Centenário de Celso Furtado

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A trajetória de Celso Furtado, o mais brilhante economista brasileiro , autor de trabalhos sobre desenvolvimento e sobre o Nordeste brasileiro

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Celso Furtado | Foto: arquivo DCO

Em Pombal, sertão paraibano, em 26 de julho de 1920 nascia Celso Monteiro Furtado, um dos principais intelectuais brasileiros e importante economista Latino americano. Sua vasta obra com cerca de 40 livros e centenas de artigos constitui um esforço significativo de intepretação do Brasil e da América Latina, Além disso, Furtado apresentou propostas de intervenções no domínio da política econômica, cultural e social na administração pública.

A obra de Celso Furtado tem como preocupação central a questão do desenvolvimento e do subdesenvolvimento, abarcando a inserção de economias periféricas no sistema mundial. Ao contrário dos economistas neo clássicos que acentuavam as vantagens relativas da especialização dos países atrasados (ou subdesenvolvidos) Furtado demostra que o funcionamento das relações entre países centrais e países periféricos, bem como a própria estrutura social interna dos países são obstáculos ao desenvolvimento e as mudanças sociais.

Além disso, Celso Furtado apresentou uma constante preocupação com o planejamento e com o desenvolvimento regional. A tônica dos desequilíbrios regionais e da necessidade de um amplo incentivo para o desenvolvimento nordestino estava relacionada com a discussão sobre o planejamento no Brasil. Furtado participou do Conselho de Desenvolvimento Econômico do Nordeste e, fomentou a criação de um órgão de planejamento regional – a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) em 1959.

Celso Furtado participou de governos tais como o de Juscelino Kubitschek [1956-1961] e o de João Goulart [1961-1964], neste último será ministro do Planejamento do Brasil (1962-63), quando elabora o controverso Plano Trienal de Desenvolvimento. È perseguido e exilado pela ditadura militar brasileira, posteriormente, na Nova República participa como Ministro da Cultura do governo José Sarney [1985-1990].

 

Anos de formação: Da Paraíba para o mundo

Na década de 1940, Celso Furtado irá para o Rio de Janeiro, trabalhar no serviço público, no Departamento de Administração do Serviço Público (DASP). Entretanto no final de 1944, depois de concluída a faculdade de Direito, é convocado para a Força Expedicionária Brasileira, que atua na Itália, retornando ao Brasil em setembro de 1945. Sendo que em 1947 novamente deixa o país, matriculando-se no Institut d’Études Politiques, a Sciences Po, em Paris.

Em seguida, estuda economia, na Sorbonne, onde em 1948 defende a tese de doutorado sobre A economia colonial brasileira nos séculos xvi e xvii. Depois, Celso Furtado chefiou a Divisão de Desenvolvimento da Cepal, em Santiago do Chile. Entre 1949 e 1957, teve um intenso contato com a problemática dos países latino-americanos.

Em 1957, é convidado pelo economista inglês Nicholas Kaldor para passar uma temporada de estudos em Cambridge. Nos seminários do King’s College, realiza uma pesquisa sobre os processos históricos do desenvolvimento econômico. Neste período prepara o material que depois comporá uma das suas principais obras Formação econômica do Brasil, que, será publica em 1959, transformando-se em clássico do pensamento social brasileiro.

 

“Formação Econômica do Brasil (1959) foi ímpar ao dar substancialidade a uma abordagem histórico-processual que permitiu realizar uma das mais relevantes análises acerca da complexidade tanto dos diversos ciclos econômicos, pelos quais passou o Brasil, quanto dos parâmetros estruturadores de um duradouro processo de concentração da riqueza, da renda e do poder.” Revista de Ciências Sociais. Fortaleza, v. 51, n. 1, mar./jun., 2020, p. 31–43.

 

Cepal

As formulações de Celso Furtado vinculam-se ao chamado enfoque Estruturalista Latino-Americano, que teve epicentro os intelectuais e técnicos reunidos na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), instituição criada em 1948 pela Conselho Económico e Social das Nações Unidas.

 

“Ao lado de Raúl Prebisch, ele foi um dos criadores da escola estruturalista de desenvolvimento econômico, de influência maior em todo o continente e além das fronteiras latino-americanas. Sua teoria do subdesenvolvimento foi pioneira ao formular que desenvolvimento e subdesenvolvimento eram facetas do mesmo processo da expansão da economia capitalista internacional, e que o segundo não era uma etapa rumo ao primeiro — senão que, sendo um fenômeno específico, demandava esforço autônomo de teorização.” ( D’AGUIAR, Rosa Freire. Celso Furtado — um retrato intelectual. 2015)

 

O pensamento cepalino teve como liderança formativa o argentino, Raúl Prebisch, autor de livros como El desarrollo económico de la América Latina y algunos de sus principales problemas, 1949 e Problemas teóricos y prácticos del crecimiento económico, 1951.

