A necessidade de o estado ampliar programas sociais e investimentos

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Artigo publicado na 13º Carta de conjuntura da Universidade de São Caetano do Sul – USCS em 20/07/20

Resumo Executivo

Em plena recessão, passando pela maior crise sanitária do século, com milhares de mortes e desemprego em números alarmantes, é dever do governo ampliar atendimentos a população e realizar investimentos. Recursos e empresas públicas são da sociedade, e especialmente na crise causada pela pandemia devem servir ao bem estar dos brasileiros

Palavras chave: Estado; gastos sociais; investimentos públicos.

Segundo dados do Codace – comitê ligado a Fundação Getúlio Vargas, dedicado a datação dos ciclos de alta e baixa economia do país – divulgados no final de junho, o Brasil entrou no primeiro trimestre em recessão econômica.

O endurecimento das restrições sanitárias em março bastou para provocar a redução de 1,5% do Produto Interno Bruto – medida da produção e da renda— no primeiro trimestre. Com o auge das quarentenas em abril, o PIB do segundo trimestre deve ter retração estimada em até 10%. Em comparação, à grave recessão de 2014-16, levou 11 trimestres para tirar 8,1% da economia; a de 1981-83, que detinha o posto de mais aguda já medida no Brasil, provocou perda de 8,5% ao longo de nove trimestres. O ritmo da retomada do comércio e da indústria é incerto como o comportamento do coronavírus. O setor de serviços, que responde por quase três quartos do PIB brasileiro e apresenta maior imunidade a crises, agora foi profundamente atingido. Diante dessa situação, é fundamental o Estado manter e ampliar os programas sociais. Exemplo é o auxílio emergencial, que foi criado para minimizar as consequências econômicas causadas pela pandemia.

Segundo dados do IBGE, a taxa de desocupação saltou para 12,9% em maio,atingindo 12,7 milhões de trabalhadores. Em três meses, 7,8 milhões de pessoas saíram da população ocupada. Pela primeira vez na história do PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – o número de pessoas ocupadas na população em idade de trabalhar chegou a 49,5% – ou seja, menos da metade. É a mais baixa ocupação desde o início da pesquisa em 2012.

Além disso, mais de 11 milhões de trabalhadores já tiveram o contrato de trabalho suspenso ou o salário reduzido, de acordo com dados do programa de Benefício de Preservação de Trabalho e Renda, do Governo Federal.

Os números da pandemia fecharam o mês de junho em patamares alarmantes. Segundo o consórcio de veículos de imprensa, até meados de junho, havia, no Brasil, mais de 60 mil mortes e 1,4 milhões de contaminados, fora os casos subnotificados.

O auxílio emergencial demorou a se concretizar, a proposta original do governo era de R$ 200,00 por três meses. Após forte pressão social, o Congresso aprovou R$ 600,00, sendo R$ 1.200,00 para mulheres chefes de família. Em junho foram acrescidas mais duas parcelas de R$ 600,00. É pouco diante da situação. O auxílio vem preencher lacuna deixada pelo corte de investimentos nos programas sociais, como o Bolsa Família, BPC e outros. O gráfico abaixo mostra a evolução dos pagamentos entre 2013 e 2020.

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Vários países adotaram modelo de renda básica emergencial, alguns inspirados pelo Bolsa Família, programa social premiado internacionalmente, mas com valores muito superiores aos brasileiros. A Espanha aprovou, no final de maio, um programa que pretende beneficiar 850 mil famílias – cerca de 2,3 milhões de pessoas, segundo cálculo do governo. Com isso, as famílias passarão a receber entre 461 e 1.100 euros por mês. Estuda-se a possibilidade de a medida se tornar permanente. Na Dinamarca, o auxílio será pago para trabalhadores da ativa, aposentados e estudantes do país, que receberão cheques isentos de impostos no valor de DKK 1000, aproximadamente R$ 790,00 até outubro. Outros exemplos são os Estados Unidos, com 1.200 dólares; Alemanha, 5 mil euros e Canadá, 2 mil dólares.

O pagamento do auxílio emergencial começou de forma conturbada. O governo subestimou a realidade brasileira. Avaliação preliminar falava em 24 milhões de beneficiados, mas até o encerramento da inscrição do programa, em 2 de julho, já havia quase110milhões de pedidos, 65 milhões aprovados, 1 milhão ainda em análise e os demais rejeitados.

Outras falhas do Ministério da Cidadania impactaram na garantia do auxílio para os mais vulneráveis. Não houve alternativa de cadastramento para os 47milhões de desconectados (IBGE), e nem opção de local para pagamento nos mais de 300 municípios que não contam com agência bancária ou lotérica.

