Sintomas pós covid-19 são recorrentes e exigem preparo do poder público

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Especialistas alertam: é mais comum uma pessoa curada apresentar queixas do que o contrário e a reabilitação é essencial

Antes mesmo de conseguir diminuir consistentemente os números diários do coronavírus, o Brasil já enfrenta dificuldades para tratar pacientes considerados curados, mas que apresentam sintomas recorrentes após a alta. Os casos de pessoas que têm queixas parecem ser mais frequentes do que o número de contaminados que passaram pela covid-19 e se recuperaram totalmente. Essa percepção já havia sido exposta em um estudo feito no Reino Unido e se confirma no cotidiano de acompanhamento dos ex-pacientes.

Um exemplo de que o poder público precisa se preparar para os pacientes pós-covid vem de Manaus (AM), cidade que enfrentou um colapso no sistema de saúde e no setor funerário durante o pico do surto do coronavírus no primeiro semestre. No dia 29 de setembro, o jornal O Estado de São Paulo publicou uma reportagem relatando que pacientes já curados do vírus ocupavam mais de 60% dos leitos de UTI do principal hospital de referência para covid-19.

O estudo britânico da Universidade de Oxford apontou que mais da metade das pessoas que receberam alta tiveram sintomas como falta de ar, fadiga, ansiedade e depressão por três meses após a infecção inicial. No Brasil, uma pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) notou situações semelhantes, como relata a autora do estudo e professora do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da Unicamp, Clarissa Lin Yasuda.

“Para nossa surpresa, infelizmente, as queixas são múltiplas. Mais surpresa ainda é que não são queixas respiratórias. A principal queixa é fadiga. Parece que é um senso comum, principalmente para pessoas que passaram da fase aguda, elas têm quase dois meses depois. Mais de 40% se queixam de fadiga, mais de 30% reclamam de dor de cabeça, quase 30% falam que têm problema de memória e mais de 20% que estão com sonolência excessiva diurna”.

As queixas são múltiplas. Mais de 40% de fadiga, mais de 30% reclamam de dor de cabeça, quase 30% falam que têm problema de memória

Os sintomas observados nos casos que vêm sendo chamados de covid longa não se limitam apenas à parte neurológica do organismo. A falta de ar persistente foi constatada em 64% dos pacientes acompanhados pelo estudo britânico. Exames também mostraram problemas pulmonares em 60% dos casos, danos nos rins em 29% dos pacientes e sintomas cardíacos em 26%.

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A professora Yasuda alerta ainda que os sintomas foram observados em pacientes que tiveram a forma menos grave da doença. “Uma minoria (apenas) consegue ter a certeza absoluta de que está totalmente recuperada”, ressalta ela.

Há ainda a presença de sintomas psiquiátricos, como ansiedade e depressão. Nesse caso, o problema pode estar relacionado também ao estresse causado pela própria pandemia, uma preocupação global. Uma pesquisa feita pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) nos meses de maio, junho e julho revelou que 80% dos brasileiros ficaram mais ansiosos durante a crise sanitária do novo coronavírus.

Reabilitação deve ser foco

Diante dos resultados de estudos e observações, fica cada vez mais explícito que os governos precisam se preparar para a demanda de sintomáticos pós-covid, que tende a crescer junto com os números da pandemia. No Brasil, alguns estados e cidades atuam nesse sentido, mas não há nenhum plano nacional capitaneado pelo Governo Federal para preparar o Sistema Único de Saúde (SUS).

Na Universidade Veiga de Almeida (UVA), no Rio de Janeiro, um projeto de monitoramento e reabilitação de pacientes da covid teve início ainda no mês de março. O professor Yves de Souza, líder do Laboratório de Pesquisa em Reabilitação Pulmonar da UVA, também ressalta a surpresa com o fato de que grande parte dos ex-infectados que relatam sintomas posteriores não tiveram a forma grave da covid-19.

Ele conta que até junho, as equipes de saúde estavam alertas às consequências respiratórias, normais em pacientes que passaram por UTI. No entanto, com o passar do tempo, o cenário mudou. “Mais de 90% do público eram de pessoas que tiveram a doença moderada, que não precisaram de hospitalização e nem de grandes cuidados, apenas cuidados clínicos, medicamentos para tratar sintomas. Depois que tudo foi tratado, as pessoas se queixavam de falta de ar, de um cansaço progressivo e persistente, dor muscular por fadiga”, diz Souza.

O professor relata ainda que, mais recentemente, as equipes começaram a perceber alterações cardiovasculares e de coagulação que geram problemas neurológicos. “Hoje, mais do que nunca, a gente vê pacientes já curados da fase aguda da covid-19 como pacientes com doença multissistêmica. A parte pós é realmente o que mais chama atenção”.

As chances de não conseguir chegar perto do que era antes é real quando a pessoa não busca reabilitação a tempo

Segundo o professor, os pacientes que notam cansaço, falta de ar ou qualquer sintoma que não existia antes da covid-19 devem procurar um médico e iniciar acompanhamento. “A gente sabe que quanto mais cedo começa, melhores são os resultados. As chances de não conseguir chegar perto do que era antes é real quando a pessoa não busca reabilitação a tempo. Continuando a reabilitação, vai continuar o processo de melhora.”

Monitoramento e tecnologia

Outra iniciativa de monitoramento de pacientes que já se curaram da covid-19 vem do Recife (PE). A startup Salvus, da área de saúde e tecnologia, criou um aparelho que mede temperatura, saturação sanguínea, frequências cardíaca e respiratória em tempo real. O aparelho foi disponibilizado a moradores de comunidades periféricas da Região Metropolitana do Recife.

Por dois meses, essas pessoas serão acompanhadas de maneira remota e receberão orientação e reabilitação caso apresentem sintomas. O Sistema de Atenção Básica Emergencial (Sabe) se comunica pela internet e as informações são disponibilizadas para o paciente e para os gestores em saúde. “A ideia é receber os pacientes e fazer esse grande check up“, afirma a engenheira biomédica Rafaela Covello, uma das criadoras da iniciativa.

“A gente realiza essa mensuração e também promove estratégias e ações de conscientização. Trazer as pessoas para mais perto, reforçar os cuidados com a covid, lavagem da mão, uso de máscara, alimentos saudáveis que a pessoa deve consumir, realização de exercícios físicos e esse monitoramento inicial usando o dispositivo”, explica ela.

Fiocruz inicia estudo de progressão da covid

Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) vai conduzir uma pesquisa em oito municípios brasileiros para entender a progressão do coronavírus em seres humanos, do início ao desfecho da infecção. Serão 5 mil voluntários monitorados. O estudo vai submeter os pacientes a avaliações clínica e laboratorial minuciosas.

Além de entender a resposta imune e inflamatória do corpo humano à covid-19, o chamado Rebracovid também vai ainda acompanhar o período de pós-infecção para avaliar os sintomas e possíveis sequelas. Um dos objetivos é justamente conhecer os cenários nos quais a infecção ocorre e as características que podem impactar o desenvolvimento da doença, para reduzir o impacto da covid-19 na saúde pública e na economia.

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