Violência nos centros urbanos pode emperrar o desenvolvimento

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Por Amelia Gonzalez

Foi “apenas” mais uma operação policial no Complexo do Alemão, favela do Rio de Janeiro onde vivem cerca de 70 mil pessoas. Desta vez, como aconteceu na manhã de um domingo (15), a intervenção da polícia e a guerra entre policiais e marginais não impediu os trabalhadores de chegarem na hora ao trabalho, como acontece quando as cenas de violência ocorrem em dia de semana. Na notícia, baseada no relato policial, cinco homens criminosos morreram.

Um dado a mais, mortes sem rosto, sem nomes, sem história. A tarde de domingo foi de final da Copa do Mundo e os cidadãos comuns estavam interessados em outras notícias. Ninguém tira o direito de se tentar poupar de mais uma desgraça e abrir caminho para a alegria do futebol, bola na rede, jogadores em campo. Faz bem à alma partilhar informações divertidas sobre a presidente de um país que transgride o modus vivendi da maioria dos presidentes, que viajou em avião comercial, que pagou o ingresso do próprio bolso e cumprimentou os jogadores, que ficaram meio envergonhados no abraço efusivo. E sonhar… como seria bom se tivéssemos algo parecido por aqui.

Mas, enquanto tudo isso acontecia, o Alemão se tornava, de novo, um palco de violência, um ambiente inseguro, sobretudo, para crianças.

Na noite de sábado, em encontro com amigos, um deles me felicitou com perguntas sobre desenvolvimento sustentável, já que está empenhado em produzir progresso local no canto rural onde tem uma casa. Como gosto do tema, falei à beça e ele, já quase exausto de informações, me confessou que seu problema tem sido exatamente este: excesso de material para estudar e se atualizar a respeito do tema. E é isto mesmo, a questão é ampla, não tem caminho fácil. Para se obter um desenvolvimento verdadeiramente sustentável é preciso ter em conta os aspectos sociais, os aspectos ambientais e os aspectos econômicos.

Folheando o livro “Como os países ricos ficaram ricos… e por que os países pobres continuam pobres”, de Erik S. Reinert (editado pelo Centro Internacional Celso Furtado), flagrei uma história que me parece cair bem para ilustrar esta reflexão. Reinert conta um diálogo que teria acontecido entre Winston Churchill, como primeiro ministro da Inglaterra, e Franklin D Roosevelt, presidente dos Estados Unidos, em 1941. O narrador é Elliot, filho de Roosevelt, e o tema é a política econômica inglesa, que para o presidente Roosevelt era extremamente injusta com os mais pobres. Disse Roosevelt:

“Acredito firmemente na ideia de que, se quisermos chegar a uma paz estável, ela deve incluir o desenvolvimento de países atrasados. Isso não pode ser feito com os métodos do século XVIII… Os métodos do século XX incluem aumentar a riqueza de um povo aumentando seu padrão de vida, educando-o, trazendo-lhe saneamento – assegurando que esse povo obtenha um retorno pela riqueza bruta de sua comunidade”.

No lugar disso, em pleno século XXI, estamos vivendo no segundo maior centro financeiro do país uma situação de violência nas comunidades periféricas que, sim, se assemelha ao século retrasado. Num artigo publicado no site da ONG Action Aid, a coordenadora de vínculos solidários da organização, Edilaine Silva, põe o dedo na ferida e lembra como deve ser a vida de “crianças encurraladas” em tais comunidades. O medo faz parte de sua rotina e causa, entre outras coisas, falta de concentração na escola, lugar que não lhes oferece a segurança necessária.

“Em contexto de violência urbana, a cidade perde a dimensão do acolhimento e, definitivamente, transforma o espaço público em espaço hostil para a população, especialmente para as crianças. Importante dialogarmos sobre o quanto a exposição frequente à violência urbana está sistematicamente afetando as vidas de nossas crianças. Difícil mensurar quais os impactos psicológicos e emocionais que afetam a juventude por conta do medo e da insegurança com os quais são obrigadas a conviver”, escreve Edilaine.

Antes que uma leitura apressada deste texto e uma conclusão baseada no padrão de polarização que, infelizmente, tem cercado nossos dias, possa concluir que estou a “defender bandidos” preciso lembrar aos leitores que não é isto. Não vou, nunca, deixar de me indignar com a naturalização de assassinatos, seja de bandidos, seja de policiais militares, que também estão morrendo numa proporção cruelmente avassaladora.

O Instituto de Segurança Pública (ISP) divulgou um relatório no ano passado dando conta que os casos de letalidade violenta (soma de homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e homicídio decorrente de oposição à intervenção policial), no Rio de Janeiro, tiveram aumento de 7,5% em relação a 2016, passando de 6.262 para 6.731.

Quando o foco vai além do Rio de Janeiro, a situação aqui na América Latina não melhora. Outro relatório, divullgado no site do Banco Mundial, conclui que a violência é epidêmica e que os jovens são o maior grupo de risco. Na América Latina, a taxa de homicídios de homens de 15 a 24 anos chega a 92 por 100.000 habitantes, quase quatro vezes a média regional.

“Jovens de 22 a 29 anos de idade, predominantemente do sexo masculino, são também os principais perpetradores de crime e violência, de acordo com um relatório a ser divulgado neste semestre pelo Escritório do Economista-Chefe para a Região da América Latina e Caribe do Banco Mundial. As intervenções mais eficazes tratam a violência epidêmica com uma crise da saúde pública. Inspiradas em grande parte pela epidemiologia, as políticas bem-sucedidas examinam a violência como um fenômeno alimentado por uma combinação de fatores de risco decorrentes de circunstâncias individuais e sociais, incluindo estar exposto à violência doméstica durante a infância, alta desigualdade, sistemas e políticas deficientes e falta de oportunidades de emprego, entre muitos outros elementos”, diz o relatório.

Quando penso em crianças deitadas pelo chão de uma sala de aula enquanto as paredes de sua escola são atingidas a tiro, não consigo refletir sem emoção. Mas a ideia, aqui, é também pensar sobre o discurso desenvolvimentista e dar conta da total falta de sintonia entre preocupações econômicas com a alta ou a baixa do PIB e a perda de pessoas jovens – uma geração que deveria estar sendo tratada como diamantes raros – para a violência.

Podemos começar a refletir baseados num dado publicado há dois anos pelo economista Jeffrey Sachs: os Estados Unidos gastavam então (ainda não estávamos na era Trump) US$ 1 bilhão por ano para educação e US$ 900 bilhões para defesa.

Aqui no Brasil, um estudo dá conta de que o país gasta anualmente R$ 11,7 mil por aluno do primeiro ciclo do ensino fundamental. E fomos criticados duramente, em 2011, pelo ex-presidente de Costa Rica Oscar Arias, pelos gastos com a compra de armamentos.

Pode ser uma coisa e outra coisa, mas há muitas linhas se cruzando neste tema.

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