Após cenário inicial de aglomerações na porta das agências, de demora na análise dos pedidos e de mobilização de sindicatos, imprensa, entidades e movimentos, ajustes foram feitos e mesmo com algumas falhas persistindo, o processo deixou claro que é impossível o Brasil seguir em frente sem empresas públicas da envergadura, capilaridade e expertise como as da Caixa, que, em tempo recorde, criou aplicativo, canais e poupança digital para agilizar os pagamentos.

A Dataprev, empresa que faz parte da lista de privatização do governo e sofre com a falta de investimentos em data center, fechamento de áreas e corte de pessoal,enfrentou dificuldades operacionais pela magnitude do cadastro e do tempo curto para conciliar sistemas complexos. Mesmo em situação adversa, analisou milhões de pedidos. É preciso destacar a qualidade de seu corpo técnico.

Não obstante esse cenário, e em plena crise política, em abril passado, o ministro da Economia apresentou um programa para superação da crise, intitulado “A reconstrução do Estado”. Nele, o único foco é a privatização com uma série de empresas a serem vendidas. Nada sobre geração de emprego, investimentos ou ampliação dos programas sociais.

O plano tenta caracterizar as empresas públicas como fonte de corrupção ou pouco lucrativas. “Banco do Brasil, Caixa Econômica, BNDES, Eletrobrás e a Petrobrás – que representam mais de 96% dos ativos totais e mais de 93% do patrimônio líquido das estatais federais – mantiveram a tendência de alta no lucro e fecharam 2019 com R$ 107,86 bilhões de ganho. Esse valor representa um aumento de 56% em relação a 2018, quando a rentabilidade foi de R$ 69,04 bilhões”.

Percebe-se uma queda expressiva da participação dos investimentos das estatais federais na Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que passou de um patamar de 7,5% em 2015 para 5,2% em 2019. Essa queda acentuada, de mais de 30%, decorrente de uma política equivocada de redução da participação do Estado na economia, com certeza foi fator determinante para o inexpressivo resultado do PIB.

Além da importante participação no total de investimentos, as estatais federais brasileiras empregavam 481.850 trabalhadores próprios no 3º trimestre de 2019, número que vem caindo devido aos sucessivos incentivos à demissão realizados pelas empresas no último período.

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As estatais também são responsáveis por enviar volumosos recursos para o tesouro. O valor de dividendos distribuídos pelas estatais exclusivamente para a União também é bastante expressivo, com média de R$ 19,3 bilhões por ano.

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Na prática, a privatização de estatais tende a piorar a vida das pessoas. Se o Brasil não contasse com serviços públicos, como o SUS – Sistema único de Saúde e bancos públicos, como a Caixa, para atender a população em momentos de calamidade pública, a situação, com certeza, estaria muito pior.

O país está na contramão do mundo. A discussão do pós-pandemia envolve fortes investimentos públicos, como em países da Europa e China, com oferta de crédito por instituições públicas, iniciativas de manutenção de programas de renda mínima, criação de fundos estatais e outros.

O caminho para o Brasil superar a crise passa por investimentos em habitação, infraestrutura, saneamento, em geração de emprego e renda, concessão de crédito e taxação das grandes fortunas. O inverso é o caos, a fome, a intolerância, e isso a sociedade brasileira não pode permitir. Os recursos e as empresas públicas são do Estado, do povo brasileiro, e nesse momento de guerra sanitária é necessário que estejam voltados para o bem estar dos brasileiros.

Rita Serrano. Mestra em Administração, graduada em História e Estados Sociais, representante dos empregados eleita para o Conselho de Administração da Caixa e coordenadora do Comitê nacional em Defesa das Empresas Públicas. Autora dos livros: O desenvolvimento socioeconômico de Rio Grande da Serra (2000) e Caixa, banco dos brasileiros (2018). Coautora de “Se é público, é para todos” (2018).

Referências Bibliográficas

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Economia, T. N.-M. (06 de 2020). Dividendos das Estatais.

Estatistica, I. -I. (05 de 2020). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD Contínua.
https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/06/18/pos-pandemia-pacote-economico-na-dinamarca-preve-pagamento-de-r-16-mil-a-cada-cidadao-do-pais.ghtml

https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/07/01/brasil-passa-de-60-mil-mortos-por-coronavirus-aponta-consorcio-de-imprensa.htm

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Serrano, m. R. (09 de 2019). Empresas Públicas: Mitos e fatos. Publicado pela Carta de Conjuntura da USCS – Universidade de São Caetano do Sul | nº 09 | set. 2019 .

Vargas, F. -F. (26 de 06 de 26). Comunicado de Datação de Ciclos Mensais Brasileiros – Jun/2020 – CODACE. www.portatransparenciapublica.gov.br/beneficios. (20 de junho de 2020). Dados sobre os Beneficíos sociais.

www.uol.com.br. (01 de 07 de 2020). Brasil passa de 60 mil mortes por coronavirus-aponta- consorcio-de-imprensa.

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