O sistema de capitalização, previsto na reforma da Previdência apresentada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro, falhou em 60% dos países que o adotaram, de acordo com estudo publicado no ano passado pela OIT (Organização Internacional do Trabalho). Na capitalização, o trabalhador faz a própria poupança para sua aposentadoria. Entre 1981 e 2014, 30 países modificaram seu sistema –seja completamente ou uma parte dele – para adotá-la, segundo o estudo.
Até o ano passado, 18 desses países já haviam feito uma nova reforma, revertendo ao menos em parte as mudanças.
“Com 60% dos países que privatizaram aposentadorias públicas obrigatórias tendo revertido a privatização, e com evidências acumuladas de impactos sociais e econômicos negativos, é possível afirmar que o experimento fracassou”, afirma o estudo. Foram múltiplas as razões que levaram a essa falência, como os altos custos fiscais e administrativos do novo sistema, além do baixo valor das aposentadorias, segundo os autores Isabel Ortiz, Fabio Durán-Valverde, Stefan Urban, Veronika Wodsak e Zhiming Yu, membros da OIT.
Os 18 países que tentaram a capitalização, mas fizeram novas reformas, foram: Argentina, Equador, Bolívia, Venezuela, Nicarágua, Bulgária, Cazaquistão, Croácia, Eslováquia, Estônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Macedônia, Polônia, República Tcheca, Romênia e Rússia. Os demais foram: Colômbia, Chile, Peru, Uruguai, México, El Salvador, Costa Rica, República Dominicana, Panamá, Armênia, Nigéria e Gana. O estudo tem dados somente os países onde a capitalização não deu certo. Não dá detalhes sobre as experiências onde funcionou até agora.
Aposentadorias mais baixas
A recomendação da OIT é de que o valor da aposentadoria seja de pelo menos 40% do salário-base de cada trabalhador após 30 anos de atividade. Diversos países que adotaram a capitalização, porém, tiveram queda nos valores das aposentadorias, que ficaram abaixo desse padrão.
Os pesquisadores citam entre os exemplos a Bolívia, onde as pensões passaram a corresponder em média a 20% do salário que o trabalhador teve durante a carreira. Outro problema apontado é que o número de pessoas cobertas pela Previdência caiu na maioria dos países, contrariando o discurso de que a possibilidade de maiores rendimentos aumentaria a atratividade para que os trabalhadores contribuíssem.
Aumento da desigualdade Outra consequência observada em países que adotaram a capitalização foi o aumento da desigualdade de renda. Os sistemas de seguridade social, quando bem elaborados, servem para distribuir a renda entre a população de duas formas, segundo o estudo. Primeiro, com a transferência de dinheiro das empresas para os trabalhadores, já que em muitos casos elas colaboram com uma fatia da contribuição previdenciária do indivíduo.
Segundo, com a distribuição de renda dos mais ricos para os que ganham menos, e de pessoas aptas a trabalhar para aquelas que têm algum impedimento, seja por alguma doença, deficiência, ou que param por um período, como mulheres durante a maternidade. Com a capitalização, essa redistribuição diminuiu. Como nesse formato as contas são individuais, quem tinha renda mais baixa ou não podia trabalhar –mesmo que temporariamente– acabou poupando menos e, consequentemente, terminou com uma aposentadoria menor, diz o estudo.
Rombo não foi resolvido
A maior preocupação dos países que reformam sua Previdência costuma ser o equilíbrio das contas públicas. No caso do Brasil, por exemplo, sucessivos governos, incluindo o atual, afirmaram que as mudanças são necessárias porque as pessoas estão vivendo mais e tendo menos filhos. Como no sistema atual o dinheiro de quem está trabalhando financia as aposentadorias de quem já parou, esse envelhecimento da população acaba aumentando o rombo nas contas.
No caso dos países que optaram pela mudança para a capitalização, porém, o alívio nas contas não veio, por causa dos custos da mudança. Os trabalhadores pararam de contribuir para sustentar as pensões de quem estava aposentado, já que mudaram para o sistema de contas individuais. Ou seja, o governo teve que bancar essas aposentadorias com outros recursos, aumentando abruptamente os gastos com a Previdência até que toda a população estivesse na capitalização.
Segundo o estudo, os gastos com a transição foram bem maiores do que o previsto inicialmente. Ele cita o caso da Argentina, onde o custo foi inicialmente estimado em 0,2% do PIB (Produto Interno Bruto), mas que foi revisto após a mudança para a capitalização, aumentando 18 vezes, para cerca de 3,6% do PIB.
O Brasil vai adotar a capitalização? O sistema de capitalização é defendido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, como forma de proteger gerações futuras e criar empregos. A proposta de reforma da Previdência que o governo enviou ao Congresso e que atualmente está sendo analisada na Câmara prevê a capitalização, mas não dá detalhes de como ela seria, nem de como aconteceria a transição.
O governo diz também que ainda não sabe qual seria o custo da transição.