A reflexão iniciada por Paul Prebisch no final dos anos 1940 indicava uma apreciação que se operava em uma profunda transição nas economias dos países da América Latina. A industrialização e a inserção internacional foram objeto de reflexão da teoria estruturalista do subdesenvolvimento, elaborada pela CEPAL.

Raul Prebisch fez a crítica à ideia das vantagens comparativas na divisão internacional do trabalho, na qual participavam países produtores de bens primários e de bens industrializados, uma vez observado que os ganhos de produtividade foram muito maiores na indústria do que na atividade primária. Ou seja, na realidade, os produtores de insumos primários, ao contrário do que pregava a teoria das vantagens comparativas, tinham seu desenvolvimento travado, pois havia um bloqueio na propagação do progresso técnico conduzindo à deterioração dos termos de trocas entre os dois grupos de países.

Uma das preocupações centrais das formulações cepalinas era como o Estado poderia contribuir para o sistema de desenvolvimento econômico nas sociedades periféricas. Destacam-se as seguintes temáticas: i) a abordagem histórico-estruturalista baseada na ideia de relação centro-periferia; ii) a análise da integração internacional; iii) a análise dos constrangimentos estruturais internos para o crescimento e o progresso técnico, e sua relação com emprego e distribuição de renda e; iv) a análise das possibilidades de ação do Estado como formador e regulador do desenvolvimento.

Para a CEPAL, entretanto, a análise do comércio internacional destaca a interdependência entre o comportamento do “centro” e da “periferia”, criando problemas para o desenvolvimento da periferia. A tese cepalina é uma tendência à piora dos termos de troca, que se opunha à visão liberal das virtudes do livre comércio, ao contrário do que prometia a teoria da vantagem comparativa ao longo do século XX, o lento progresso técnico dos produtos primários em relação ao industrial. Isso pode ser verificado na estrutura fundamentada em um padrão específico de integração na economia global como “periferia”, produzindo bens e serviços para o mercado internacional. Também nas importações de bens e serviços, com uma rápida expansão na demanda doméstica e de assimilação dos padrões de consumo e tecnologias para o centro, mas muitas vezes insuficientes para a disponibilidade de recursos e o nível de renda da periferia.

 

O Nordeste brasileiro e as desigualdades regionais

 

Em 1958, Celso Furtado volta ao Brasil, empenhado em utilizar seus conhecimentos adquiridos nos anos de trabalho na Cepal na esfera pública brasileira, atuando em governos reformistas. Sendo a questão do planejamento regional, em especial os problemas relativos ao desenvolvimento do Nordeste sua preocupação central. Coordena a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).

Ao analisar a decadência econômica do Nordeste, Furtado (1989) chama a atenção para o fato de que as formas assumidas pelos dois sistemas da economia nordestina – o açucareiro e o de criação – se constituíram em elementos retardatários quando a região Centro-Sul apresenta-se como centro econômico dinâmico, e as disparidades regionais foram exacerbadas com a industrialização. Assim, o sistema industrial nacional concentrado no Centro-Sudeste estabelecia dentro do País relações com um conjunto de economias primárias, as quais se tornavam cada vez mais dependentes e subordinadas, visto que as relações econômicas entre uma economia industrial e economias primárias tendiam sempre a formas de exploração e dependência.

A política do governo federal visava à criação de mecanismos para tratar a região com mais sistematicidade. A década de 1950 inicia uma ênfase no planejamento, deslocando-o dos problemas hidráulicos para os problemas econômicos e da região. Criaram-se à época o Banco do Nordeste do Brasil (BNB) em 1954, o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste e o Conselho de Desenvolvimento Econômico do Nordeste e – a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Tanto a Sudene quanto o Banco do Nordeste representavam a nacionalização da questão nordestina, relacionando- à integração regional. O papel da Sudene e do planejamento estatal tornou-se recursos centrais para o desenvolvimento nordestino.

A Sudene pretendia ser um órgão de natureza renovadora, com o objetivo de munir o governo com instrumentos que o capacitassem a formular uma política unificada de desenvolvimento para o Nordeste. Um dos pontos fundamentais dessa proposta de reformulação foi o combate ao que se convencionou chamar de indústria da seca, ou seja, a manipulação dos recursos federais em proveito da estrutura de poder tradicional, sobretudo nas regiões mais secas do semi-árido.

Para Furtado, a Sudene tinha como eixo uma intervenção planejada que transformaria o Nordeste em uma região desenvolvida, mediante uma política ativa de desconcentração regional de renda, com a quebra da estrutura fundiária tradicional e arcaica. Para tanto, seriam necessária a realização de uma reforma agrária – considerando-se o uso improdutivo do excedente rural pelos grandes proprietários fundiários – e a implementação de um forte incentivo à industrialização da região, o que contribuiria para o desenvolvimento do País, em suma, um projeto pautado na justiça social. Entendia-se que o futuro do Brasil como nação dependeria de tal transformação, pois as clivagens regionais e sociais acabariam por comprometer o desenvolvimento do conjunto nacional.

