53ª REUNIÃO DO CONSELHO DE REPRESENTANTES DA AFBNB – Questão hídrica, BNB, organização e luta dos trabalhadores em debate

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Por limitação de espaço, o Nossa Voz publicou apenas trechos das entrevistas com Alexandre Costa e Anivaldo Miranda. Confira a seguir a íntegra:

Entrevista com ANIVALDO MIRANDA – Presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco

Nossa Voz – Qual o peso da questão hídrica para o desenvolvimento da região e, consequentemente, do país?
Anivaldo Miranda – Respondo com duas verdades absolutas: a água é o elemento essencial para a vida e o principal condicionante da produção e reprodução das economias. Porém, essas são daquelas obviedades que até o final do século passado não se percebia em sua inteireza. Com o advento do novo século e o início de uma era de extremos climáticos a coisa vem mudando de figura. Para o Brasil e, particularmente para a região Nordeste, garantir segurança e disponibilidade hídrica passa ou deveria passar a ser questão de Estado, política permanente, projeto nacional.

Nossa Voz – O semiárido é estigmatizado como uma região improdutiva, quando na verdade é cheia de potencialidades. Há regiões no mundo, bem desenvolvidas, em que chove inclusive menos que no semiárido nordestino. Na sua visão, por que isso acontece?
R- Ocorre sobretudo pela ignorância das chamadas “elites” da economia e da política brasileiras, pelo efeito imobilizador das desigualdades regionais e pela mesquinhez histórica de nossas oligarquias locais. O Brasil ainda tem muita dificuldade para perceber suas potencialidades e definir com clareza as vocações de seu território e de sua economia. Essa é a razão pela qual não foi capaz de definir um projeto nacional para a sua região semi-árida que tem aproximadamente 1 milhão de quilômetros quadrados, uma população numerosa, um bioma (Caatinga) riquíssimo em biodiversidade, um fantástico potencial de energia solar, um arsenal de conhecimento local e tecnologias de convivência com a seca, uma economia diversificada e…água que, apesar de escassa, usada com racionalidade e engenhosidade é suficiente para levar o nosso semiárido a um outro patamar de preservação e desenvolvimento sustentável.

Nossa Voz – A lei das águas completou 21 anos esse ano e ainda está longe de ser de fato implementada. Por que? Quais os principais entraves para que isso aconteça?
O entrave é essencialmente político porque a Lei 9.433 está à frente da cultura política corporativa, patrimonialista e centralizadora que ainda permeia o Estado e a sociedade em nosso país. Mas, apesar das resistências ela vai impondo sua lógica porque a questão da água ou da sua ausência (escassez) está invadindo cada vez mais o dia a dia do imaginário e das preocupações da cidadania, dos agentes da economia e mesmo dos agentes públicos. Em breve os gestores públicos serão impelidos a dar mais prioridade à agenda da água e compreender ou ser obrigados a compreender que a gestão das águas só terá eficiência se praticado o seu caráter participativo e descentralizado já que, nem no Brasil, nem em qualquer outro lugar do planeta, o poder público, sozinho, será capaz de enfrentar os grandes desafios da crise climática e ambiental.

Nossa Voz – Quais são as prioridades trabalhadas pelo Comitê da Bacia do São Francisco visando uma melhor gestão das águas?
O Comitê, CBHSF, tem como prioridade principal executar o Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. Ele tem validade até 2026 e foi feito para ser utilizado e apossado por todos os atores desse grande cenário, desde os governos, passando pelos usuários das águas e chegando até às populações ribeirinhas. Além disso, o Comitê está propondo três pactos: o Pacto das Águas para mudar as matrizes agrícola e energética da bacia, o Pacto da Legalidade através do qual os governos federal e dos Estados de Minas, Bahia, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Goiás universalizem a implantação dos instrumentos da gestão hídrica na bacia (Planos de bacias, cobrança pelo uso da água bruta, sistemas confiáveis de outorga, enquadramento dos rios, empoderamento dos comitês etc.) e o Pacto da Revitalização.

Nossa Voz – Como os trabalhadores de uma instituição de desenvolvimento como o BNB – e como o próprio Banco – podem contribuir na discussão de uma melhor gestão das águas? Esse aspecto deveria ser considerado obrigatoriamente em todo financiamento na região?
Uma instituição pública e estratégica como o BNB tem enorme possibilidade de influência na complexa batalha pela gestão sustentável das águas na região foco de sua atuação. A começar pelos investimentos que pode fazer para melhorar essa gestão (saneamento básico, recuperação hidroambiental dos mananciais de água, pesquisa desses mananciais, sobretudo subterrâneos, monitoramento climático e hidrológico e imposição de exigências legais para que os tomadores de empréstimos respeitem a legislação de recursos hídricos, sobretudo outorgas pelo direito de uso das águas, respeito às exigências do Código Florestal, tratamento de efluentes, recuperação de áreas degradadas etc.) além de juntar-se à comunidade dos recursos hídricos e aos comitês de bacias para pensar de forma holística o nosso semiárido numa perspectiva de preservação do bioma Caatinga, de desenvolvimento da energia solar e interação de tudo isso com a preservação do Rio São Francisco e seus afluentes, além dos aquíferos, como o Urucuia, que são decisivos para a disponibilidade hídrica de todo o Nordeste.

