O desperdício ultrajante da força de trabalho no Brasil

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País vive um bônus demográfico, com população em idade ativa de 174 milhões – mas apenas 38% dela tem ocupação. Em países que mantêm alto ritmo de desenvolvimento, como China e Vietnã, a média de pessoas empregadas atinge 60%

Por José Estáquio Diniz Alves, no EcoDebate

O Brasil vive uma crise sem igual. O mercado de trabalho brasileiro já estava ruim na primeira metade da atual década, piorou com a crise de 2014 e 2016 e entrou em colapso com a pandemia da covid-19. Enquanto cresce a população total e a população em idade de trabalhar a população ocupada tem diminuído. O desperdício da força de trabalho é preocupante para o futuro do país.

O IBGE divulgou, no dia 30 de outubro, os resultados da PNAD Contínua (PNADC) mensal que cobre o período de 2012 a agosto de 2020. Conforme mostra o gráfico abaixo, a população brasileira em idade ativa (PIA) era de 156,7 milhões de pessoas no trimestre jan-fev-mar de 2012 e subiu continuamente até 174,6 milhões no trimestre jun-jul-ago de 2020. Mas a população economicamente ativa (PEA) e a população ocupada (PO) diminuíram no período, indicando que o país não cria as oportunidades necessárias para garantir o direito ao trabalho dos cidadãos e das cidadãs brasileiras.

população economicamente ativa (PEA) e a população ocupada (PO) no Brasil

A PEA era de 95,2 milhões de trabalhadores no primeiro trimestre de 2012, passou para 106,2 milhões no trimestre out-nov-dez de 2019 e caiu para 87,6 milhões no trimestre jun-jul-ago de 2020. No mesmo período, a PO passou de 87,6 milhões em 2012, para 94,6 milhões em 2019 e caiu para o impressionante nível de 81,7 milhões de trabalhadores em jun-jul-ago de 2020.

O gráfico abaixo mostra que a taxa de ocupação (PO/PT) era de 44,5% no primeiro trimestre de 2012, passou para 45% no último trimestre de 2019 e caiu para 38,7% no trimestre jun-jul-ago de 2020, o valor mais baixo em décadas.

taxa de ocupação (PO/PT) no Brasil

A PNADC do IBGE mostra ainda uma medida mais ampla sobre a população não ocupada, quando aplica a metodologia da taxa composta de subutilização da força de trabalho (que mede o percentual de pessoas desocupadas, subocupadas por insuficiência de horas trabalhadas e na força de trabalho potencial). O gráfico abaixo mostra que a taxa composta de subutilização passou de 14,8% em 2014, para 24,3% em 2019 e para 30,6% no trimestre junho a agosto de 2020. Isto representa 33,3 milhões de pessoas subutilizadas.

taxa composta de subutilização no Brasil

A tabela abaixo resume os principais dados da população e do mercado de trabalho no Brasil. A população brasileira passou de 201,2 milhões de habitantes no trimestre jun-jul-ago de 2014 para 211,1 milhões no trimestre semelhante de 2020. A PIA que era de 161,4 milhões de pessoas em idade ativa em 2014 (representando 80,2% da população total) passou para 174,6 milhões em 2020 (representando 82,7% da população total). Portanto houve um aumento do potencial produtivo do Brasil.

Contudo, este potencial tem sido desperdiçado, pois a PEA caiu de 98,2 milhões para 95,5 milhões no mesmo período e a PO caiu ainda mais, de 91,5 milhões para 81,7 milhões. Desta forma, o Brasil tem apenas 38,7% da população ocupada e 61,3% fora do mercado de trabalho. O desemprego aberto chegou a 13,8 milhões de pessoas no último trimestre. Mas como vimos antes a taxa composta de subutilização chegou a 30,6% no trimestre junho a agosto de 2020, representando 33,3 milhões de pessoas subutilizadas.

O mais significativo de tudo é que menos de 4 brasileiros em cada 10 habitantes do país está ocupado. Países que mantém altas taxas de desenvolvimento, como China e Vietnã, possuem uma relação oposta, ou seja, 60% de pessoas ocupadas e 40% de pessoas não ocupadas.

dados da população e do mercado de trabalho no Brasil

O desemprego e a subutilização da força de trabalho neste momento histórico é uma verdadeira catástrofe, pois estamos em um instante singular da história brasileira, um momento que só acontece uma única vez na história de qualquer nação.

É quando a proporção de pessoas em idade ativa está em seu ponto máximo e a proporção de pessoas em idade não produtiva ou menos produtiva (crianças e idosos) está em seu ponto mínimo. Conhecido como “bônus demográfico” este acontecimento especial é aquele evento indispensável para a decolagem do desenvolvimento socioeconômico de qualquer país. Não existe nenhuma nação com altíssimo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) que não tenha aproveitado as oportunidades de uma baixa razão de dependência demográfica.

Esta nova configuração demográfica exigiria que as políticas econômicas e sociais se adaptem à nova realidade populacional, fortalecendo as políticas de educação e emprego. Infelizmente a crise econômica que começou em 2014 já estava fazendo o Brasil desperdiçar este momento histórico e que é fundamental para qualquer nação que queira dar um salto de qualidade de vida para a sua população.

Mas com toda a crise econômica e no mercado de trabalho que acontece depois da crise de 2014-2016 e agora com a eclosão do coronavírus, o desafio de aproveitar os momentos favoráveis da estrutura etária parece um sonho cada vez mais distante.

Assim, se nada for feito para reverter a crise econômica e social brasileira – que já persiste desde a penúltima eleição presidencial – a pandemia da covid-19 poderá ser a pá de cal no sonho de se aproveitar o “bônus demográfico”, implementar a bandeira do “Pleno emprego e trabalho decente” e efetivar a meta do fim da pobreza e o objetivo da plena equidade social.

Na situação atual, o Brasil pode ficar preso na chamada “armadilha da renda média’, o que significa o fim do sonho de uma nação próspera e justa para todos os brasileiros.

Referência:

ALVES, JED. Bônus demográfico no Brasil: do nascimento tardio à morte precoce pela Covid-19, R. bras. Est. Pop., v.37, 1-18, e0120, 2020

https://www.scielo.br/pdf/rbepop/v37/0102-3098-rbepop-37-e0120.pdf

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