O Relatório do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento Econômico do Nordeste (GTDN), salientava que a chamada política hidráulica invés de abrandar as implicações econômicas e sociais da seca a aguçava. Um exemplo ilustrativo, protegia a pecuária e não investia na produção familiar nem na melhoria das condições de produtividade da pequena propriedade rural, gerando uma tendência demográfica para o crescimento, ampliando cada vez mais o impacto social das secas.

Em sua essência, os relatórios e estudos da GTDN apresentavam como principal ponto de diagnóstico da problemática nordestina, o fato que a política cambial e de controle de importações nordestinas por parte da União subsidiaram a industrialização do centro-sul; sendo que uma maior carga tributária federal na região, ocasionava a transferência de capitais privados nordestinos para outra região; além disso, a tradicional política de combate à seca, especialmente a construção de açudes beneficiam os grandes proprietários; sendo que a estrutura industrial nordestina, sobretudo a industrial têxtil estava obsoleta.

A ação planejada da Sudene buscava reverter estes problemas, além de apresentar uma solução definitiva para os problemas da seca, uma vez que a grande seca de 1958, foi um dos elementos justificadores para o estabelecimento de uma intervenção governamental mais enérgica no Nordeste. Seguindo a linha desenvolvimentista as principais propostas de ações governamentais apresentadas pela Sudene foram: i) Na Zona da mata, a melhoria da produtividade da produção do açúcar, com apoio financeiro do governo, liberando terras para reforma agrária; ii)Investimento em Irrigação para favorecer uma política de colonização e de produção alimentar; iii) Industrialização visando à criação de um centro autônomo manufatureiro, implementando uma política de substituição regional de importações; e iv) Criação de uma mentalidade empresarial.

Os problemas e impasses sofridos pela proposta da Sudene e da GTDN estão relacionados com enfrentamentos econômicos e políticos na conjuntura dos anos 60. Assim, a significação da questão terra como elemento de poder para as oligarquias, criou obstáculos para uma mudança da estrutura fundiária. Além disso, a principal proposta da Sudene o fomento à industrialização nordestina, através da criação de um centro autônomo no Nordeste, enfrentava a dificuldade do próprio caráter complementar do mercado nacional formado e do fracasso da tentativa de criar mecanismos de substituições de importações no âmbito regional, pois o uso de incentivos fiscais, ainda que importante, não tem o mesmo efeito do que as barreiras tarifárias nas relações entre nações.

Para Francisco de Oliveira (Elegia de uma (re)ligião,1977) a experiência da Sudene deve ser vista de maneira crítica, com o argumento de que esta intervenção estatal planejada não iria acabar com a hegemonia burguesa em escala nacional, mas representaria uma nova maneira de assegurar a expansão capitalista (monopolista e internacional).

De qualquer forma, a proposta de Celso Furtado nos marcos de um reformismo de Estado e do planejamento regional para o Nordeste propunham a transformação de uma área problema para um pólo dinâmico do desenvolvimento nacional.

As resistências de setores ligados aos latifundiários dentro e fora dos governos nacionalistas e sobretudo, o golpe de 1964, desmontaram a estratégia reformista de planejamento regional elaborada por Celso Furtado (“Fantasia desfeita”) que não consegui superar as estruturas sociais arcaicas e o clientelismo político na região.

 

Exilio na Europa e ministro da cultura na Nova República

 

A ditadura militar posteriormente reconfigurou a Sudene, procurando manter o poder do atraso, ao mesmo tempo que implementou mecanismos autoritários de planejamento na utilização dos recursos federais. Assim, os projetos de geração de emprego, projetos de irrigação, de ocupação das novas fronteiras agrícolas, de fomento à industrialização eram realizados muito parcialmente e numa perspectiva de controle social.

Em decorrência da perseguição realizada pela ditadura militar Celso Furtado é exilado. Incialmente, vai para a Universidade de Yale, depois, a partir de meados de 1965, volta à Sorbonne, como professor de economia do desenvolvimento e de economia latino-americana.

No período de exilio entre 1965 e 1978, Celso Furtado se dedica a produzir obras sobre o desenvolvimento como Teoria e política do desenvolvimento econômico, Prefácio a Nova Economia Política, e Criatividade e dependência na civilização industrial.

Com a anistia política retorna Celso Furtado ao Brasil, e participa do partido da oposição burguesa MDB, em 1985 é nomeado embaixador junto à então Comunidade Econômica Europeia, em Bruxelas. Posteriormente, participa como Ministro da Cultura do governo Sarney.

 

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