Entrevista com ALEXANDRE COSTA – Professor da Universidade Estadual do Ceará

Nossa Voz – De que forma as atuais condições de mudança climática impactam no ciclo hidrológico do Planeta e principalmente no semiárido brasileiro?
A atmosfera da Terra pode ser pensada como um reservatório de água, na fase de vapor. Existe uma relação bem conhecida que mostra que quanto maior a temperatura maior a capacidade da água em conter vapor. É uma lei da Física. Daí, as mudanças climáticas exercem uma influência direta no ciclo hidrológico a partir daí. Quanto mais quente ficar o planeta, maiores serão as taxas de evaporação e evapotranspiração e, transformada em um reservatório maior, mais vapor será necessário para saturar a atmosfera. Isso significa que as secas tendem a ser mais severas. Por outro lado, o vapor d’água é a “matéria prima” para nuvens e chuva, então estando ele em maior quantidade na atmosfera, a tendência é formar tempestades mais severas: enchentes, furacões, etc. Em suma, um planeta mais quente é um planeta com uma maior frequência de eventos extremos. No caso do semiárido, obviamente nossa maior preocupação é com o aguçamento das secas, mesmo que intercaladas por episódios de chuva mais intensa. Torna-se maior o perigo de colapso hídrico, perdas de safra e até mesmo de desertificação. As políticas de convivência com o semiárido precisam ser contextualizadas para essa situação de um semiárido sob riscos maiores.

Nossa Voz – Quais diferenças importantes se podem traçar entre o chamado “desenvolvimentismo” e um desenvolvimento com inclusão e distribuição?
O que eu e muitos temos chamados de “desenvolvimentismo”, “produtivismo” ou “crescimentismo” é a lógica, ilusória claro, do capitalismo, de crescimento infinito, de aumento sem limites da produção e do consumo e que trás consigo outra ilusão, a de grandes empreendimentos. É uma lógica falsa, pois não leva em consideração os limites ambientais, o que é imperativo já que vivemos em um planeta finito. Existe uma quantidade limitada de terra agricultável, uma quantidade finita de água doce disponível via ciclo hidrológico, uma quantidade limite de gases de efeito estufa que não deveria ter sido ultrapassada a fim de não desestabilizar irreversivelmente o clima, e assim por diante. Dito isto, bem mais do que um “desenvolvimento” a qualquer custo, precisamos de uma grande transição rumo a uma sociedade que caiba na biosfera terrestre e que ofereça soluções sustentáveis para as gerações futuras. Daí, bem mais do que insistir na ilusão de “crescer o bolo para depois repartir”, precisamos repartir o bolo já. Os limites ecológicos do planeta impõem uma sociedade justa e igualitária desde já, com dignidade para todos os seres humanos.

Nossa Voz – Que alternativas temos a disposição no semiárido para reverter a dependência do combustível fóssil e da energia hidráulica?
Do ponto de vista da geração de energia, temos muitas alternativas que podem ser trabalhadas de forma socioambientalmente justas. Por exemplo, a solar residencial, especialmente no Nordeste, é bastante viável, assim como a eólica. Ambas apresentam impactos ambientais relativamente pequenos, especialmente de forma descentralizada: envolvem pequenas emissões de CO2 e uso de água, limitadas à sua produção e instalação, em contraste com os enormes impactos ambientais das energias fósseis e da hidreletricidade, cuja expansão só seria possível na Amazônia. A única crítica à eólica é que o modelo, baseado na lógica do mercado, não tem levado em conta o respeito necessário às comunidades e ao ambiente local, especialmente na zona costeira.

Nossa Voz – Como você observa o papel de uma instituição como o BNB no contexto de um desenvolvimento sustentável para a região?
O BNB obviamente nesse contexto tem um papel muito importante, na condição de financiador de alternativas econômicas para avançarmos na transição energética, agroecológica, no incentivo às energias renováveis, ao turismo comunitário, à recuperação de áreas degradadas, etc. Ele e os demais bancos públicos precisam ser vetores fundamentais para a construção de saídas econômicas de fato adequadas para o semiárido.

Nossa Voz – Qual a importância de os trabalhadores tomarem consciência desse processo de mudanças no planeta e se reunirem em torno desse projeto comum?
O que a classe trabalhadora precisa entender é que não haverá empregos em um planeta morto e o que a esquerda precisa entender é que não haverá socialismo em terra arrasada. A crise ecológica (da qual a crise climática é a faceta mais global) é uma manifestação de uma etapa de desenvolvimento capitalista em que este avança sobre as últimas fronteiras possíveis de ampliação no âmbito do planeta Terra, ultrapassando os limites naturais e predando sem freios o ambiente que sustenta a sociedade humana ao mesmo tempo em que se torna mais violento, ao investir cada vez mais claramente contra os “obstáculos ao desenvolvimento”. Numa perspectiva de longo prazo, não podem ser produzidos bens que levem a um desequilíbrio ambiental e climático como o que ora se tem e que, em se agravando, podem colocar em xeque a própria permanência de nossa espécie. A lógica de superprodução de bens supérfluos e da obsolescência programada também tem de ser superada e o próprio volume de produção de bens materiais precisa respeitar os limites impostos pelos fluxos de matéria e energia no sistema Terra, que implica na reciclagem dos rejeitos do processo produtivo e reposição dos recursos materiais e energéticos disponíveis para que este se dê de forma sustentada. Daí, os trabalhadores e trabalhadoras e suas representações, como associações e sindicatos, precisam assumir uma postura engajada, em aliança com as comunidades tradicionais na defesa dos seus territórios, lutando pela redução da jornada de trabalho e por uma transição justa, no mundo do trabalho, para outra matriz produtiva radicalmente distinta da que está aí.

47358 - informativos da AFBNB

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