Para Raquel Stucchi, a abertura das atividades econômicas só deveria ser feita quando as curvas de casos e óbitos começassem a diminuir
Publicado: 10 Junho, 2020 – 09h47
Escrito por: Eduardo Maretti, da RBA
No Congresso Nacional, lideranças devem se reunir com um grupo de médicos, na semana que vem, para discutir um possível adiamento das eleições municipais de outubro. O grupo terá especialistas em epidemiologia e infectologia, além de sanitaristas, um biólogo e até mesmo um físico.
Mas, para a professora Raquel Stucchi, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no curtíssimo prazo as atenções devem se concentrar exclusivamente na própria covid-19. “A pandemia preocupa muito e este não seria o momento de se flexibilizar a quarentena”, diz. O governador paulista, João Doria, e o prefeito do capital, Bruno Covas, ambos do PSDB, trabalham conjuntamente para promover a reabertura das atividades econômicas, a partir desta quarta-feira (10).
Ainda que a capital paulista já estivesse atingindo o chamado “platô” (achatamento da curva) – a cidade bateu hoje (9) seu recorde de vítimas, com 334 mortes – não seria o momento de abrir as atividades. “Todos os países que enfrentaram a pandemia tiveram o cuidado de flexibilizar a economia quando as curvas do número de casos e de óbitos já começavam a descer. E, mesmo assim, com muito cuidado. Alguns desses países experimentaram novo aumento do número de casos e reavaliam como vão seguir daqui para frente”, diz.
Um dos dados usados pelos defensores da flexibilização para apontar tendência ao achatamento da curva na capital seria a redução da taxa de ocupação de leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) para tratamento da covid-19. O índice estaria em 67,5% nesta segunda-feira (8) no estado e 75,5% na Grande São Paulo, segundo o governo paulista. Na semana passada, os índices eram de 73% no estado e 85% na região metropolitana.
Lições
“O Brasil é um país continental e tem realidades muito diferentes em termos de número de casos, disponibilidade de leitos hospitalares, de enfermaria ou UTI pública e privada.” Nas última 24 horas, o país contabilizou 1.271 mortes pela covid-19.
Para a professora, “não aprendemos a lição de como fazer isolamento, de como testar, mas deveríamos ter aprendido a lição de que a abertura, mesmo considerando os problemas econômicos, só deveria ser feita quando as curvas de casos e óbitos começassem a diminuir”.
Como o Brasil “está querendo inovar” na flexibilização, a preocupação nos meios médicos é muito grande, avalia Raquel. Se a curva pode tender a achatar na capital, no interior é muito diferente. “A gente vê uma saturação na ocupação das vagas hospitalares de maneira geral. Equipes de profissionais trabalhando no limite físico e emocional, se contaminando com covid por várias razões. Não é o momento de flexibilizar de maneira nenhuma.”
Segundo ela, quanto mais se vai para o interior, mais preocupante é a situação, porque diminui a capacidade de oferta de leitos. Os pacientes que são internados ficam longo tempo, de duas a três semanas, em UTI, o que dificulta a rotatividade das vagas.
Situação difícil
A situação tende a piorar. Em Campinas, cidade de 1,1 milhão de habitantes, esta segunda-feira (8) “parecia véspera de Natal no centro da cidade, nos shoppings, pessoas na rua, algumas sem máscaras”, conta Raquel. O resultado muito dificilmente deixará de ser dramático. “As próximas três ou quatro semanas devem ser muito tristes. Eu quero estar errada, mas acho que não estarei.”
Se a flexibilização pode custar caro, por outro lado está a situação difícil das famílias em relação ao seu próprio sustento. “E aí seria papel dos governantes prover de forma mais substancial essas necessidades. Dinheiro tem.”
A professora da Unicamp lembra que o presidente Jair Bolsonaro vetou, na semana passada, o repasse de R$ 8,6 bilhões de um fundo administrado pelo Banco Central cuja destinação seria a estados e municípios para o combate à pandemia de coronavírus.
“Um dinheiro que estava parado e poderia até auxiliar as famílias neste momento, para permitir estender um pouco mais o isolamento, o que atenderia tanto a ciência quanto a economia. Mas não é isso que a gente está vendo.”
Já quanto às eleições de outubro, poderiam ser realizadas evitando-se aglomeração e adotando-se todas as medidas sanitárias de prevenção. Enquanto isso, manter distanciamento social, uso de máscara de maneira adequada, higienização das mãos, “tudo isso tem que ser um mantra até setembro ou outubro, pelo menos”.