COP27: Hora de agir contra o cinismo ambiental

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Nos bastidores das negociações, admissão tácita (e cínica) do fracasso das “soluções de mercado”. IPCC alerta: tempo de evitar catástrofes passou, é preciso estratégia para conviver com elas. E cooperação global deve favorecer soluções locais

Por Iara Pietricovsky e Tatiana Oliveira

Após três anos de intervalo nas negociações presenciais, voltamos no último dia 6 para o Centro de Convenções de Bonn, na Alemanha, lugar onde acontecem, todos os anos, as negociações preparatórias para a Conferência das Partes (COP) no acordo climático global. Dessa vez as discussões miram a COP27, prevista para acontecer em Sharm el-Sheikh, Egito, em novembro deste ano. Ainda no contexto de uma pandemia que ceifou vidas e limitou a circulação de pessoas, observamos certo esvaziamento do evento em comparação com os momentos mais candentes dos debates sobre mudanças climáticas.

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Por outro lado, ultrapassamos o momento para a formação de um consenso científico sobre a realidade das mudanças climáticas e atingimos o momento de implementação, que demanda, para ser efetivo, uma abordagem equilibrada no que tange às ações e financiamento para o tripé do regime: mitigação, adaptação e perdas e danos.

Agenda de discussões

Do ponto de vista da agenda de discussões, o destaque vai para o sexto relatório do IPCC, que, apresentado em diversos painéis, nos conduzem à conclusão de que o tempo já acabou. Desde o primeiro dia, acontecem oficinas de trabalho, onde os cientistas estão mostrando a fragilidade dos ecossistemas em todo o planeta e a necessária urgência para produzir políticas e impulsionar o financiamento para uma rápida atuação. Caso contrário, entraremos em situações cada vez mais frequentes de catástrofes climáticas extremas.

Isso significa que contornar os efeitos das mudanças climáticas será muito difícil, tornando-se necessário criar estratégias para conviver com elas na medida do possível. Para isso, apoiar a ciência e tecnologia nacional, conectada com as necessidades locais e as demandas da sociedade civil, será fundamental. Nem a importação nem a transferência de tecnologias do Norte global serão suficientes para enfrentar os desafios de mitigação face a um meio ambiente em desequilíbrio, em que pese a importância da cooperação para o enfrentamento do problema climático.

Como resultado deste cenário, fica a pergunta: como adaptar o que parece estar se tornando cada vez menos adaptável? Propostas de adaptação parecem reclamar um último fôlego, assim como o burburinho nos corredores parece anunciar o reposicionamento da perspectiva sobre “perdas e danos” frente a eventos climáticos extremos.

Há grande esforço para apresentar a proposta sobre uma “Meta Global de Adaptação” para assinatura no Egito, em novembro, durante a COP27. O cronograma é otimista, já que adaptação é o eixo do regime, ao lado das chamadas “perdas e danos”, com menor grau de interesse por parte dos países do Norte global, enfrentando, consequentemente, dificuldades importantes de financiamento.

No eixo das perdas e danos, estão em discussão os mecanismos de financiamento e operacionalização da chamada Rede de Santiago, que têm como objetivo realizar cooperação técnica entre organizações e especialistas de forma a minimizar os danos em escala local, nacional e regional, sobretudo, em países em desenvolvimento vulneráveis à mudança climática. Cada vez mais, no entanto, o tema trata de processos de securitização da agenda climática, abrindo uma brecha perigosa para a sua vinculação tanto a aspectos de defesa quanto para a ação de corretoras de seguros e a criação/proliferação de títulos financeiros relacionados às catástrofes climáticas.

Em todos os casos, a pressão dos atores financeiros para que as políticas relacionadas à adaptação e a perdas e danos se tornem uma nova classe de ativos é forte e avança. Este aspecto das negociações, muitas vezes deixado no plano subliminar, é importante porque revela a geopolítica da agenda climática e pavimenta os caminhos para a adoção de novos modelos de financiamento das políticas públicas (a exemplo das chamadas “finanças mistas” ou do “financiamento monetário”). O problema é que essas alternativas de financiamento possuem uma relação umbilical com a privatização dos serviços públicos, alocando riscos e recursos de maneira favorável às empresas e não às pessoas.

O relatório do IPCC reforça a necessidade de uma abordagem complementar entre adaptação e mitigação. Estão sendo iniciadas negociações sobre o Plano de Trabalho para aumentar a ambição na implementação dos mecanismos de mitigação. E sobre o financiamento, logo na abertura dos trabalhos, foi feito um chamado pela Secretária Executiva da UNFCC, Patrícia Espinosa, para que os 100 bilhões de dólares anuais sejam ampliados na medida em que se mostram insuficientes para o tamanho do desafio.

Outro tema fundamental desta negociação diz respeito ao Balanço Global (Global Stocktake) relativo às contribuições voluntárias dos países, um diálogo técnico iniciado em Glasgow (COP 26) e que deve durar pelo menos até a COP28, prevista para acontecer em Abu Dhabi, em 2023. Esses diálogos contam com a participação de governos, especialistas, academia e sociedade civil. O seu objetivo é estabelecer mecanismos de monitoramento e verificação dos progressos de implementação do Acordo de Paris, além de reunir informações sobre como as partes estão atuando para a efetivação dos compromissos assumidos internacionalmente.

Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas (LCIPP)

A data escolhida para o início das reuniões da Conferência de Bonn converge com a semana do meio ambiente e, também, com a comemoração dos 10 anos do decreto que instituiu a Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial de Terras Indígenas (PNGATI). Na Plataforma, criada em 2015 como parte do Acordo de Paris (COP21), um grupo de indígenas brasileiros participam das discussões, apresentando experiências locais de gestão territorial e a sua luta por direitos. Reforçam assim as “soluções baseadas nos territórios” que, de forma concreta, e há séculos, contribuem de modo eficaz para a proteção do meio ambiente, dos modos de vida e bem viver dos povos e comunidades. Mostram, assim, que o mercado não é e não pode ser a única saída para a solução da crise climática.

Ações urgentes

Existem outros temas em debate, muitas apresentações e seminários sendo realizados simultaneamente além de manifestações contra o uso de combustíveis fósseis. Mas o que assusta é o sexto relatório de Avaliação do IPCC, por meio do qual a ciência mostrou em letras garrafais que já estamos em queda. A questão agora é se vamos minimizar o desastre ou perder o controle total da situação.

Patrícia Espinosa foi contundente em afirmar que a “ciência é clara: devemos ver mais ações extremas do clima nesta década, e se queremos alcançar a neutralidade de carbono até 2050 e, em ultima análise, a meta de 1,5ºC, precisamos acelerar as ações…” Sua fala na abertura da conferência clama pela urgência e responsabilidade dos governos. A urgência e o pedido de acelerar as decisões e compromissos é o tom que vem sendo empregado desde a Estocolmo+50. O tempo é hoje!

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