A independência do Banco Central e a retomada do desenvolvimento 09/02/2023 

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*Por  Wellington Duarte

A manutenção da taxa Selic pelo Banco Central (BC) em 13,75% vem provocando atritos entre o presidente da República, eleito por mais de 60 milhões de eleitores e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. O dirigente do BC foi um dos mais ardorosos defensores do Boca Podre e contribuiu para o aprofundamento da crise econômica ao virar o rosto enquanto o finado governo provocava uma orgia de benesses que atingiram duramente as bases da economia brasileira.

Para a esmagadora maioria da população brasileira, hoje comprometida em sobreviver em meio ao caos social deixado pelo Boca Podre, essa discussão parece não ter sequer sentido, embora a política de juros seja um dos elementos que, nesse momento, simplesmente pode travar qualquer iniciativa de retomada do desenvolvimento que recupere, inclusive, a cidadania dessas pessoas. O que o brasileiro pobre vê todos os dias são os preços elevados e a desesperada esperança que o governo tome medidas que melhorem imediatamente sua vida.

A Selic, nome abreviado da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia para títulos federais, foi criada em março de 1999, com o fim da Taxa Básica do Banco Central (TBC), que determinava os elementos de política monetária do governo federal. O TBC e depois a Selic foi um dos elementos que balizavam a atuação do Comitê de Política Monetária (Copom), criado em junho de 1996, cujo objetivo central era estabelecer as diretrizes da política monetária e definir a taxa básica de juros e, lateralmente, regular a liquidez na economia. Junto com a criação da taxa Selic veio o sistema de metas de inflação, que estabeleceu o compromisso do país em adotar medidas para manter a inflação dentro de uma faixa fixada periodicamente pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).

O sistema de metas de inflação tornou-se, ao longo dos anos, uma espécie de balizador das decisões de investimento público e, sendo um dos elementos fundamentais do tripé macroeconômico, adquiriu uma espécie de escudo diante de qualquer tentativa do governo federal em buscar políticas mais ousadas em busca do desenvolvimento econômico. Mas, mesmo esse sistema era pouco aos olhos dos neoliberais, Era preciso mais.

Em 2020, tramitou no Senado o substitutivo do Projeto de Lei Complementar (PLP) 19/2019, de autoria do senador Plínio Valério, com relatoria de Telmário Mota, para estabelecer mandatos fixos de quatro anos para o corpo de diretores do BC. O presidente da instituição seria nomeado no terceiro ano de cada mandato presidencial e, a cada dois anos, dois membros da diretoria seriam nomeados. A proposta objetiva dar autonomia operacional para o Banco Central. Em 3 de novembro de 2020, o projeto foi aprovado no Senado por 56 votos a 12. E em 10 de fevereiro de 2021, foi aprovado na Câmara dos Deputados por 339 votos a favor e 114 contra sem alterações, indo para sanção do Presidente Jair Bolsonaro, gerando a Lei Complementar n° 179 de 24 de fevereiro de 2021.

Na realidade, quando o BC tornou-se independente, a política monetária saiu, na prática, da esfera do governo federal e passou a ser condicionada pelos interesses do mercado financeiro. Deste modo, o neoliberalismo conseguiu, momentaneamente, colocar uma coleira no governo federal. Mas o efeito deletério cai diretamente no bolso do cidadão, especialmente se esse for pobre. A taxa Selic referencia a decisão dos agentes financeiros privados e o juro do crédito rotativo dos cartões de créditos terminou 2022 com 409,3% ao ano. É o nível mais alto desde 2012.

O aumento dos encargos do cartão pressionou ainda mais o endividamento das famílias com operações de crédito do Sistema Financeiro Nacional (SFN), que alcançou 49,5% da renda em dezembro passado. O resultado foi um aumento da inadimplência das pessoas físicas no cartão, que subiu 9 pontos porcentuais em 2022, chegando a 44,7% no fim do ano, considerada a maior taxa da série histórica do BC.

Essa é a raiz do problema da independência descontrolada do Banco Central. Quando esse toma como ponto de partida a manutenção de uma política de juros que preserve os interesses do mercado financeiro, imediatamente este mesmo mercado financeiro, que já mantém uma descomunal taxa de juros para o cidadão, fica “protegido” pela maior autoridade monetária do país e, em nome de uma “proteção” diante de um aumento da inadimplência, derivada fundamentalmente dessa mesma política monetária, aumenta-se os juros ao consumidor que, no final, afeta o consumo e, por conseguinte interfere nas decisões de investimento produtivo futuro e o círculo vicioso se repete.

Dessa forma as críticas de Lula, justas, colocam, novamente no debate a necessidade de que o governo retome o protagonismo no encaminhamento de propostas que conduzam ao desenvolvimento.

* Texto publicado originalmente no Portal Vermelho.

2023 wellington duarte 802ce Wellington Duarte é professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio Gande do Norte – UFRN, doutor em Ciência Política e presidente do Sindicato dos Professores da UFRN (ADURN-sindicato). 

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