Economistas lançam livro sobre Celso Furtado contra ‘apequenamento’ do pensamento atual

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Professor lembra que economista definia desenvolvimento como a capacidade de ser dono do próprio destino. “Perdemos essa capacidade”

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Celso Furtado, que teria completado 100 anos em 26 de julho, sempre procurou vincular o pensamento econômico ao social

São Paulo – Celso Furtado: os combates de um economista, livro lançado nesta segunda-feira (3) e já disponível na internet, tenta demonstrar que a visão de um dos principais pensadores brasileiros ia e vai muito além de sua área de atuação. O ex-ministro, cujo centenário se completou em 26 de julho (ele morreu em 2004), sempre enxergou a economia e o país sob diversos aspectos – sociais, políticos, culturais, humanos. “O desenvolvimento econômico era indissociável do social”, afirmou Luciano Coutinho, um dos autores, que participou do debate virtual de lançamento.

O livro é parceria da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (Abed) com a editora Expressão Popular. Está disponível para download no site da Fundação Perseu Abramo.

Ex-presidente do BNDES, o professor Coutinho referiu-se a Furtado como “gênio a serviço do desenvolvimento”. Em seu comentário, abordou as reflexões do economista acerca da subordinação da “periferia ao centro”. Ou seja, a dependência das economias periféricas em relação às desenvolvidas. E citou a experiência de Furtado como diretor da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).

Industrialização como libertação

“A economia da periferia é estruturalmente dependente do dinamismo e dos processos prevalecentes nas economias do centro capitalista. Essa é a visão fundamental”, observou Coutinho. “Ao longo de sua vida, (Furtado) irá defender que o Estado jogue um papel organizador fundamental para poder imprimir um processo de desenvolvimento das forças produtivas. E que ele possa escapar dessas determinações que subordinam a periferia ao centro. Disso surge a ideia de que a industrialização seria a via de libertação, de afirmação da periferia. E do Brasil.”

Desenvolvimento, para Celso Furtado, pressupõe também a formação de uma sociedade cidadã. “Em que a cultura e a visão de mundo dessa sociedade estavam alinhadas a um processo de inclusão social, de ampliação das oportunidades de ocupação, renda”, acrescenta Coutinho. Para ele, nos dias de hoje Furtado estaria indignado e até entristecido diante de tamanho retrocesso. “Ele estaria enxergando o Brasil numa encruzilhada difícil.”

Valores estruturais

Para o professor e também ex-ministro Luiz Gonzaga Belluzzo, mais que economista, Furtado era um pensador sobre “valores estruturais” da sociedade brasileira, preocupado inclusive com o futuro. E seria “um ser um tanto estranho” na atual comunidade econômica. Marcada, diz Belluzzo, por uma “visão reducionista”.

Debate sobre Furtado. Autores lembram que a economia precisa considerar outros fatores. Políticos, tecnológicos, humanos, sociais

Diferente do pensamento restrito contemporâneo, Furtado tinha “amplitude de concepções e visões”, análises integradas. “Ele gostava de analisar as coisas no seu conjunto, no seu movimento, na sua constituição. E ao mesmo tempo na perspectiva de sua evolução. Ele integra todas as dimensões da vida social”, avalia Belluzzo.

Professor e presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), Antonio Corrêa de Lacerda citou o livro A Construção Interrompida, de 1992, que mostra um Celso Furtado “maduro e decepcionado com os caminhos brasileiros”. Um país que substituiu projetos de desenvolvimento, aponta Lacerda, por planos de estabilização restritos.

“Isso coincide com um apequenamento da visão econômica”, acrescenta o professor. Assim, passou a predominar uma visão financeira, de curto prazo, sem considerar outros aspectos. E, na contramão, propondo redução do papel do Estado.

Momento dramático

Lacerda dá como exemplo a atual área econômica. O governo extinguiu ministérios e concentrou em uma só pasta as áreas da Fazenda, Planejamento, Indústria, Comércio Exterior e Trabalho. “Na verdade, é um ministério de finanças. Não faz políticas públicas, políticas industriais”, emenda.

Para resumir o “momento dramático” do país, ele destacou uma definição do próprio Furtado: desenvolvimento é ser dono do próprio destino. E conclui: “Nós perdemos a capacidade de ser donos do próprio destino e, assim, perdemos a capacidade de nos desenvolver”.

Subordinação estrutural

Segundo o professor Rubens Sawaya, a leitura de Celso Furtado preserva a visão de economia política, “que é a tradição que a gente deveria cultivar”. Ele acredita que, hoje, Furtado estaria vivendo uma angústia semelhante à de 1964, diante da subordinação em diversos pontos de vista: cultural, política, tecnológica, estrutural, por parte das chamadas elites brasileiras.

“Essas elites se tornam parceiras do grande capital transnacional e, de certa forma, subordinam-se quase completamente a esse grande capital e a esses interesses transnacionais”, afirma. Para Sawaya, isso impediu, inclusive, a constituição de uma elite capitalista nacional. “A gente não consegue sair dessa armadilha.”

Mediadora do debate, a professora Simone Deos tentou acrescentar uma dose de otimismo. “Sim, (Furtado) estaria triste. Mas acho que ele também manteria sua esperança. Apenas humanizada é que a economia pode ser um instrumento para a gente compreender a realidade e transformá-la.”

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