Artigo: É da natureza do ultraliberalismo

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*Por Rogaciano Medeiros

A crise político-institucional se agravou muito nos últimos dias. A situação é preocupante. Para tentar compreendê-la e enfrentá-la, é importante levar em conta aspectos da economia global, os impactos sobre os países, em particular o Brasil, e como os mega interesses econômicos têm modulado implacavelmente a esfera política, assim como as conseqüências do processo sobre o conjunto da sociedade.

Assim como o coronavírus, que surgiu na China e agora ameaça o mundo com alcance e capacidade de destruição ainda imprevisíveis, o projeto de poder da extrema direita nativa, que com Bolsonaro tem transformado o Brasil em um dos grandes laboratórios do neofascismo, também preocupa, e muito, a comunidade internacional. Guardando as proporções, evidentemente.

Consequência do golpe jurídico-parlamentar-midiático de 2016, a experiência neofascista no Brasil, que acompanha uma tendência mundial dos setores mais radicais do capitalismo financeiro, tem atingido um nível de barbárie pela forma como procura combinar a multiplicação dos lucros, especificamente via rentismo, com cortes drásticos de direitos e restrições violentas das liberdades.

O modelo brasileiro, com as aberrações próprias de um país capitalista periférico, cujas elites ainda pensam e agem de forma monárquica e colonial, chama a atenção do mundo por negar e contrariar elementares princípios democráticos e civilizatórios. Um regime cujo único objetivo é subjugar a vontade geral aos interesses de uma diminuta oligarquia, hoje concentrada no sistema financeiro. Uma antítese extremada até mesmo à tradicional democracia liberal burguesa.

Muitos autores, estudiosos, historiadores, sociólogos e professores defendem a tese de que a nova forma de reprodução do capital, chamada de ultraliberalismo, que desmonta valores e práticas do capitalismo clássico, centrado na indústria, na produção, nas disputas reguladas entre os mundos do capital e do trabalho, vai descambar na plutocracia, o governo exclusivo e absoluto dos muito ricos, sem regra geral e muito menos vontade popular. A lei dos mais fortes.  O ser humano sob os desígnios dos donos do dinheiro, integralmente. Um mundo ainda pior, pelo menos para a esmagadora maioria da população, do que era antes do Renascimento e do Iluminismo.

No Brasil tem sido gestado um regime autoritário que impõe rígido controle estatal sobre a superestrutura, a fim de viabilizar facilidades para a infraestrutura ultraliberal. As instituições a serviço, única e exclusivamente, da multiplicação dos lucros, sem a mínima responsabilidade social. O ultraliberalismo, por ser exageradamente excludente e se alimentar do sistema financeiro, precisa de um Estado forte, policialesco, pronto para reprimir violentamente os revoltados, as reivindicações dos excluídos, os movimentos organizados por direitos e liberdades, que em uma conjuntura tão desigual tendem a crescer e se multiplicar. Enfim, eliminar os indesejáveis.

Sem a exatidão da física, segundo a qual a cada ação corresponde uma reação de igual ou maior intensidade, nas Ciências Sociais também se observa fenômeno parecido. A história mostra que, nenhum regime, por mais autoritário, repressor e violento que seja, consegue se sustentar por muito tempo ancorado apenas na força, sem amparo popular. E pior ainda quando nem sequer consegue, como é o caso de Bolsonaro, oferecer o mínimo de bem-estar à população. Só a espada não é suficiente. Ditaduras sem crescimento econômico, sem oferecer pão e circo ao povo têm curta duração e geralmente fins trágicos.

A derrocada do neofascismo, um desafio que requer o esforço de todas as forças democráticas, é indispensável à superação do ultraliberalismo, pois um alimenta o outro. As elites que tramaram o golpe, que contribuíram decisivamente na eleição de Bolsonaro e agora se dizem assustadas com a estupidez, aberrações e as tensões constantes geradas pelo capitão presidente, são as mesmas que facilmente se unificam para ajudá-lo a aprovar a agenda econômica ultraliberal, de caráter entreguista, lesa-pátria, antipovo e atentatória à soberania nacional.

No atual momento histórico, derrotar o neofascismo, que vai bem além de Bolsonaro e aposta na ruptura institucional como projeto de poder, é o ponto de partida para a superação da tragédia ultraliberal, para o resgate do Estado de direito e a conquista de uma democracia social orientada por um modelo de desenvolvimento sustentável capaz de assegurar direitos e liberdades. Um Brasil brasileiro, diverso, plural, contraditório, tão dialético quanto é a vida, próspero e soberano.

*  Rogaciano Medeiros é jornalista, integrante do Movimento Comunicação pela Democracia

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