Dois casos da doença da “vaca louca” fizeram o Brasil suspender voluntariamente as exportações de carne bovina para a China.
Logo após, o Brasil retira a suspensão ao garantir que não há mais risco no rebanho. Porém, a China mantém o embargo, que completou dois meses no dia 4/11. E por quê?
Quais os prováveis motivos para a continuidade do embargo imposto pela China? Vamos a eles.
Primeiro: a China percebeu a dependência crescente da carne brasileira. Um calcanhar de Aquiles perigoso para os tempos de confronto geopolítico com os Estados Unidos. O alinhamento automático do Brasil aos interesses americanos poderia provocar um bloqueio ao fornecimento.
Era preciso encontrar alternativas. E a China tem trabalhado nisso há algum tempo com a construção de gigantescas “fazendas verticais”, prédios para criação de suínos. Há projetos imensos na China e na Argentina. Ou seja, o embargo às exportações de carne brasileiras pode ser permanente.
Segundo: o preço da carne estava muito alto e a China busca reduzir o preço. A oferta estagnada levaria os exportadores a assinarem contratos de longo prazo menos inflacionados.
Terceiro: o governo chinês cansou das agressões quase diárias do governo Bolsonaro, e teria resolvido colocar o governo brasileiro em seu devido lugar? E qual é este lugar? O de um país que depende da China para manter um saldo positivo no comércio internacional, sem o que entraria em colapso financeiro.
A ideia de que a China não teria opções ao fornecimento do Brasil é insustentável. Há projetos financiados por capital chinês: 1) de plantio de soja em quase toda a Ásia Central, na Rússia, na Tanzânia e na Argentina; 2) de extração de minério de ferro no Congo e na Argentina; 3) de fornecimento de carne, como já foi discutido acima. O petróleo, o qual é comprado em quantidades massivas pela China ao Brasil, possui também, por sua vez, mercados alternativos – como o Irã, a Rússia e a Venezuela – e pode ser facilmente substituído. Sublinhe-se que tais produtos são centrais da pauta exportadora brasileira para o gigante asiático.
Não sabemos se o embargo continuará. Mas ele revelou brutalmente que a economia brasileira escolheu o caminho errado: o de um país meramente exportador de bens primários. Há benefícios tributários para exportar produtos “in natura”, ou seja, sem nenhum beneficiamento industrial. É um benefício previsto na chamada “Lei Kandir” que regulamenta impostos sobre exportações brasileiras.
O Brasil volta ao período pré-industrial; um retrocesso bizarro. Uma economia dependente dos preços das matérias-primas, submetida à alternância entre pujança quando os preços estão altos nos mercados de “commodities” e crise, “default”, quando os preços caem. Isso já apontou Celso Furtado no clássico “Formação Econômica do Brasil”. A famosa crise periódica do balanço de pagamentos que estrangulava os pagamentos de compromissos internacionais.
Além disso, essa economia agrária e mineral exportadora tem uma característica violenta: são poucos os que se beneficiam. Somente os setores mais ricos usufruem dos ganhos obtidos.
O embargo chinês é um sinal de desespero para o Brasil.
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Fábio Sobral é membro do Conselho editorial de A Comuna e professor de Economia Ecológica (UFC)