Por Eliana Alves Cruz
O potiguar Igor Eduardo Cabral desferiu 61 socos no rosto da namorada, Juliana Garcia, dentro de um elevador, desfigurando sua face. Uma agressão brutal que não matou a vítima por sorte. Um caso entre os milhares que assolam o país. Os dados nos contam que o número 190 foi acionado um milhão de vezes em 2024, com dois pedidos de socorro por minuto. No ano passado, 88 mil mulheres foram vítimas de estupro e 4 mil sobreviveram a tentativas de assassinato (feminicídio).
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública não deixa mentir. A violência às mulheres é uma das nossas maiores e mais graves doenças. A contagem ficou em 1.438 casos de feminicídio e outros 2.707 de homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte. Os números gerais de morte reduziram 5,07% de 2023 para 2024, mas a quantidade de gente perdendo por ser mulher ainda é gigante.
É tudo muito desconcertante. Há quem diga que é bom voltar para casa, mas olhando os dados e o noticiário definitivamente não é o caso para uma parcela enorme das brasileiras. A casa é o principal lugar onde as violências acontecem. O inimigo está lá dentro mais do que nas ruas.
Obviamente, o recorte racial dessas estatísticas conta, mais uma vez, quem é a ponta mais frágil nisso tudo. Nos casos de violência contra mulheres de 20 a 59 anos, 60,4% foram contra mulheres pretas e pardas, enquanto 37,5% contra mulheres brancas.
Para cada morta ou agredida, existe um ou mais assassinos e agressores. Não são facínoras facilmente identificáveis. São pessoas “comuns” que te atendem no comércio, que cruzam com você nas ruas, que estão nos espaços públicos e convivendo em sociedade. Seres humanos que guardam algo de monstruoso dentro de si e deixam este ser tenebroso sair quando a porta da intimidade se fecha. Como eles nascem, se desenvolvem, são encorajados a agir?
Para cada uma destas perguntas temos as respostas, mas preferimos rotulá-las e fugir de encará-las com a urgência necessária e que vai além da punição depois da vida que se foi ou da vida que fica repleta de cicatrizes no corpo e na saúde mental.
É bonito fantasiar maternidade, casamento, lua de mel, lar… nenhum desses sonhos tem resistido a pulsão de morte cada vez mais premente entre nossos jovens. Desde muito cedo um feminicida dá seus sinais. Ele ultrapassa os limites razoáveis na primeira oportunidade e raramente se arrepende porque foi ensinado de aquele corpo alvejado não vale nada e é sua propriedade.
O potiguar Igor Eduardo Cabral desferiu 61 socos no rosto da namorada, Juliana Garcia, dentro de um elevador, desfigurando sua face. As filmagens correram as redes e a foto em close do rosto arrebentado de Juliana estampou milhares de perfis nas redes sociais.
As visualizações das duas peças bizarras e grotescas explodiram, pois a mesma sociedade que “disse” ao Igor Eduardo que era isso o que devia fazer quando uma mulher que ele considerasse “dele” o contrariasse, é a mesma que tem no sangue e na dor de Juliana os seus likes de engajamento e entretenimento.
Juliana sobreviveu. Basta saber como a partir de agora viverá. Parece não haver cientista que consiga encontrar vacina para epidemia nacional de ódio às mulheres.
Eliana Alves Cruz é carioca, escritora, roteirista e jornalista





