Com milhares de mortes por semana no segundo país mais afetado pelo coronavírus, a insegurança hídrica é ainda mais preocupante
São Paulo – Provocada por uma seca histórica aliada à falta de planejamento do governo federal, a crise do abastecimento de água pela qual o Brasil atravessas está só começando. De outro lado, a pandemia de covid-19 não chegou ao fim e milhares de brasileiros ainda morrem a cada semana no segundo país mais afetado pelo vírus no mundo. A insegurança hídrica é ainda mais preocupante dentro deste cenário. É o que avalia o professor do Departamento de Ciências Ambientais da Universidade de São Carlos (Ufscar) Celso Maran de Oliveira.
O estudo tece duras críticas e traça um futuro preocupante sobre o abastecimento de água limpa para os brasileiros. Isso porque as mudanças climáticas devem provocar eventos extremos, como secas e incêndios, com frequência cada vez maior. Pesquisadores também alertam que epidemias futuras, como a de covid-19 da atualidade, não estão longe do radar. “Existe o direito fundamental de acesso à água segura. O quadro da covid-19 reforça a essencialidade e faz refletir sobre cenários futuros”, afirma.
Direito básico
Maran observa que o Brasil segue com “certo conforto na disponibilidade” de água. Entretanto, o país mantém “uma distribuição desigual em suas regiões. Essa boa disponibilidade de água doce não é coincidente com o acesso à água segura, fruto de um serviço adequado de tratamento”. O professor aponta que as deficiências são “extremamente graves diante desse momento de pandemia, porque medidas sanitárias básicas de contenção necessitam de água. E água de boa qualidade”.
De acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA), dos 5.556 municípios brasileiros, 3.059 – 55% do total – carecem de investimentos no abastecimento. “O número de pessoas no Brasil expostas a situação de vulnerabilidade hídrica é preocupante, porque o fornecimento de água tratada não ocorre em todas as cidades. E ainda são presenciadas situações de interrupção no fornecimento naquelas detentoras de redes de abastecimento”, afirma, o pesquisador em artigo intitulado Insegurança Hídrica em Tempos de Covid-19.
Direito à vida
Mesmo as maiores cidades do país, como São Paulo, passam por cortes sistemáticos de água, especialmente em regiões periféricas. Justamente locais em que a higiene se faz mais necessária em um cenário de desigualdade, com disseminação descontrolada de um vírus e habitações com maiores aglomerações. “Assim, deve o Estado garantir o acesso a todos, como medida de máxima urgência (…) uma vez que o acesso à água segura tem estreita ligação com a propagação da doença, afetando diversos direitos das pessoas, inclusive o direito à vida”, afirma Maran.
Sendo assim, caberia ao poder público um reforço nas políticas que garantissem o direito essencial, algo que não ocorreu. “O Estado deveria ter implementado políticas no sentido de fornecer universalmente água segura às pessoas, para que neste momento aquelas medidas de higiene pessoal e doméstica, para contenção da doença, fossem acessíveis a todos indistintamente. Isso traria ganhos para toda a sociedade porque poderia ter contribuído para diminuir a disseminação da doença, e evitando que vidas fossem perdidas, ou mesmo venham a ser perdidas no futuro”.
Insuficiência
Diante do levantado por Maran, a conclusão é de que não houveram avanços nem políticas públicas direcionadas para o acesso à água em tempos de pandemia. “O poder público demonstrou às pessoas sua ineficiência em relação às políticas de saúde nas medidas restritivas de isolamento social”. O pesquisador lembra a recomendação de higienização pessoal e habitacional como forma de combate à propagação da doença. “Porém, para que isso seja possível, todos precisam ter acesso à água segura, o que não ocorre em sua totalidade no Estado brasileiro”, conclui.