Artigo | Desafios dos fundos de pensão no Brasil atual

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Por Sérgio Mendonça e Antônio Bráulio de Carvalho

1. Década perdida (2011-2020)

Nos últimos seis anos, desde 2015, a economia brasileira perdeu dinamismo e entrou em recessão em três desses anos (2015, 2016 e 2020) ou apresentou baixo crescimento em outros três anos (2017, 2018 e 2019). A Fundação Getúlio Vargas (FGV) estima que, ao final de 2020, a economia brasileira, em termos absolutos, estará apenas 2% maior do que em 2010.

Dez anos para crescer 2%! Pelo indicador de renda per capita, ou renda por habitante, estaremos cerca de 6% mais pobres do que estávamos em 2010. Uma segunda década perdida em 40 anos – esta década (2011-2020) e a década de oitenta (1981-1990).

2. Economia real em “frangalhos” nos últimos seis anos (2015-2020)

Um País mais pobre consome menos, investe menos e vê os indicadores de desigualdade, pobreza e fome piorarem. Os serviços públicos perdem qualidade e abrangência, a infraestrutura econômica e social se deteriora, sendo incapaz de garantir até a manutenção dos equipamentos públicos e/ou concessões privadas (estradas, ferrovias, portos, equipamentos de saúde, educação e segurança). A indústria de transformação brasileira, ao final dos anos de 1970, era a maior indústria dos países emergentes e chegou a representar cerca de 25% do PIB à época. Atualmente, sua participação não passa de 10% do PIB. O mais grave é que a regressão da indústria brasileira, chamada de desindustrialização, está ocorrendo antes de o País atingir sua maturidade econômica. A renda per capita no Brasil é de cerca de ¼ da renda per capita dos países desenvolvidos.

3. Austeridade expansionista, taxa de investimento e “fadinha da confiança”

Diante desse quadro tão desafiador, a política econômica dos dois últimos governos (Michel Temer e Jair Bolsonaro) tem apostado na “austeridade expansionista” ou na “fadinha da confiança”. Essa política aposta na redução do papel do Estado, do gasto e do investimento público, e na estabilidade da dívida pública. Segundo os defensores dessa política, cumprida essa cartilha ortodoxa à risca, os investimentos privados retornariam “com tudo”, ocupariam o espaço do investimento público e fariam a economia retomar o crescimento. O investimento privado cresceria pela confiança na estabilidade fiscal do País. Essa concepção econômica ganhou força após a crise mundial de 2008 e foi aplicada, sobretudo, nos países ao sul da Europa (Grécia, Espanha, Itália e países do Leste Europeu), pressionados pelas autoridades da União Europeia. Registre-se que não deu certo por lá.

Nossa versão tupiniquim da “austeridade expansionista” foi a Emenda Constitucional 95/2016, a emenda do teto de gastos. Quatro anos depois de aprovada, parece que a “fadinha da confiança” segue dormindo na floresta. A confiança das empresas privadas não retornou, a taxa de investimento privado não decolou e a economia brasileira segue andando de lado. Para piorar, os investimentos públicos estão sendo reduzidos desde então, contribuindo para esse estado de paralisia econômica.

4. O Brasil na contramão do mundo. Anacronismo da Política Econômica

Com raríssimas exceções, e por razões diferentes dos postulados pela teoria da austeridade expansionista, nenhum país importante no cenário global abriu mão do gasto público tal como o Brasil. Não existe algo parecido com o nosso teto de gastos nas maiores economias do mundo.

Recentemente os organismos internacionais (de forte tradição liberal ou neoliberal) têm reafirmado a importância do investimento público em infraestrutura para a retomada da economia, especialmente após a crise da pandemia do novo Coronavírus. O Fundo Monetário Internacional (FMI) vem liderando essa discussão. Suas estimativas apontam para um crescimento de 2% do PIB mundial em 2025 se os países economicamente mais fortes investirem, de modo sincronizado, 0,5% do PIB em 2021; 1% em 2022, e sustentarem esse nível de investimento até 2025. Em períodos de forte ociosidade dos recursos, como o atual, esse investimento, liderado pelo gasto público, contribuirá para a geração de empregos, redução do desemprego e aumento da produtividade da economia.

