“É o momento de olhar para fora e entender o que podemos fazer.” Disseminação fora de controle e aproximação de festas preocupam cientistas
São Paulo – “Não é hora de flexibilizar ainda mais. Não é o momento de discutir festividades. É o momento de olhar para fora e entender o que podemos fazer”, afirma a neurocientista da Rede Análise Covid-19 Mellanie Fontes-Dutra. Inúmeros alertas sobre a “quarta onda” de impacto do coronavírus estão vindo de fora. Países da Europa passam pelo pior momento do surto desde então. Também foi confirmada a presença de uma nova variante na África do Sul, com grande número de mutações.
No Brasil, São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal caminham no sentido oposto da ciência. Os governos locais anunciaram o fim do uso de máscaras em certos locais, em um movimento de ignorar os alertas de cientistas e da Organização Mundial da Saúde (OMS). É um fato que a amplitude da cobertura vacinal em cidades como São Paulo, que já atingiu 100% da população adulta, é relevante. Mas, de acordo com o Imperial College de Londres, autoridade em epidemiologia, o vírus já circula de forma descontrolada no Brasil após semanas. Hoje, a cada 100 contaminados no país, eles transmitem para 106.
Desde o início da pandemia, a Europa antecede o que acontece no Brasil. As ondas mais mortais, primeira e segunda, chegaram meses antes no velho continente. Ao aportar em terras brasileiras, o estrago foi grande. Hoje, o país tem 613.642 vítimas do vírus; é o segundo país com mais mortos desde o início do surto, em março de 2020, e com mais vítimas em 2021. Hoje (25), nas últimas 24 horas, o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) reportou 303 vítimas e 12.126 casos, totalizando 22.055.238.
Já na Europa, a Alemanha voltou a registrar hoje recorde de novos casos, em torno dos 60 mil. O país também superou a marca de 100 mil mortos. A situação “dramática“, nas palavras da chanceler Angela Merkel, ganha tons mais sombrios graças ao negacionismo. Portugal, apesar de um aumento brusco de novos casos, não viu reflexo nas mortes. Isso, porque é o país mais vacinado do continente, com 84% da população totalmente imunizada.
Contudo, o fim de medidas não-farmacológicas como uso de máscaras e distanciamento social provocou o descontrole dos casos em todo o continente. Por isso, governos passaram a retomar medidas mais duras de lockdown, e restrições a viagens, obrigatoriedade de passaporte vacinal e até mesmo estuda-se a vacinação compulsória.
Nova variante
Portugal decretou hoje estado de calamidade e a França retomou obrigatoriedade das máscaras, por exemplo. “Medidas tomadas para evitar um cenário pior. Mesmo Portugal tendo cobertura vacinal mais alta do que outros países europeus, estamos tratando de variantes mais transmissíveis que precisam de vacina mais medidas protetoras pra controlar a transmissao”, relata Mellanie.
Uma dessas variantes já detectadas de forma oficial foi registrada em Botsuana, na África do Sul e em Hong Kong. Essa nova cepa, de acordo com estudos preliminares, parece ser capaz de produzir mutações diversas na proteína Spike, responsável pela contaminação e infiltração do vírus em células humanas. ” Devido ao alto número de mutações na Spike, especialistas estão discutindo quanto a estabilidade dessa variante. Algumas dessas mutações não são comuns e algumas são extremamente raras”, explica Mellanie.
“As mutações presentes na variante poderiam conferir um aumento na transmissão e na evasão imune, mas não temos indício de que seria algo maior do que já vimos. Essa afirmação acima é fruto de análises de predição, mas o impacto real dessa variante precisa ser, de fato, estudado. O que sabemos até o momento: Não temos indicativo de que vacinas não funcionam contra essa variante, é bastante provável que as vacinas seguirão protegendo. Mas fica o aviso. Se mantivermos transmissões altas, poderemos estar perigosamente acelerando isso (mutações mais agressivas)”, completa.