super-ricos busca mercantilizar suas relações como forma de controle monetário das suas funções.

Aproveitando-se disto, a elite endinheirada constrói uma armadilha, fazendo acreditar que todo poder emana do povo e que esse povo goza de plenos poderes sobre o seu destino. No entanto, os canais que permitem ao povo o controle efetivo do Estado são negados, principalmente pela alta mercantilização ao acesso aos instrumentos de poder. Logo, através de um marketing negativo, a elite difama a atividade política e a imagem do Estado, personificando esse instrumento para afastar todo e qualquer interesse da população pelo tema e conseguir, com isso, o controle mais fácil e direto da máquina estatal.

Por isso, quando um grupo político divergente dos interesses da elite alcança o governo, normalmente enfrenta forte resistência dentro do aparelho de Estado, pois a lógica mercantil contamina quase todas as relações. Ou seja, um grupo político pode conquistar o governo sem, no entanto, ter condições para exercer as forças de Estado.

Estudo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI) mostrou que entre os anos 2014 e 2018 a grande empresa alcançou melhora, enquanto “no caso das micro, pequenas e médias empresas (MPMe), o máximo que se obteve foi uma contração menos intensa”.

Tendo em mente que as MPMe são as maiores geradoras de emprego da vida produtiva nacional, esse quadro tem impacto direto na dinâmica do emprego do país. Nesse sentido, a questão não reside na retomada do crédito corporativo para as grandes empresas, que são parte importante da estrutura produtiva do país, mas no abandono às micro, pequenas e médias empresas pelos governos posteriores ao golpe de Estado 2016.

Assim, quando a vida passou a ser um pouco melhor para todos os trabalhadores, com inédito acesso ao automóvel zero quilômetro, casa própria, viagens nacionais e internacionais, alimentação diária com carne a mesa, acesso a linhas de financiamento jamais vistas para a produção e alto nível de crédito para as MPMe, a elite viu que era para preciso mudar as coisas para exatamente manter como sempre fora: só os ricos e super-ricos podem ter acesso aos bens mais usuais do Estado, o resto deve se contentar com a benevolência da caridade do senhor do capital.

 

 A tragédia da luta do brasileiro assenta-se em sua míope visão do verdadeiro adversário. Enquanto não for atacado diretamente, seremos sempre golpeados.


*É economista, doutor em Desenvolvimento Econômico (IE-Unicamp), pós-doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Política Social da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e colunista do Brasil Debate.

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