Aqui no Brasil o debate econômico está completamente fora da ordem. Parece que vivemos em outro planeta ou num mundo paralelo (alguns acham isso mesmo). Discute-se redução de gastos públicos, privatização, venda de patrimônio público e por aí vai. Nenhum país sério está discutindo essa agenda. Aqui apostamos na “fadinha da confiança” que segue descansando na floresta!

5. Cenários para 2021 e próximos anos

A crise mundial do novo coronavírus em 2020 tornou os cenários mundial e brasileiro muito incertos para os próximos anos. E adiou, momentaneamente, o debate sobre os problemas estruturais da economia brasileira e a ausência de um projeto nacional de desenvolvimento. A economia brasileira cresceu, em média, pouco abaixo de 1,5% ao ano desde 2017, depois de sair da recessão do biênio 2015-2016. O país recuou ou vem andando de lado desde 2015. E não vinha bem no início de 2020, antes da pandemia. Com a pandemia, a situação se agravou. O PIB deve recuar entre 4,5 e 5% neste ano de 2020.

O cenário pós-pandemia é desafiador para o Brasil. No cenário mais provável, teremos fim do auxílio emergencial, aumento do desemprego, precarização do trabalho, manutenção do teto de gastos, apoio insuficiente para micro, pequenas e médias empresas, continuidade da política de enfraquecimento das empresas e bancos públicos e privatização do patrimônio público. E uma enorme crise social e, provavelmente, política.

Sem uma forte presença do Estado, de suas empresas e bancos, e sem ampliar o investimento público em infraestrutura (vide FMI), dificilmente recuperaremos a queda de 2020 em 2021 e nos próximos anos. Tudo leva a crer que com essa visão anacrônica da equipe econômica do atual governo caminharemos para uma crise sem fim.

6. Fundos de pensão, economia real e perspectivas da economia brasileira

Como ficam os fundos de pensão nesse cenário incerto e de baixo crescimento? Primeiramente é preciso entender que os resultados dos fundos de pensão dependem diretamente do desempenho econômico do País. Portanto, as projeções para 2021 devem seguir o padrão de cautela que domina o segmento de previdência complementar há alguns anos, com os dirigentes buscando os títulos públicos como opção para investimentos e os órgãos de fiscalização e regulação criando mecanismos, por meio de normas, para evitar a percepção de aprofundamento do desequilíbrio dos planos de benefícios pelos participantes.

A novidade trazida por essa virada de ano é que o cenário aponta que o mundo inteiro deverá conviver com taxas de juros muito baixas ou negativas por um longo período. E o desafio é que os gestores dos fundos de pensão no Brasil não estão habituados a essa nova realidade, por terem sido educados para atuar tão somente na especulação financeira.

Por fim, uma aposta na eventual valorização da bolsa de valores no Brasil dificilmente terá sustentação no médio e longo prazo se a economia real não retomar a trajetória de crescimento e não passar confiança aos investidores.

Onde investir para alcançar as metas atuariais das entidades fechadas de previdência complementar?

Ironicamente, a necessidade e urgência de retomar o desenvolvimento nacional poderá resultar em oportunidades de negócios, sobretudo em infraestrutura econômica e social, que permitiria o casamento ideal com o interesse das entidades fechadas de previdência complementar (EFPC). Os fundos de pensão dispõem de recursos de R$ 1 trilhão (cerca de 13% do PIB) e parte desse montante poderá contribuir para suplementar as necessidades do País.

Para isso será preciso que o governo realinhe o modelo de desenvolvimento, visando o crescimento da economia real, o aumento de empregos e da renda dos trabalhadores; volte a fomentar as parcerias público-privadas e estruture negócios que deem retorno adequado às metas atuariais dos planos de benefícios. É sempre necessário lembrar que os fundos de pensão constituem o único mecanismo de poupança de longo prazo e sua vocação original é investir no desenvolvimento do País.

Sérgio Mendonça é economista e diretor do Reconta Aí
Antônio Bráulio de Carvalho é presidente da Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão e dos Beneficiários de Planos de Saúde de Autogestão (Anapar) – www.anapar.com.br

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