Dieese tem novo diretor técnico, que alerta: “privatização é desconstrução de política de Estado”

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Em entrevista à Fenae, Fausto Augusto Junior fala sobre desafios e prioridades para os próximos anos, futuro do sindicalismo e ações de interesse dos trabalhadores da Caixa

O cientista social Fausto Augusto Junior, 45 anos, é o novo diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Ele assumiu o cargo, no início deste mês de fevereiro, no lugar do sociólogo Clemente Ganz Lúcio, que permaneceu na função durante 16 anos.

Fausto é paulistano, formado em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP). Antes de se graduar, trabalhou como eletrotécnico. Também foi professor da rede estadual. Chegou ao Dieese em 1996.

No mesmo dia da posse do novo diretor técnico, Maria Aparecida Faria — do Sindicato dos Trabalhadores Públicos da Saúde no Estado de SP, ligado à Central Única dos Trabalhadores (CUT) — assumiu a presidência do Departamento no lugar de Bernardino Jesus de Brito, do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo (Força Sindical).

Fundado em 1955 por sindicalistas desconfiados dos índices oficiais de inflação, o Dieese tem cerca de 700 associados, entre sindicatos, federações, confederações de trabalhadores e centrais sindicais, que fazem parte da direção da entidade. A Fenae é uma das federações assessoradas pelo Departamento.

A instituição tornou-se referência em pesquisas sobre custo de vida, salários, mercado de trabalho, perfis de categorias profissionais e de setores, greves, negociações coletivas, entre outras. Os estudos regulares do Dieese mais conhecidos são a Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos (PNCBA) e o Índice do Custo de Vida (ICV) da cidade de São Paulo, realizados desde 1959. A Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), que desde 1985 era feita em parceria com a Fundação Seade na Grande São Paulo e mais tarde implantada em outras regiões do país, foi descontinuada.

Nesta entrevista à Fenae, Fausto Junior conta quais são as atuais grandes adversidades para o universo sindical, os desafios do Dieese para os próximos anos e as prioridades da gestão dele. Fala também sobre o futuro do sindicalismo após as reformas Trabalhista e da Previdência e analisa a meta do governo de privatizar 17 empresas públicas; entre elas, a Caixa.

Confira a entrevista:

O que o Dieese considera como “grandes adversidades” para o universo sindical?

O mundo do trabalho está mudando. Estamos em um daqueles momentos da história em que as adversidades com relação ao novo governo são só alguns dos problemas. A lógica da organização da produção está mudando, temos uma revolução tecnológica em andamento e, ao mesmo tempo, a própria forma de representação em que o trabalhador está se vendo. Então, o desafio do movimento sindical, hoje, é se adequar a essas novas formas de organização do trabalho mas também às novas formas de representação que esta organização está pedindo.

No que consistiu a reestruturação promovida no Dieese nos últimos três anos e o que ela representa para o assessoramento das entidades associadas?

O Dieese é uma instituição do movimento sindical. Quando o movimento sindical entra em dificuldades, em desafios de se transformar, cabe ao Dieese também se transformar. A reestruturação foi isso. De certo modo, ela pretendeu deixar o Dieese mais ágil, mais leve, com capacidade de respostas mais rápidas para mudanças muito aceleradas. Ao mesmo tempo, um Dieese que possibilite a gente pensar esse novo a partir de uma outra visão para o próprio mundo do trabalho, que é nosso objetivo de estudo cotidiano. E, acima de tudo, a assessoria para o movimento sindical, que está demandando um conjunto de discussões mais complexas para enfrentarmos as adversidades. O Dieese está se preparando para isso. A reestruturação tem muito a ver com isso.
Quais são os principais desafios do Departamento nos próximos anos?

Imediatamente, atravessar a crise. É uma crise econômica; mas, é uma crise sindical, de financiamento dos sindicatos, que inevitavelmente atinge o Dieese. A principal meta é passarmos por este vale, sairmos dele reorganizados e tendo ajudado o movimento sindical a se reorganizar. Um novo movimento sindical que vai surgindo nessa reorganização vai criar um novo Dieese.

Quais são as prioridades do Dieese?

É ajudar o movimento sindical a lidar com estas transformações. A criar saídas para um momento muito difícil em que o movimento sindical está colocado. Esta é a prioridade número 1 do Dieese. Do ponto de vista temático, significa que vamos discutir o futuro do trabalho e a representação dos trabalhadores nessa nova forma de organização do trabalho.
Qual é o futuro do sindicalismo após as mudanças ocorridas com as reformas Trabalhista e da Previdência?

O sindicalismo inevitavelmente vai se reorganizar. Ele precisa se reorganizar. Há uma fala muito equivocada de que o sindicalismo vai acabar, os sindicatos vão fechar. Enquanto houver exploração, vai haver trabalhador organizado. Enquanto houver trabalhador organizado, vai ter sindicatos. O que vamos assistir e a história vai nos contar é quais serão os sindicatos, se serão os mesmos sindicatos que a gente tem hoje, se são esses sindicatos que vão se transformar, se são novos sindicatos que vão ser construídos. Não há dúvida que os trabalhadores sempre estarão organizados brigando contra o processo de exploração.

Qual a avaliação do Dieese sobre os processos de negociação coletiva após as reformas? Quais têm sido os principais desafios junto ao governo?

