O Ministério da Agricultura publicou na quinta-feira uma portaria que determina a autorização automática de agrotóxicos pela Secretaria da Defesa Agropecuária caso o produto não seja avaliado pelo órgão no período de 60 dias. A análise feita pela secretaria é a última etapa do processo de aprovação dos agrotóxicos, que também precisam passar pelo crivo do Ministério do Meio Ambiente e do Ministério da Saúde. Atualmente, o prazo do órgão é de 120 dias. A medida, que passará a valer a partir do dia primeiro de abril, agiliza o processo de registros de defensores agrícolas, mas preocupa especialistas e até integrantes do próprio setor dedicado aos agrotóxicos.
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Para um agrotóxico ser autorizado no Brasil, ele precisa receber um parecer favorável ambiental do Ministério do Meio Ambiente, através do Ibama, um toxicológico do Ministério da Saúde, feito através da Anvisa, e por fim uma aprovação agronômica da Secretaria da Defesa Agropecuária, uma vez que é o Ministério da Agricultura o responsável por expedir o registro do produto. Segundo o ministério, é essa última etapa que passará a ter o prazo limite de 60 dias, o que significa que a portaria não altera os prazos de Anvisa e Ibama, mas para especialistas da área, isso não está claro na medida aprovada. “Se o prazo é somente para a última etapa, após a manifestação de todos os órgãos, é o suficiente, já que expedir o registro é apenas uma questão burocrática que leva menos de 60 dias. Mas isso não ficou claro”, explica José Otávio Mentel, professor da Escola Superior de Agricultura da USP e presidente do Conselho Científico Agrosustentável.
A preocupação com o prazo se dá por conta da complexidade das análises feitas por Anvisa e Ibama. Os processos tocados pelos ministérios da Saúde e do Meio Ambiente, que acontecem simultaneamente, são mais demorados que a etapa final, que cabe ao Ministério da Agricultura. “Os analistas desses órgãos avaliam um conjunto muito grande de dados, com milhares de páginas para cada produto. O processo é inevitavelmente moroso pela quantidade de informação”, diz o toxicologista Claud Goellner. “É um trabalho de grande responsabilidade feito por pessoas que têm muito conhecimento”, completa ele. Se o prazo limite afetar as análises dos órgãos ambiental e toxicológico, a medida preocupa os especialistas. “A Anvisa definiu um prazo de quatro anos por produto a ser analisado, a secretaria colocou 60 dias e o Ibama não fixou nada. Não há harmonia entre os órgãos”, pontua Mentel, que defende uma regulamentação melhor do processo. “É preocupante que o agrotóxico seja aprovado se estourar os 60 dias mesmo sem um parecer dos órgãos que fazem o registro, porque eles precisam ser ouvidos. E não está claro em lugar nenhum quanto tempo Anvisa e Ibama precisam para que o estudo seja bem feito”.
A portaria tem como objetivo agilizar o processo de aprovação dos defensores agrícolas e atualizar o número de agrotóxicos permitidos no Brasil, mas preocupa até o diretor executivo da AENDA, a Associação Brasileira dos Defensores Genéricos, Túlio de Oliveira. “A maioria do setor de agroquímicos não quer [a nova regra] porque é um prazo muito curto para qualquer análise de agrotóxicos”, diz o diretor, que julga a decisão ruim para a imagem do setor uma vez que possibilita a entrada de “empresas aproveitadoras de qualidade discutível”. “Tem mais de 1.000 produtos há anos na fila para serem regularizados aqui. Se eu sou um diretor de uma empresa dessas, entro amanhã com um recurso para expedir o meu registro. Isso vai causar um tumulto”, se preocupa Oliveira. “A empresa poderá comercializar um produto enquanto a análise sobre o registro ainda está em andamento. Eu defendo os direitos dos genéricos agrícolas, mas isso vai trazer muitas críticas ao setor”, opina ele. “Acelerar o processo ajuda a agricultura, mas o rigor precisa ser mantido”, complementa Mentel.
Caso o prazo limite seja aplicado apenas à última etapa —onde o Ministério da Agricultura emite o registro aos agrotóxicos— conforme o Governo garantiu, os representantes da área de agrotóxico aceitam a medida. “Nesse caso, precisa ser mais enfatizado que os 60 dias começam a partir do momento que o ministério tem todos os pareceres favoráveis determinados pela legislação. Apesar de temerário, seria viável com a estrutura certa, ainda que o ideal seja uns 90 dias”, opina Claud Goellner. Mentel concorda ao presumir que o papel final do órgão seria apenas emitir o registro de acordo com as avaliações feitas por Anvisa e Ibama, sem necessidade de repetir as análises anteriores, o que seria cabível dentro do novo prazo limite.
Porém, ainda assim, a medida causa preocupação de ambientalistas diante de uma possível aprovação do que chamam de “PL do Veneno”. O Projeto de Lei 6299/2002, aprovado em 2018 em uma comissão especial na Câmara, pretende transferir o poder de aprovação dos agrotóxicos ao Ministério da Agricultura, tornando Anvisa e Meio Ambiente apenas órgãos consultivos. Por agora, ele está parado no Congresso.