Câmara de Deputados promove o Pacote do Veneno

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No Brasil, a Câmara de Deputados está debatendo o Projeto de Lei (PL) 6299/02, conhecido como “Pacote do Veneno” ou “Pacote do Agrotóxico”. Usinas de açúcar, frigoríficos, indústrias do papel e da celulose, bem como outras grandes empresas financiam economicamente alguns corruptos integrantes da chamada bancada ruralista, responsável por este criminoso projeto.

Além de permitir o uso de agrotóxicos proibidos em outros países, o Brasil é líder mundial em sua utilização.

Se de 2006 a 2016, o mercado global de agrotóxicos cresceu 93 por cento, no Brasil o crescimento foi de 190 por cento, com destaque para 2015, ano em que a agricultura brasileira recebeu 900 mil toneladas de agrotóxicos.

No Brasil os agrotóxicos estão exonerados de alguns impostos, com isso é surreal saber que o imposto de 34 por cento contido no preço final dos medicamentos seja maior que o imposto contido no preço dos agrotóxicos, de apenas 22 por cento.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), anualmente há 25 milhões de casos de envenenamento por agrotóxicos, dos quais 20 mil foram fatais.

No Brasil, de 2007 a 2017, foram contabilizados mais de 107 mil casos de intoxicação, dos quais 3.452 levaram à morte. Esses números são aproximados, pois sabe-se que muitos envenenamentos não chegam a ser registrados.

Para as grandes empresas da indústria química, e para os latifundiários, esta situação não é sequer considerada alarmante e os privilégios que recebem, a seu ver, não são suficientes.

Por pensarem assim, é que estão pressionando os deputados da bancada ruralista – também conhecida ironicamente como “bancada do boi” – pois querem aprovar um Projeto de Lei apelidado pela sociedade civil como “Pacote do Veneno”.

A bancada ruralista está integrada por 207 dos 513 deputados da Câmara.

Se a saúde dos trabalhadores, trabalhadoras e consumidores não é um tema de preocupação para os legisladores, menos ainda será o fato de o “Pacote do Veneno” infringir tratados internacionais ratificados pelo Brasil, especialmente os convênios 155 e 170 da OIT, sobre a segurança e a saúde dos trabalhadores e do meio ambiente no trabalho, ou por colocar em risco a segurança dos trabalhadores ao manusearem perigosamente produtos químicos no ambiente de trabalho.

Alerta sobre as consequências danosas

A seguir, alguns dos problemas presentes no mencionado projeto:
-Alterar a denominação “agrotóxico” por “defensivo fitossanitário” ou por “produto de controle ambiental”, pretendendo esconder o verdadeiro risco contido nestes produtos.

Guilherme Franco Netto, da Fiocruz1, lembra que de acordo com a etimologia das palavras, agrotóxicos provém da conjunção de agro, que significa terreno cultivável, e de tóxicos, que significa veneno; enquanto fitossanitários provêm de fito=planta e sanitário=saúde.

-Autorizar qualquer produto, pelo simples fato de ter sido aprovado por pelo menos três países da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

–Não mais retirar de circulação e venda os produtos considerados perigosos, apenas passando a ser realizada uma “nova análise” dos riscos, ainda que quem os considere perigosos seja um órgão encarregado da saúde, alimentação ou meio ambiente, e faça parte de um tratado ou convênio do qual o Brasil seja membro ou signatário.

-Dar um prazo de um ano, prorrogável por mais seis meses, para a nova análise dos tais produtos “fitossanitários e afins” ser concluída. Durante todo este tempo, será permitida a importação, comercialização, produção e uso do tal produto.

–Autorizar a produção e comercialização de agrotóxicos que apresentarem “riscos aceitáveis”, e só proibir a importação e produção daqueles agrotóxicos que apresentarem “riscos inaceitáveis”.

Em nenhuma parte do projeto define-se, entretanto, quais serão esses “riscos aceitáveis”.

