Violência contra ativistas – Sobre a “… coisa do pessoal dos direitos humanos …” – Por Magali do Nascimento Cunha

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O clima social que envolve a execução da vereadora Marielle Franco, trouxe mais uma vez à tona o tema dos Direitos Humanos. Dados de relatórios de organismos internacionais, trazidos à discussão, falam do Brasil como um país perigoso para quem atua nesta causa.


Os levantamentos mostram que o Brasil está entre os quatro países que mais matam ativistas e defensores, ao lado de Colômbia, Filipinas e México. Em 2016, 66 ativistas foram executados em nosso país (um em cada cinco dias), número ainda maior que 2015, com 56.


Por que estas pessoas morrem? O que defendem para se tornarem alvos letais?


Elas se somam a uma extensa lista de homens e mulheres em todo o mundo, desde o século XVIII. A partir de ideais humanistas de igualdade, fraternidade e liberdade, essas pessoas têm defendido que os seres humanos, não importa sua origem, idade, sexo, formação cultural ou religiosa, devem ter direitos básicos garantidos para serem tratados como humanos.


Este processo culminou em 10 de dezembro de 1948, quando a Assembleia Geral da ONU adotou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. O documento de 30 artigos é resultado de consenso entre os países sobre quais são os direitos básicos da vida.


A vida e a liberdade são o eixo para uma lista de direitos que incluem identificação civil, educação e cultura, saúde, moradia, lazer e férias remuneradas, inocência até que se comprove culpa, tribunal e julgamento, reunião e associação, voto e participação pública, comunicação e expressão entre outros preceitos. A declaração ainda condena a prisão, a detenção e o exílio arbitrários, a escravidão, a tortura e tratamentos cruéis.


Passados 70 anos, a Declaração dos Direitos Humanos é desafiada à inclusão de pautas que representam dignidade humana nos nossos tempos e que não eram ênfases no passado. Direitos econômicos, sociais, culturais, ambientais e sexuais emergem como demandas para que homens e mulheres sejam plenamente humanos e tenham o suficiente para uma vida digna.


Quantas leis foram criadas a partir desta base, garantindo nossos direitos como cidadãos em todo o mundo! Ainda assim há muitas violações, com abusos da parte de governantes e seus subordinados. Por isso ativistas se levantam para denunciar e clamar pelo cumprimento destes princípios. E acabam representando ameaça para quem não quer direitos iguais para todos.


Nesse sentido, toda e qualquer referência superficial e de senso comum à causa dos direitos humanos que os classifique restrita e pejorativamente como ações para “proteger bandidos” ou “desprezar vítimas desses bandidos” é abordagem inumana, desinformativa e deseducadora.


É discurso de quem quer direitos exclusivos para uma parcela da população, e sustenta a manutenção de desigualdades e injustiças da ordem social com chavões limitados como “isso é coisa do pessoal dos direitos humanos…”.


Este conteúdo tem sido lugar comum em programas de TV sensacionalistas, de promoção da violência. Eles são o retrato da urgência de ações pela democratização das mídias, um direito humano. Enquanto isto, as mídias sociais acabam se tornando outro espaço de farta disseminação destes conteúdos, por conta de ignorância mas também má-fé de quem veicula.


Do ponto de vista da fé cristã, proclamar e defender direitos é corresponder ao desejo do Deus Criador que fez o ser humano à sua imagem e semelhança e sempre se revelou no mundo para que o direito à vida e à comunhão fosse afirmado. Os textos da Bíblia estão repletos de passagens que remetem à pauta dos direitos inspirados por Deus.


A começar dos conhecidos “Dez Mandamentos”, síntese das leis presentes no Pentateuco (a Torá judaica), que, mesmo sendo de época longínqua, têm ampla relação com os 30 artigos da Declaração dos Direitos Humanos. E mais, enfatizam atenção aos mais vulneráveis: os pobres, os órfãos, as viúvas e os estrangeiros.


As desigualdades e o desrespeito aos direitos humanos e da terra têm dominado a ordem social por muitas gerações e o nome de Deus é muitas vezes usado para justificar isto. Não foi diferente no contexto registrado nos textos bíblicos. Por isso surgiram os profetas que declaravam o desprezo de Deus pela religião cúmplice dos opressores, e demandavam que “o direito e a justiça corressem como um rio” (Amós 5.24).


Também Jesus de Nazaré conclamou à busca pelo governo (reino) baseado na vontade de Deus e sua justiça. Ele alertou que no Final dos Tempos, no dia do Grande Julgamento dos seres humanos, Deus acolheria ao seu lado os que defendessem a sua pauta de direitos, especialmente os que diziam respeito aos “pequeninos” (vulneráveis, tratados indignamente): os sem roupa, sem comida e bebida, os presos, os estrangeiros (Mateus, 25).


Profetas, Jesus e seus seguidores pagaram com a vida ao identificarem-se como defensores do direito e da justiça. De Martin Luther King a Nelson Mandela, de Vladimir Herzog a Heleny Guariba, de Chico Mendes a Marielle Franco, é muita gente que continua empenhando a vida nesta causa, em sintonia com o desejo de Deus de que haja vida digna e plena para todas as pessoas.


Por meio destas ações do passado e do presente, seguimos com esperança que se cumprirá entre nós o que disse o poeta: “Fará sobressair a justiça de Deus como a luz e o direito de Deus como o sol ao meio-dia” (Salmos 37.6).


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