Dia da Consciência Negra – A democracia se move pela conscientização

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Normalmente, utilizamos datas comemorativas para refletirmos sobre assuntos relevantes para a sociedade. E essa é uma atitude louvável que deve ser incentivada, porém, atualmente não basta refletir sobre intolerância, ausência de espaço de fala, desigualdade, violência, miserabilidades apenas em momentos específicos, mas sim, diariamente, sob pena de nos tornarmos pessoas apáticas às dores e mazelas cotidianas.

Especificamente quanto ao Dia da Consciência Negra, é importante pensarmos no quanto essa parcela da população se sente socialmente invisível.  Poderia discorrer sobre inúmeras causas políticas, econômicas e sociais que justificam essa sensação, contudo, no Brasil, devemos ter em mente o processo de democracia racial[1] que implantou a ideologia de que não existe intolerância racial, desigualdade ou racismo, pois todo brasileiro é fruto da miscigenação.

Isto é, a população negra está rodeada por fatores que desfavorecem ou dificultam a sua integração plena à sociedade, pois o Estado que invisibiliza, reprimi, violenta, encarcera, também mata pessoas negras. O sistema econômico impõe uma postura empreendedora e meritocrática sem considerar as realidades individuais, além de sua própria herança hereditária nos faz sentir angústias, dores e externar comportamentos  resultantes de traumas vivenciados por seus antepassados.

Alguns estudos científicos voltados à epigenética afirmam haver a transmissão de traumas por meio do DNA à determinados grupos de pessoas que foram submetidos a guerras, perseguições, escravidão, apartheid e outros traumas coletivos.

Tudo isso sem contar com o fato de que a sociedade líquida de Bauman é uma realidade. De fato, as pessoas estão cada vez mais centradas em si mesmas, e com maior dificuldade de nutrir empatia com outros seres humanos, de modo que tratar sobre desigualdades sociais e raciais se torna um discurso sem aplicabilidade prática, sendo certo que, às vezes, as pessoas ignoram situações desagradáveis e incômodas, ainda que elas sejam afetadas.

Não nos faltam situações para ilustrar o descaso com o outro, porém, queremos citar o caso de um adolescente negro de 17 anos[2] que foi amordaçado, amarrado e chicoteado nu, durante 40 minutos, por dois vigilantes de um supermercado na Zona Sul de São Paulo, após SUPOSTAMENTE ter furtado barras de chocolates. Se não bastasse o absurdo, um dos agressores gravou e divulgou o vídeo da agressão.

 

Para complementar a narrativa, podemos inserir fatos subjetivos[3] tais como:  este menino é um adolescente negro, analfabeto, morador de rua desde os seus 8 anos de idade, usuário de drogas, o pai faleceu após incidente traumático (incêndio de sua moradia), não mantinha contato com a família, além de ser conhecido na comunidade como uma menino  que “só tinha idade, mas parecia uma criança quando abria a boca”.

O fato é incômodo e nos traz memórias do período escravocrata brasileiro (séculos XVI-XIX), quando as pessoas negras eram punidas brutalmente por algozes que nutriam o sentimento de poder e dominação sobre elas.

O caso foi manchete de jornal, tema de posts no Instagram e Facebook, porém, toda a indignação durou até que fosse substituída por outra notícia tão chocante quanto ela. Ou seja, o desagradável não tem nos tocado como pessoas: existem casos similares ou “piores” que acontecem diariamente, todavia, permanecemos estagnados dentro das nossas bolhas de proteção.

Não pensemos no Dia da Consciência Negra como um dia isolado. É necessário refletir sobre o que nos fará parar de sermos meros espectadores do caos social instaurado. Será se precisaremos de mais dados quantitativos sobre o encarceramento negro? Reportagens e artigos sobre a baixa representatividade de pessoas negras em cargos de gestão e comando na seara profissional? Imagens do extermínio de negros e negras? Relatos de violência psicológica dentro das escolas? Outros casos de tortura? Ou relatos de mães que desde cedo ensinam às suas crianças como não parecerem “suspeitos”?

A reflexão diária é importante, porque quando um adolescente negro é espancado brutalmente, uma deputada negra é alvejada, uma criança morre após ter sido atingida por uma bala perdida na comunidade, um jovem é preso por parecer suspeito de ter cometido um delito, toda a concepção de Estado Democrático de Direito, que vela pela dignidade da pessoa humana, é destruída a olhos nus.

E se a minha cor não determinasse quem eu posso ser?

 

REFERÊNCIAS

[1] Disponível em: <http://www.lbs.adv.br/artigo/consciencia-negra-apos-130-anos-de-abolicao-da-escravidao>. Acesso em 14/11/2019.

[2] Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/09/adolescente-e-despido-amordacado-e-chicoteado-por-furtar-chocolate.shtml>. Acesso em 14/11/2019.

[3] Disponível em: <https://www.gazetaonline.com.br/noticias/brasil/2019/09/menino-torturado-em-mercado-e-analfabeto-e-filho-de-mae-alcoolatra-1014197597.html>. Acesso em 14/11/2019.

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