Com relação às negociações coletivas, a primeira ação do movimento sindical foi tentar minimizar o que as reformas colocaram. Então, as pautas e mesas de negociação levaram, em grande medida, a uma tentativa de o movimento sindical ir bloqueando o processo de precarização que as reformas traziam. É claro que isto foi um processo de resistência e o que estamos assistindo agora é um processo de reorganização e readaptação. O futuro das negociações passa por um olhar mais apurado sobre os impactos, de fato, desta Reforma Trabalhista e como é que a gente vai passar a reorganizar estes trabalhadores; e a partir da própria negociação, ampliar direitos que foram perdidos em vários momentos. Então, isto é uma luta nova a partir da Reforma Trabalhista, que está alterando significativamente a lógica com que o trabalhador está, hoje, garantido de seus direitos.

Em relação ao governo, é preciso ter clareza de que ele tem um objetivo muito claro: a desconstrução do movimento sindical brasileiro. Eu diria que desde a Revolução de 30, desde o governo Getúlio (Vargas), é a primeira vez que um governo tem, claramente, esta intensão. Mesmo a ditadura não tinha uma intensão tão clara como este governo tem. A ditadura queria cooptar o movimento sindical. Este governo tem a intensão de destruir o movimento sindical. É fundamental a gente ter esta compreensão. A relação com este governo é, inevitavelmente, de resistência. Não há dúvida sobre isso. Não pode pairar dúvida que existe alguma chance de a gente ter uma relação um pouco mais civilizada com um governo que quer te destruir.

O que o senhor pensa sobre os planos do governo de privatizar 17 empresas públicas; entre elas, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil?

A proposta deste governo é de entrega do Estado brasileiro. Algo que, se não conseguirmos barrar, vai mudar, de maneira estrutural, o que nós entendemos de Brasil. Mesmo que daqui dois, quatro, oito anos a gente tenha transformações de governo, uma vez que estas privatizações aconteçam, nenhum novo governo terá as ferramentas que estão sendo descontruídas. Não é só uma questão da privatização. É também a desconstrução de uma política de Estado. É um desmonte claro do Estado brasileiro, que enfraquece as possibilidades de construção de saídas autônomas para o país e vai ampliando a nossa dependência em relação aos países centrais, como é o caso dos Estados Unidos. Então, o embate das privatizações não é uma discussão econômica como todos tentam apontar; ela é uma discussão estratégica e geopolítica.

Quais foram os motivos que levaram o Dieese a paralisar a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), uma referência nacional desde 1985?

A Pesquisa de Emprego e Desemprego é uma pesquisa primária e uma pesquisa primária é muito cara. A PED sempre foi um grande acordo entre o movimento sindical, por meio do Dieese, os governos estaduais e o governo federal por meio do Ministério do Trabalho. O primeiro movimento (do atual governo) é que não existe mais o Ministério do Trabalho, o que é simbólico para compreendermos como este governo olha para a questão do desemprego: não é uma preocupação efetiva deste governo. E ter instrumentos que meçam este desemprego, muito menos. Nos governos dos estados, o movimento foi parecido porque boa parte dos recursos era advinda do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). Inclusive, uma das proposta que tramita dentro do governo, hoje, é a extinção de fundos, dos quais o FAT está no meio deles. A manutenção da Pesquisa de Emprego e Desemprego, sem recurso público, é quase nula. Nossa possibilidade de receita — inclusive, com a redução drástica da contribuição sindical — nos colocou uma série de entraves para continuarmos com esta pesquisa. Isto não significa que o Dieese deixou de refletir e estar o tempo todo monitorando a questão do emprego no Brasil. O que nós estamos fazendo é criando outras possibilidades mais baratas, mais acessíveis, e, ao mesmo tempo, mais ágeis. Também estamos dentro dos debates técnicos sobre as ferramentas de medição. Porque a grande vitória da PED foi ter transformado a pesquisa do IBGE, introduzindo conceitos que lidavam com a heterogeneidade de um mercado de trabalho como o nosso.
O que o Dieese planeja de pesquisas e atividades, para este ano, que possam interessar/beneficiar os trabalhadores da Caixa?

Temos toda uma discussão que passa pela questão da Reforma Administrativa e interfere diretamente no que a gente entende pela composição do serviço público. Isto faz parte da nossa pauta de trabalho ao longo deste ano. Nós vamos trabalhar muito em cima também da questão orçamentária, por meio da Reforma Tributária, e isto interessa diretamente aos trabalhadores da Caixa porque envolve o conjunto de tributos que atingem os cidadãos. Estamos apoiando todas as lutas contra as privatizações das estatais em diversos fóruns e instâncias; inclusive, junto ao Congresso Nacional. Do ponto de vista das pesquisas, o nosso foco é a questão da desigualdade e da precarização do trabalho, sobre as quais temos que olhar com muito cuidado e atenção. Mesmo aqueles que estão dentro do banco estão vendo que as coisas estão mudando: o número de PJs (Pessoas Jurídicas) aumenta; o número de trabalhadores precários aumenta dentro de qualquer banco, inclusive nos bancos públicos. Também estamos olhando muito para a tecnologia e o futuro do trabalho; e o sistema bancário talvez seja o que mais investe em tecnologia no Brasil. E tecnologia vem claramente substituindo mão-de-obra, substituindo o bancário cada vez mais por sistemas eletrônicos. Isto tudo faz parte da nossa pauta e dos estudos que estamos fazendo e intensificaremos ao longo deste ano.

 

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