Projeto de modernidade ocidental na região resultou em dependência mais sofisticada. Rentismo e modelo exportador foram a tônica. Cooperação com a China é oportunidade para disputar o sentido do futuro num mundo em transe
O deslocamento do centro dinâmico do mundo do Ocidente para o Oriente recoloca ao Brasil a necessidade de redefinir a sua relação no interior do continente americano. As experiências anteriores de construção de horizontes comuns na região estiveram, em geral, condicionadas pela perspectiva de internalização do projeto de modernidade ocidental.
Historiadores revelam que durante o período colonial, o continente americano chegou a ter conexões esporádicas com o Oriente. Quando ainda a China e Índia eram os impérios mais avançados do mundo, o ouro apropriado por Portugal do Brasil serviu, por exemplo, de pagamentos às importações europeias do Oriente.
Nos últimos 200 anos, contudo, os processos de independência nacional, ao negarem a valorização e validação da cultura e modo de vida dos povos originários, consolidaram o horizonte de modernidade do capitalismo ocidental. Ao contrário do nascimento das demais nações americanas, o Brasil foi a única que postergou, por mais tempo, o fim da escravidão e a própria instalação da República.
Com isso, a passagem para o modo de produção e distribuição capitalista se fez tardiamente, com especificidade importante, se comparada com a trajetória sul-americana e caribenha. Ademais, a integração do território terminou por conformar a população nacional, cujo passado colonizado foi sendo “acomodador” de sua reprodução no presente e no futuro do país, conforme revelou Darcy Ribeiro (O povo brasileiro).
Mas isso não transcorreu espontaneamente, tampouco sem ser questionado e gerador de tensões. Após o nascimento da República, já na virada para o século 20, o pensamento crítico se fez presente. Pela perspectiva de Eduardo Prado (A ilusão americana), Manoel Bonfim (América Latina) e Manuel de Oliveira Lima (Pan-americanismo), a insatisfação em relação à condição periférica e primário-exportadora do Brasil é inquestionável.
Meio século depois, outro conjunto de contribuições do pensamento crítico se apresentou fundamental na redefinição sul-americana e caribenha. Induzido pelo “manifesto dos periféricos” de 1949, a CEPAL exerceu função importante na região em busca do seu reposicionamento na Divisão Internacional do Trabalho, o que foi revelado, entre outros, por Celso Furtado (A fantasia organizada).
A internalização de políticas produtivas de substituição das importações por conteúdo nacional permitiu aos países da região se afastarem, em maior ou menor medida, do longevo passado do agrarismo primário-exportador. Embora os avanços na constituição da nova sociedade urbana e industrial tenham sido inquestionáveis, o pensamento crítico revelou o quanto o subdesenvolvimento não havia sido vencido.
A sofisticação da dependência sul-americana e caribenha se apresentava encarnada no próprio sentido do aprofundamento da modernidade ocidental. Para autores como Ruy Mauro Marini (Teorías del imperialismo y la dependencia desde el sur Global) e Theotonio dos Santos (Teoria da Dependência), entre outros, a debilidade burguesa terminaria por empurrá-la para a financeirização e a volta do modelo exportador centrado na reprimarização.
Na atualidade deste primeiro quarto do século 21, nota-se o quanto a região se encontra crescentemente conectada comercial e produtivamente com a China. Tem pleno sentido o esforço do redespertar sul-americano para que a região não volte a repetir a realidade do século 19, quando os primeiros cem anos de independência significaram a consolidação de sua condição periférica da Inglaterra, como mera exportadora de produtos primários.
Mas em qual direção deverá ir o Brasil? Avançar na grande reconciliação nacional, reafirmando o histórico projeto de modernidade ocidental? Ou disputar o sentido de futuro presente ao Brasil que se deriva do deslocamento do centro dinâmico mundial para o Oriente?
Essas e outras questões aguardam respostas urgentes. No entanto, elas continuam ausentes das agendas de gestão diferenciada da crise atual, fundamentalmente condicionadas pelas emergências e o curtoprazismo.