Direito do Trabalho, emprego, tecnologia: mudanças e permanências

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Adriana Goulart de Sena Orsini1 e Nancy Vidal Meneghini2

Nossas premissas …

Premissa 1: a promoção de caminhos interpretativos equânimes e adequados é o caminho hermenêutico adequado, face o princípio constitucional da vedação ao retrocesso social e a observância da normatização das categorias nucleares do Direito e do Processo do Trabalho.

Premissa 2: o caráter civilizatório destes ramos jurídicos continua e continuará imperativo, pois o trabalho humano continuo é um fundamento central da República Federativa do Brasil por via dos artigos 1º e 7º.

Premissa 3: discursos economicistas vazios, baseados em “lugares comuns”, sem comprovação científica, vinculados a vieses liberais, não serão considerados, pois tratam-se de instrumentos de manipulação.

Nossas ideias, nossos marcos, teóricos e científicos …

De acordo com o Maurício Godinho, (DELGADO, 2019. p.101), a relação de emprego permitiu ao empreendedor capitalista usufruir do máximo da energia, da inteligência, da emoção e da criatividade do trabalhador, pois, ao combinar liberdade pessoal do trabalhador com direção empresarial pelo empreendedor, originou um mecanismo de integração da pessoa ao sistema produtivo. Tornou-se, assim, do ponto de vista econômico-social, a principal forma de trabalho nos últimos 2 séculos e meio.

Questionamentos do Direito do Trabalho tem o intuito de desconstruí-lo, reduzi-lo e até mesmo torná-lo insignificante para a prevalência de hiper exploração do ser humano, trabalhador ou empregado, o que não se afigura científica, jurídica e humanamente adequado.

Os dados estatísticos produzidos pela Coordenação de Trabalho e Rendimento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, divulgados em abril de 2021, revelam que a relação de emprego é, de fato, a mais expressiva: 67,19 % da população brasileira ocupada em relação à força de trabalho (83.867), relativa a dez/jan/fev de 2021, corresponde aos empregados.

A análise da Pnad Contínua: abril de 2021 demonstra que o número de pessoas ocupadas na categoria empregado é de 56.355, em que pese o número de pessoas sem carteira no setor privado e no trabalho doméstico ser da ordem de 23,76%. O número da informalidade (sem carteira) que é mais expressivo é o que se refere ao trabalho doméstico, pois para 1.310 com carteira, temos 3.598 sem carteira, isto em dez/jan/fev 2021.

No período de dez/jan/fev/2020 a relação era 1.717 para 4.492. Todavia, a diminuição no número deve ser lida em consonância ao número de trabalhadores domésticos que era de 6.209 e caiu para 4.908. Veja-se que os números se referem ao trimestre durante a pandemia do Coronavírus.

Vivemos em uma era digital, fruto de processo denominado de Revolução 4.0, 4ª Revolução Industrial ou ainda Indústria 4.0, que surgiu em meados de 2010. Esse conceito diz respeito ao uso de tecnologias para a troca de dados, automação por meio de sistemas cyber-físicos (compostos por elementos computacionais colaborativos para a gestão de entidades físicas), Internet das coisas (relacionada com a capacidade dos objetos cotidianos se conectarem à internet e coletar e transmitir dados) e computação em nuvem (que é o fornecimento de serviços de computação de armazenamento, servidores, banco de dados, rede, software, de forma online).

A revolução tecnológica e as tendências comportamentais advindas desse processo transformaram as possibilidades do trabalho e da interação entre empregadores e empregados. Jornadas de trabalho móveis — como a jornada do trabalho intermitente — e o trabalho à distância — os home offices — são exemplos de situações em que houve a modificação das condições do emprego. Tais modificações foram, inclusive, incorporadas pela legislação trabalhista, reconhecendo a importância de seu tratamento em norma jurídica.

A tecnologia trouxe também modificação mais drástica: inaugurou-se nos últimos anos nova forma de realização do trabalho, intermediada por aplicativos digitais, que tem recebido o nome de “uberização”. Uberização é o termo utilizado para tratar de fenômeno geral, marcado por modelo de negócio denominado de disruptivo, ou seja, de acordo com Clayton M. Christensen, Michael E. Raynor e Rory McDonald (2015), modelo de negócio que traz inovação que desestabiliza os concorrentes e torna ultrapassado tudo o que se conhece até então no seu segmento de atuação.

As empresas responsáveis por esses tipos de aplicativos digitais afirmam que fornecem apenas uma ferramenta, para facilitar a captação de clientes para o trabalhador autônomo. Autores afirmam que se trata de exploração do trabalho humano, baseada na apropriação das qualidades da emoção do trabalhador para torná-lo devedor de sua autorrealização, concretizada pelo aumento do dever de trabalhar, ao qualificá-lo — e ele acreditar nisso — em “microempresário-parceiro”.

Para além de ser ou não relação de emprego, a uberização é uma relação de trabalho, o que atrai a competência da Justiça do Trabalho. Portanto, ainda que o hermeneuta não considere que os uberizados (motoristas ou entregadores) sejam empregados celetistas (nos moldes dos artigos 2º e 3º da CLT), esses indivíduos são trabalhadores, sendo, portanto, competência da Justiça do Trabalho lidar com os conflitos judiciais que dizem respeito a essas relações de trabalho.

Gabriela Neves Delgado, os direitos constitucionais trabalhistas, elencados no art. 7º da Constituição Federal, devem ser estendidos a todo trabalhador, sem restrição imposta por parte da doutrina e jurisprudência — incluindo esses trabalhadores uberizados, ainda que não reconhecidos como empregados —, com o intuito de assegurar aos trabalhadores o “patamar civilizatório mínimo do direito fundamental ao trabalho digno” (DELGADO, 2006).

O único critério de exclusão do Direito e do Processo do Trabalho que pode ser tolerado é apenas aquele que tange às relações de trabalho que não sejam capazes de dignificar o homem, como, por exemplo, o trabalho escravo.

1 Pós-doutora na área de Direito das Relações Sociais e Trabalhistas (UDF), Brasília/DF. Professora doutora associada da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Membro do Corpo Permanente do Programa de Pós-graduação da FDUFMG. Desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho da 3a Região. Gestora do Programa “Trabalho Infantil” no TRT3. Coordenadora do programa RECAJ UFMG – ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO em Acesso à Justiça e Solução de Conflitos. Pesquisadora Capes e CNPq em Acesso à Justiça e Solução de Conflitos. Coordenadora do Projeto Estruturante do PPGD/UFMG. Mestre (1999) e doutora (2006) em Direito pelo Programa de Pós-graduação da Faculdade de Direito da UFMG.

2 Mestre pela UFMG (2021). Linha de pesquisa Acesso à Justiça e Direitos Humanos. Monitora do PROGRAMA RECAJ UFMG – ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO em Acesso à Justiça e Solução de Conflitos. Assistente do Advogado-Geral do Estado. Publicado originalmente no Justificando.

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