As diversas roupas do projeto de atraso para o Brasil – Por Fabio Sobral

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Por Fabio Sobral

As classes dominantes têm um projeto de atraso para o Brasil e em benefício próprio. É um projeto de longuíssimo prazo, que se desdobra em pressupostos diferentes ao longo dos séculos.

O primeiro degrau do atraso foi a escravidão e genocídio indígenas e a devastação das florestas. Em seguida, a escravidão de africanos ao longo de mais de três séculos. A exploração brutal e a violência que a mantinha. A articulação internacional de setores mercantis com as classes dominantes de outros países, inclusive com a associação de setores arcaico-escravistas e modernas formas de investimento capitalista: setores financeiros (bancos) e bolsas de valores.

A propriedade fundiária continuou intocada, mesmo após o fim formal da escravidão. Seu poder ficou evidenciado na República Velha, em que o governo federal comprava os excedentes de produção do café, por meio do Acordo de Taubaté em 1906. Um Estado inteiramente ao serviço do poder agrário. Um atraso associado aos bancos internacionais, ao seu setor financeiro e às bolsas de valores mundiais.

Mesmo a industrialização a partir dos anos 30 do século XX continuou conservando intocado o poder das classes dominantes. Propriedade latifundiária conservada. Concentração da produção em certas regiões por meio de políticas cambiais e fiscais. Verbas para os setores ricos.

A industrialização tem uma segunda fase com Juscelino Kubitschek. Sua principal característica foi a abertura às multinacionais sem uma contrapartida em tecnologia. Modernidade das máquinas combinada a relações de dominação predatórias. Submissão completa ao projeto automobilístico das gigantescas montadoras internacionais.

Porém, mesmo as concessões dadas às classes dominantes não bastavam. Era preciso mais. Havia que esmagar reivindicações salariais e democráticas, expandindo a lucratividade a patamares estratosféricos. Veio a Ditadura em 1964. Mais violência estatal organizada para “setores modernos”. Tecnologia nas fábricas e tortura e mortes nos porões. Sem falar nos esquadrões da morte tão comuns nas cidades brasileiras organizados por setores das forças armadas e das polícias militares. Uma máquina de extermínio de pobres e negros das periferias urbanas. Um treinamento dirigido pela Agência de Inteligência Americana (CIA), como descrito com farta documentação por Vincent Bevins no livro “O Método Jacarta”.

Após o fim da Ditadura vieram os governos neoliberais de Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso. Seu “projeto” era recompor a grande fazenda da República Velha com desindustrialização e inserção do Brasil somente na venda de “commodities”: soja, minério de ferro, café e carne. Mais uma vez modernidade do capital financeiro agora digital com exploração da população brasileira e devastação da Natureza.

Nesse momento um novo mecanismo ganhou destaque: a dívida pública interna. Sua dimensão ganhou força e centralidade. Banco Central, concentração bancária, entrega dos mercados de dólares aos especuladores internacionais e elevação das taxas de juros.
Lentamente a legislação foi sendo alterada para essas formas “modernas” do atraso. A Lei Kandir que permite exportações sem cobrança de tributos dos setores de produtos primários e semielaborados. Um incentivo a quem exporta bens não industrializados. A desindustrialização como projeto.

A proibição do uso das reservas cambiais (dólares) em benefício da redução das desigualdades e melhoria da vida do povo brasileiro. As reservas são destinadas apenas à especulação dos setores que dominam os mercados de câmbio.

Por último, a “autonomia” do Banco Central, onde dirigentes em geral vindos das diretorias de grandes bancos controlam as taxas de juros da dívida pública e justificam essa ação com teorias falsas de que os juros controlam a inflação. Juntam-se economistas ligados aos grandes capitais para defender uma política de sangria dos tributos pagos pela população empobrecida aos setores financeiros. O maior programa de transferência de renda do mundo, mas não para redistribuir a renda e sim para concentrar.

Quando vamos superar esse projeto do atraso?

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*Fábio Sobral é economista, doutor em Filosofia e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC)

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