Reduto petista no Brasil, o Nordeste e seus 53 milhões de habitantes aguardam com ansiedade o início do governo Jair Bolsonaro (PSL), em 1º de janeiro de 2019.
Isso porque as dificuldades de apoio para o novo presidente estão delineadas nas próprias forças políticas da região. Historicamente, o Nordeste coloca suas lideranças para influenciar ou integrar o governo eleito, mas, desta vez, elas estão distantes da composição de Bolsonaro, seja em ministérios já anunciados, seja no próprio Congresso Nacional.
No Senado, por exemplo, apenas dois dos 18 senadores nordestinos eleitos no início de outubro declararam apoio ao capitão reformado. Além disso, os nove governadores da região são de partidos de oposição e fizeram campanha para Fernando Haddad (PT).
Com relação ao Nordeste, Bolsonaro já expôs algumas ideias, embora não detalhe as propostas no plano de governo registrado no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). A região é citada especificamente na área de energia: “O Nordeste tem grande potencial de desenvolver fontes de energia renovável, solar e eólica”.
“Apesar de acreditarmos que o novo modelo será benéfico para o Brasil como um todo, consideramos que o Nordeste será uma das regiões mais beneficiadas”, acrescenta o texto da proposta vencedora.
“Com sol, vento e mão de obra, o Nordeste pode se tornar a base de uma nova matriz energética limpa, renovável e democrática”, prossegue. ”Expandindo não somente a produção de energia, mas de toda a cadeia produtiva a ela relacionada.”
“Coitadismo” e Bolsa Família
Mesmo durante a campanha, Bolsonaro falou pouco sobre políticas regionais. À TV Cidade Verde, do Piauí, disse que iria acabar com o “coitadismo” dos nordestinos, citando que as políticas afirmativas seriam um erro.
Na mesma entrevista, prometeu tratar os governadores eleitos do Nordeste sem retaliações por serem petistas ou aliados do PT. “Não podemos prejudicar o povo do Piauí, de qualquer estado que seja, porque tem um governador que não se alinha ideologicamente conosco. Vamos tratar todos os estados de forma republicana”, afirmou.
Bolsonaro também anunciou uma medida que terá impacto especialmente no interior do Nordeste. O pagamento de um 13º no benefício do Bolsa Família. Hoje, metade das 14 milhões de famílias beneficiárias do programa é nordestina.
Crescimento em 13 anos
O Nordeste viveu uma era de crescimento econômico e redução de desigualdades entre 2003 e 2015, com patamares inéditos. O n mero de pessoas pobres no Nordeste foi de 30 milhões para 14 milhões de pessoas, segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). O instituto considera como pobres as famílias que não conseguem suprir a seus membros o mínimo de calorias necessárias para se manterem.
Também nesses 13 anos, o PIB (Produto Interno Bruto) da região cresceu mais que o nacional em 11 oportunidades, chegando a 7,9% de alta em 2010.
Contudo, os governos das regiões Norte e Nordeste são hoje os mais dependentes de repasses federais para manter as contas públicas em dia. O FPE (Fundo de Participação dos Estados) responde por mais da metade da receita da maioria desses estados.
Além disso, o Nordeste tem estatais que ajudam no desenvolvimento regional. Um exemplo é o Banco do Nordeste, que oferece crédito a juros mais baixos e por vezes subsidiados a pequenos empresários e produtores rurais.
Para o doutor em economia regional Cícero Péricles de Carvalho, professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), as propostas apresentadas por Bolsonaro não apontam para um seguimento da política de desenvolvimento regional na era petista.
Além disso, a proposta de redução da máquina estatal pode ter impactos negativos para localidades mais pobres.
“O congelamento dos gastos federais, as privatizações e a redução das estatais penalizariam fortemente o Nordeste, carente de recursos das empresas públicas, dos programas de obras e muito dependente do sistema financeiro federal.” (Cícero Péricles de Carvalho,professor da Unifesp)
“A proposta liberal de Bolsonaro e de seu assessor econômico, Paulo Guedes, centrada mais na lógica de mercado, ainda que não tenha apresentado projetos regionais, é muito favorável às regiões mais ricas, nas quais a presença de políticas públicas é demandada, mas sem a dramaticidade nordestina”, completa.
Para Carvalho, há outros temas nacionais delicados para a região, como a reforma da Previdência. Hoje, 9,5 milhões de nordestinos recebem o benefício, dos quais 4,5 milhões vivem em áreas rurais.
Outro ponto ressaltado pelo pesquisador é que a política salarial a ser adotada pode afetar diretamente a renda de 70% dos 9 milhões de trabalhadores com carteira assinada, que recebem até dois salários mínimos. “Essa renda movimenta a economia, principalmente comércio e serviços, que são fortes na região.”
Nordeste sem peso no governo
Na configuração da base de Bolsonaro, não há nomes de peso do Nordeste. Até agora, a única liderança da região entre os aliados do militar é o presidente nacional do PSL, o deputado federal eleito Luciano Bivar (PE).
Bem diferente da situação no passado. Em 1989, o país elegeu o então ex-governador de Alagoas Fernando Collor de Mello. Em 1994 e 1998, Fernando Henrique Cardoso tinha o recifense Marco Maciel (então no PFL) como vice, e tucanos como Sérgio Guerra (PE), Tasso Jereissati (CE) e Teotonio Vilela Filho (AL) comandavam as indicações pelo PSDB.
Na era petista, o ex-presidente Lula teve aliados nordestinos, como o maranhense José Sarney (MDB) e o alagoano Renan Calheiros (MDB), que foram fiadores dos governos no Legislativo e comandaram indicações em ministérios e estatais.
Novas lideranças e velhos coronéis
Mesmo com esse cenário em vista, o cientista político Elton Gomes, do Recife, diz que haverá uma “estrutura de acomodação” natural pós-mudança de governo.
“O novo governo vai precisar estabelecer essa interlocução com os estados nordestinos, onde está considerável parte da população e da economia nacional. Ele deve evitar, por todos os meios, retaliar adversários, pois isso traria um prejuízo político grande para o novo governo”, diz.
“Acredito, então, que vai procurar trazer um aporte de recursos para garantir base de sustentação parlamentar e aprovar propostas no Congresso”, acrescenta.
Para Gomes, haverá uma ocupação do vácuo de poder: “Surgirão lideranças dessa onda neoconservadora, mas velhos coronéis vão muito provavelmente se alinhar ao novo governo, já que isso garante recursos e benefícios do poder”.
Preocupante é o futuro do BNB e de seus funcionários neste governo.