Para os agrotóxicos serem liberados, só será preciso a autorização do Ministério da Saúde, deixando de fora a atual participação de outros organismos, como o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), eliminando a transparência da análise.

-Pelo que veremos mais adiante, suponho que a redução proposta se encontra dentro dos programas de rentabilidade das empresas: é mais econômico subornar um organismo público que três.

Não há banquete grátis
Conchavo de empresários e legisladores

É evidente a relação que existe entre as doações para as campanhas dos deputados da bancada ruralista e as propostas de flexibilização das regulamentações para os agrotóxicos.

De acordo com Cida de Oliveira2, produtores de cana-de-açúcar, eucalipto, tabaco, amianto, fábricas de todos os tamanhos, indústrias químicas, de alimentos, celulose, armas, gado, bancos e seguros de saúde, estão entre os maiores financiadores das campanhas dos deputados, defensores da aprovação do “Pacote do Veneno”.

São setores cujos sistemas de produção dependem dos agrotóxicos, ou porque os fabricam, ou porque os vendem ou porque pretendem ampliar a participação do agrotóxico em todo o agronegócio.

Oliveira menciona os nomes dos deputados e das quantidades de dinheiro que receberam para suas campanhas políticas. Entre as empresas “doadoras” figuram algumas conhecidas:

Raízen, a maior produtora de açúcar e de etanol do Brasil, sendo quem abastece todos os postos da Shell com etanol. Foi condenada pelo Ministério Público do Trabalho (MTP) por expor os seus trabalhadores dos canaviais aos agrotóxicos, sem proteção adequada.

Braskem, a maior petroquímica da América Latina. Entre outros produtos, elabora o chamado “plástico verde”, obtido da cana-de-açúcar, cultivo que é o segundo maior consumidor de agrotóxicos do Brasil (a soja ocupa o primeiro lugar).

Fibria, a maior produtora mundial de celulose de eucalipto.

JBS e BRF; as duas transnacionais da indústria da carne aparecem como contribuintes de numerosos deputados.

Nufarm, transnacional australiana que figura entre os 10 maiores produtores e fornecedores mundiais de agrotóxicos, entre eles o 2,4-D.

Mitsui, conglomerado japonês que, entre outros produtos, produz agrotóxicos. Trabalha em parceria com a alemã Basf para desenvolver uma nova molécula, a broflanilide, para ser usada como inseticida.

Itaú e Bradesco encabeçam a lista de bancos que aparecem como financiadores da bancada ruralista.

Philip Morris e China Brasil Tabacos. As duas indústrias de tabaco foram acusadas por trabalharem com fornecedores acusados de usar mão-de-obra análoga à escrava em suas plantações, bem como de expor seus trabalhadores aos agrotóxicos, sem a vestimenta adequada. Os trabalhadores usavam apenas boné, bermuda e chinelos de dedo.

Eternit, filial da transnacional belga Etex, elabora telhas e caixas d’água a partir do amianto.

Taurus, fabricante de pistolas, revólveres e espingardas também aparece entre os financiadores.

Manifestaram-se contra o “Pacote do Veneno” alguns partidos da oposição, o Ministério Público Federal (MPF), o IBAMA, a Anvisa, a Fiocruz, e o Instituto Nacional do Câncer (Inca).

Um manifesto contra a proposta foi aprovado por 320 movimentos, redes e organizações sociais, entre elas a Confederação Nacional de Trabalhadores da Agricultura (CONTAG), filiada da Rel-UITA.

Confiemos em que se consiga deter a ofensiva dos financiadores do veneno.

No Brasil atual tudo pode acontecer, até mesmo vermos o direito à vida, à razão e à honradez ter a possibilidade de se impor ao caos que assola o país.

1- Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), localizada na cidade do Rio de Janeiro, é considerada a mais destacada instituição de ciência e tecnologia em saúde da América Latina.
2- Usinas, bancos, agrotóxicos, tabaco e armas financiam a “bancada do veneno”. Rede Brasil Atual, 16.05.18.

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