Para coordenador da Rede Análise Covid-19, resultados da vacinação são positivos, mas avanço da variante delta e abandono das medidas protetivas deverão causar mais mortes evitáveis
São Paulo – Apesar dos resultados positivos conforme avança a vacinação, o súbito e acelerado abandono das medidas protetivas por estados e municípios e o avanço da variante delta fazem a realidade da pandemia de covid-19 no Brasil ser motivo de preocupação para especialistas da área. Em São Paulo, por exemplo, onde o governador João Doria (PSDB) enfatizou que “acabou a quarentena”, o libera geral para aglomerações deve provocar aumento de casos e mortes, embora o uso de máscaras siga obrigatório até o fim do ano em todo o estado.
As consequências já são observadas em países até então considerados modelos em suas campanhas de vacinação, como os Estados Unidos e Israel. Os norte-americanos enfrentam colapso hospitalar, especialmente em cidades do Sul – que concentram maior parcela de negacionistas. Apesar de contar com grande oferta de imunizantes de vários fabricantes, apenas 46% da população tomou as duas doses. Em Israel, onde o governo liberou aglomerações e até mesmo desobrigou o uso de máscaras, o percentual de totalmente vacinados estagnou em torno de 65%. O resultado é que o país vive uma nova escalada de casos, internações e mortes. A Organização Mundial da Saúde (OMS), recomenda imunização de mais de 80% de toda a população para conter o vírus, antes de se pensar em revogar as medidas de distanciamento social e de cuidados pessoais.
Erros propositais
“Pelo que se lê nos portais de notícias, eles estão apostando na vacina como ‘bala de prata’ e desistindo de qualquer controle da transmissão, o que parece ser cada vez mais um erro (…) Apostar só em vacinas e desistir de controlar a transmissão vai custar caro”, afirma o coordenador da Rede Análise Covid-19, Isaac Schrarstzhaup, ao analisar a situação de Israel e também dos Estados Unidos. O cientista de dados afirma ser um erro considerar apenas porcentagem de adultos vacinados como parâmetro para medir o controle da pandemia. “Se somarmos os percentuais de 0 a 19 anos na pirâmide etária de Israel, temos 35,6% da população, ou seja, ‘só’ 64,4% de 20 anos pra cima. Aqui mais um exemplo sobre (o erro de só) medir a vacinação em população adulta”, completa.
Isaac relata que “a proporção de casos graves e óbitos em relação aos casos leves está se reduzindo com as vacinas, mas qualquer aumento exponencial em indicadores de hospitalizações e óbitos indica que ainda não estamos prontos pra superar isso”. Portanto, reforça, “é preciso evitar a todo custo mensagens precoces de que acabou a pandemia”, e também “fazer de tudo para vacinar todos e controlar a transmissão até chegar em uma maioria absoluta da população total vacinada”.
Hoje (20), foram notificados mais 870 óbitos por covid no Brasil em um período de 24 horas, de acordo com o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass). O país chega a 573.511 vítimas oficialmente registradas. Em relação ao número de novos casos no período, foram 33.887, totalizando 20.528.099 desde o início da pandemia, em março de 2020.
Os indicadores desta sexta-feira apontam para duas tendências distintas. Por um lado positivo, puxado pelo avanço da vacinação e, por outro, preocupante, em razão do relaxamento da vigilância sobre os riscos do chamado contágio comunitário.
Assim, a chamada média móvel diária de mortes está em 807 óbitos a cada um dos últimos sete dias. É o menor número desde o dia 7 de janeiro. O movimento de queda nas vítimas é sustentado, e ocorre desde a segunda quinzena de abril. No dia 12 daquele mês, o Brasil atravessava o pico do surto de covid até então, com média de 3.124 mortes diárias.
No entanto, o número de infectados, que havia entrado em declínio no fim de julho, interrompeu o movimento e, desde sábado (14), a média apresenta tendência de crescimento. Para a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), se mantida a postura de relaxar completamente as medidas para evitar aglomerações, nos próximos dias a epidemia voltará a piorar, também provocando alta nas mortes.
Cenários distintos
Ao longo desta semana, 16,4% dos municípios brasileiros apresentaram aumento no número de casos reportados. É o que mostra levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Essa tendência é especialmente relevante nas grandes cidades. Um dos piores cenários está no estado do Rio de Janeiro. Sete cidades passam por colapso do sistema de saúde, com falta de leitos de UTI. Na capital, o prefeito Eduardo Paes (DEM), afirmou que pode retomar medidas restritivas diante do aumento de casos. O estado foi o primeiro do Brasil a registrar dominância da variante delta do novo coronavírus. Por outro lado, de 1.896 cidades ouvidas pela CNM, 1.144 (60%) não registraram mortes por covid na semana.
Vacinas x variante delta
Também hoje, foram divulgados novos estudos sobre a eficácias das vacinas em relação à variante delta do coronavírus. Confirmando levantamentos anteriores, os resultados reafirmam que todos os imunizantes seguem garantindo proteção contra a covid-19. Isso, mesmo em relação à variante delta, que é até 70% mais contagiosa que as cepas até conhecidas.
Um dos estudos, feito pela Universidade de Oxford, conclui que as vacinas AstraZeneca e Pfizer funcionam bem, mas a proteção tende a cair com o tempo. Enquanto isso, o Escritório de Estatísticas Nacionais (ONS na sigla em inglês), ao lado do Departamento de Saúde e Assistência Social (DHSC), ambos da Inglaterra, divulgou uma estatística com ampla amostragem, mais de 2,5 milhões de análises. Os resultados foram positivos; ambos os fármacos seguem com proteção acima de 90% contra a delta, se aplicadas duas doses.
Os resultados, considerados animadores, somam-se a outros estudos que também asseguram a eficácia das demais vacinas em circulação no Brasil: CoronaVac e Janssen. Enquanto isso, a variante delta se espalha pelo país. Embora as vacinas sigam como melhor estratégia para evitar mortes, especialistas defendem que elas não podem ser as únicas. Medidas de distanciamento social e uso de máscaras seguem recomendadas.
O cenário tende a ser pior no Brasil, devido ao grande atraso para o início da vacinação. Em razão disso, ainda é baixo o percentual de vacinados com duas doses, apenas 26,47% da população. Também preocupa o número de pessoas em atraso para a segunda dose. De acordo com o Ministério da Saúde, 8,5 milhões de brasileiros não retornaram para completar a imunização.