Celso Monteiro Furtado nasceu a 26 de julho de 1920 em Pombal filho de Maria Alice Monteiro Furtado, de família de donos de terra, e Maurício de Medeiros Furtado, de família de magistrados.
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O centenário de nascimento de Celso Furtado (1920-2004), autor do clássico “Formação Econômica do Brasil” (1959), que se comemora neste domingo (26), levanta discussões sobre a presença do Estado na economia, como um país em desenvolvimento pode superar os atrasos tecnológicos em relação às grandes economias desenvolvidas, além do cada vez mais atual debate sobre a desigualdade de renda.
“Meu primeiro interesse foi a ciência política. Daí fui para as ciências sociais em geral, e daí é que fui para a economia. Se você não tem ideias claras e evidentes sobre a economia na sociedade, fica sempre um pouco no superficial. Para entender a vida da sociedade é preciso saber como é que se mata a fome, primeiro”, afirmou Furtado em suas memórias.
Nelson Marconi, professor da Eaesp-FGV (Escola da Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas), afirma que uma das ideias centrais de “Formação Econômica do Brasil” é a necessidade de o país se industrializar, ter uma estratégia para romper o atraso no processo de desenvolvimento.
Segundo ele, esse é um tema ainda mais atual no momento em que o país passa por um processo de desindustrialização, iniciado ainda na década passada e acentuado desde a última recessão (2014-2016).
Apesar de as propostas de Furtado não serem as mesmas que se aplicam ao cenário atual –ele propunha, por exemplo, taxas de câmbio múltiplas e ampla política de substituição de importações–, isso não invalida suas ideias centrais, diz Marconi.
“Se tivéssemos avançado mais no processo de industrialização, e não regredido, estaríamos enfrentando melhor essa crise. A gente precisaria voltar a se industrializar para poder crescer com mais autonomia, mas regredimos, nossa economia está se primarizando”, diz Marconi, ao destacar a dependência do país das exportações de commodities, como na época em que o clássico de Furtado foi escrito.
A questão das desigualdades regionais é outro tema atual, segundo o economista Celso Mangueira, presidente do Corecon (Conselho Regional de Economia) da Paraíba, que tem organizado eventos na terra natal do homenageado.
Furtado participou da criação da Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste), que presidiu durante os governos Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart, antes de se tornar, com Jango, o primeiro ministro do Planejamento do Brasil.
“Ele é considerado um dos grandes intérpretes do nosso país. ‘Formação Econômica’ traduz a evolução econômica do nosso país, caracterizando um país subdesenvolvido, dependente das economias centrais”, diz Mangueira.
“Isso desemboca em sua preocupação maior, que é usar seu conhecimento para enfrentar a questão da desigualdade na região Nordeste.”
Tido como um dos fundadores e principais expoentes do desenvolvimentismo na América Latina, Furtado é frequentemente associado ao pensamento de esquerda, apesar de ter se filiado ao PMDB na década de 1980 e ter sido ministro da Cultura no governo José Sarney (1985-1990), político que apoiou o governo militar –regime que cassou os direitos políticos de Furtado.
“Ele tinha uma tendência um pouco mais à esquerda, mas não era um homem de esquerda. Defendia a presença do Estado em áreas em que a iniciativa privada não tivesse condições de mobilizar recursos para as nossas necessidades em termos de infraestrutura, mas não de uma forma radical. Tinha preocupação com a questão das contas públicas, do equilíbrio fiscal”, afirma Mangueira.
“Não dá para chamar de keynesiano, pois ele acabava mesclando bastante as teorias, não se restringiu a uma corrente para formular a teoria dele”, afirma Marconi, da FGV.
Ainda assim, Furtado tinha divergências com economistas brasileiros liberais, como os ex-ministros Roberto Campos (1917-2001) e Mário Henrique Simonsen (1935-1997), o que é lembrado pelo economista Edmar Bacha, ex-presidente do BNDES e um dos autores do Plano Real, em homenagem feita pela ABL (Academia Brasileira de Letras).
Bacha conviveu com o economista por cerca de um ano, nos EUA, durante parte do exílio de Furtado após o golpe militar de 1964.
Segundo Bacha, Furtado não acreditava no sucesso do plano econômico do governo Castelo Branco, que acabaria por pavimentar o caminho para o “milagre” dos anos 1970.
“Celso Furtado parece não acreditar em uma reviravolta no plano político, assim como não acredita no sucesso da política econômica. Ele acha que a ideia do Roberto Campos é repetir o êxito do Estado associado com os EUA, tipo o Canadá, o que julga não ser factível”, afirma Bacha ao citar uma carta da época.
O economista Andre Tosi Furtado, professor da Unicamp e filho de Celso Furtado, destaca a importância da passagem de seu pai, em 1949, pela Cepal (Comissão Econômica para a América Latina, órgão das Nações Unidas).
“Meu pai não pode ser entendido sem pensar a América Latina e esse grupo que reinterpretou a economia da região. O pensamento de Celso Furtado e da Cepal deve ser visto como uma variante da visão crítica da economia política, aplicada aos países periféricos. Repensar a teoria econômica diante da realidade desses países”, afirmou o professor durante palestra parte das comemorações do centenário, na última semana.
Uma dessas críticas se refere ao pensamento dominante de que esses países estavam no mesmo caminho das economias centrais, só atrasados em seu nível de desenvolvimento, e deveriam seguir o mesmo modelo de desenvolvimento. Para Furtado, estavam em trajetórias diferentes e caberia ao Estado atuar para pô-los no rumo do desenvolvimento.
Tosi Furtado destaca também o pensamento multidisciplinar do pai, que acreditava que a economia não tem todas as respostas e é dependente de outras disciplinas sociais.
“A economia não chegaria a ser para mim mais do que um instrumental que me permitiria, com maior eficácia, tratar problemas que me vinham da observação da história ou da vida dos homens em sociedade. Nunca pude compreender a existência de um problema estritamente econômico”, afirmou o pai no texto “Autoretrato Intelectual”.