Estado ou mercado? Os bancos estatais e o paradoxo do liberalismo econômico no Brasil.
“O povo é o dono do Banco”. Embora forçada e praticamente improvável essa afirmação tem um fundo de verdade. Por outros meios e em termos formais o povo é sim o dono do Banco. Isso ocorre no Brasil. Paradoxalmente é o que tem salvado o mercado.
Delfim Neto está entre os “gênios” que pensam o mercado como algo “natural”. Confundem talvez propositadamente a imanência da divisão social do trabalho com uma espécie de natureza humana mercantil, deduzem o direito à propriedade do direito de troca para transmutar o direito à propriedade em leitmotiv da liberdade.
O que é o Estado nisso? Algo que foi artificialmente criado e cujo protagonismo deve ser constantemente tolhido, caso contrário a apatia econômica toma o lugar do espirito empreendedor. Levada às últimas consequências, a estratégia de substituir o mercado pelo Estado teria produzido um “cemitério de experiências” pelo comunismo do século XX. Esse é o eixo da campanha permanente, insistente e esmagadora, que convence até mesmo aqueles cujos interesses econômicos direitos estão ligados ao Estado referindo-o como o lugar da lentidão, da corrupção, da ineficiência e da burocracia. Ou tudo isso junto.
Os liberais cospem no prato que comem!
Por certo sua dependência congênita e crônica do estado no caso do Brasil gerou esse recalque. Na verdade das coisas, ou como dizem os “novos direitistas”, sem ideologia, é o Estado que funda o mercado. É o Estado que por meios políticos e bélicos amplia os mercados e como todos sabem é o Estado que resolve as besteiras do mercado. O Estado é o suporte da solidariedade financeira. Os bancos estatais brasileiros são provavelmente uma experiência bem particular na relação entre essas duas grandes esferas da sociedade. Têm sido fundamentais para os rumos do capitalismo por aqui.
Durante toda a ditadura militar o Banco do Brasil despejou bilhões na agricultura. A transformação do campo que deixou de ser nomeado de latifundiário para se tornar agronegócio não se fez sem uma enxurrada de dinheiro público. Muitos colegas do setor de crédito rural conhecem a história da famosa “conta movimento”. Sem o BB o “agronegócio” no Brasil não seria nada.
A Caixa Econômica pode ser, nos faltam dados internacionais, um dos maiores e mais experientes bancos a atuarem no crédito de habitação em termos globais e sua rede de atendimento suporta uma gigantesca máquina de controle de políticas públicas que envolvem o pagamento de algum tipo de benefício do Estado a um público qualquer. Sem a CAIXA o mercado de habitação no Brasil não seria nada.
O BNB e o Banco da Amazônia fazem o que seria quase impossível. Gerem e operam uma fonte de recursos cheia de amarras institucionais, de critérios burocráticos, com perfil bem regionalizado, atendendo regiões com dificuldades enormes. Dificuldades logísticas de acesso e comunicação, pobreza extrema, baixo capital social e baixos investimentos em infraestruturas sociais. Tudo isso atendendo mais os pequenos que os grandes negócios. O BNB gerencia o maior programa de microcrédito da América Latina e o BASA tem sido decisivo na mudança recente de perfil da economia amazônica e sem dúvida terá uma participação importante na transição sustentável que ainda está por ser iniciada.
Ainda tem mais, os bancos estatais hoje fazem tudo isso produzindo lucro e gerando dividendos bilionários para acionistas e para a união.
Em seu conjunto, incluindo aqui o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) esses bancos produziram 30 bilhões de receita para a união nos anos de 2017 e 2018. Não vamos nem falar nos patrocínios a eventos e iniciativas culturais, sociais, cientificas e esportivas. Mas nem tudo são flores, existem aqueles que pensam, corretamente, que os bancos estatais deveriam fazer muito mais: contratar mais pessoas, olhar mais para os pequenos negócios, trabalhar com taxas mais factíveis e prazos menos apertados e muito mais.
Porém, toda essa importância dos bancos estatais tem sido diretamente negada pelos liberais e pelo atual governo. Está em andamento uma operação de desmonte cuja estratégia é a destruir esse imenso patrimônio do povo brasileiro. Os liberais não podem conviver com esse paradoxo.
É o ovo de Colombo. O paradoxo do liberalismo brasileiro.
Agora que está pronto, que está feito, inicia-se a fase dois. A campanha de calúnias e mentiras para justificar a apropriação desses Bancos não pelo mercado, por que no mercado eles já estão, operam lá, mesmo sendo controlados pelo Estado, mas sim pelos pouquíssimos e muitos ricos que controlam fundos que se formaram com o dinheiro (advinham de quem?) do Estado. Um trabalho bem típico dos agentes do mercado financeiro à lá Paulo Guedes que agora estão no poder.