O Ministério Público do Trabalho ajuizou ação civil pública contra o banco Santander pedindo uma indenização de R$ 460 milhões por danos morais coletivos por adotar um modelo de organização do trabalho de seus empregados baseado na gestão por estresse e em assédios morais visando ao cumprimento de metas. Isso teria causado danos à saúde de trabalhadores – afastamentos teriam representado um prejuízo ao INSS da ordem de R$ 90 milhões. O MPT também pediu à Justiça que o banco fique impedido de fazer negócios com o poder público por dez anos.
O MPT também já requisitou a instauração de inquérito pela Polícia Federal para apurar se diretores do banco e outros gestores seriam responsáveis por colocar a vida de empregados em risco e também por lesão corporal e constrangimento ilegal. ”Para a empresa, é lucrativo capitalizar-se à custa do sofrimento dos trabalhadores, pois sabe que apenas uma minoria dos lesados irão recorrer à Justiça, e destes, a maior parte acabará aceitando acordos em valores reduzidos, pois o trabalhador se vê premido por necessidades materiais inadiáveis”, afirmam os procuradores na ação. O valor de R$ 460 milhões representaria 1% do lucro líquido da instituição entre 2010 e 2016.
Segundo a ação civil pública, o banco adota metas excessivamente elevadas e as aumenta constantemente, aplica cobranças excessivas e sobrecarga de trabalho, mantém empregados sob ameaça constante de demissão pelo não cumprimento das metas e desconta da produtividade quanto clientes realizam saques em aplicações financeiras.
Esse modelo de cobrança por metas, segundo o MPT, tem levado a prejuízos também aos consumidores – que acabam sendo vítimas de vendas casadas ”empurradas” ou outras práticas ilegais.
Empresas do sistema financeiro têm afirmado nesse tipo de ação que como as metas são aplicadas à parte variável do salário, que seriam um complemento, uma forma de bônus, e não à parte fixa da remuneração, o seu cumprimento não é obrigatório, mas facultativo. Uma das justificativas dadas para mostrar que isso não se configura assédio é que as metas aplicadas à parte variável se aplicam a todos os cargos, inclusive diretorias.
O procuradores Raimundo Paulo dos Santos Neto, José Pedro dos Reis e Sandro Eduardo Sardá assinam a ação, que – apesar de ter sido baseada em casos ocorridos em Santa Catarina – foi movido pelo Ministério Público do Trabalho da 10a Região e está tramitando na 3a Vara da Justiça do Trabalho de Brasília em razão de outra ação mais antiga, que discute matéria semelhante.
”Pensado em dar fim à sua vida”
A ação civil pública traz uma avaliação psicológica realizada a pedido do MPT em agência em Florianópolis que concluiu que os bancários se encontram em níveis de sofrimento extremo em decorrência da organização e das condições do trabalho.
Em uma das agências da capital catarinense, de acordo com a ação, 43% dos empregados declara que ”tem pensado em dar fim à sua vida”. Outros resultados para a mesma agência são: 43% sente-se inútil em sua vida, 86% tem dificuldade de pensar claramente e de tomar decisões, 100% sente-se triste, 86% dorme mal, 100% sente-se nervoso, tenso e preocupado, 86% assusta-se com facilidade e 43% tem tremores nas mãos.
A ação do Ministério Público do Trabalho foi decorrência de fiscalizações realizadas pelo Ministério do Trabalho em Santa Catarina que constataram essas irregularidades e da análise de decisões judiciais reconhecendo metas abusivas no banco em outros estados.
A conclusão presente nos autos de infração lavrados pelos auditores fiscais do trabalho é de que ”o estabelecimento de metas praticamente impossíveis de serem atingidas, seguido da cobrança pelo atingimento destas metas pelos superiores (…) trará a curto e médio prazo danos graves e irreparáveis à saúde dos bancários do Santander”.
De acordo com a ação civil pública, levantamentos realizados pelos auditores fiscais do Ministério do Trabalho concluíram que as metas são excessivas e vem gerando danos graves e irreparáveis a saúde dos bancários. A aplicação de questionário para avaliação de condições de trabalho e saúde de bancários em uma grande agência do interior de Santa Catarina apontou o seguinte resultado: 88% acredita que a meta de produtividade excessiva; 66% sente-se muito fatigados ou sentem pressão excessiva; 55% afirma que o cumprimento da meta prejudica a sua saúde e a sua vida social; 100% sentiu, nos últimos seis meses, ansiedade em relação ao trabalho; 66% diz que a cobrança é excessiva ou gera constrangimento; 44% sentiu, nos últimos seis meses, dificuldades para dormir; 33% tomou, nos últimos seis meses, remédios para ansiedade ou para dormir.
A ação traz depoimentos de empregados do bando colhidos em um inquérito civil pelo Ministério Público do Trabalho. Em uma das agências, um empregado afirmou que o coordenador está afastado em razão de tentativa de suicídio e acredita que isso está relacionado às condições de trabalho, uma vez que o coordenador não consegue chegar perto de sua agência bancária.
Outro empregado disse que pensava em bater a meta do momento de acordava até quando dormia e que passou a apresentar problemas de saúde como distúrbios do sono, alteração do apetite, ansiedade, gastrite, síndrome do intestino irritado, crise de enxaqueca, crise de labirintite. Até que recebeu diagnóstico de depressão e síndrome do pânico, afastando-se, inicialmente, dez dias. Quando retornou, trabalhou por dez dias até teve uma crise de pânico durante o expediente.
Mais um informou que chegou a realizar operações bancárias para si próprio, visando atingir a meta. Para ele, o banco realizava cobranças excessivas sem assegurar condições para o cumprimento das exigências. Ele informou que, em razão das condições de trabalho, o gerente de pessoa jurídica de sua agência se afastou para tratamento de saúde, com diagnóstico de síndrome do pânico e depressão.
Outra depoente revelou que conseguia atingir as metas, mas trabalhava adoentada e que, na agência, todos os bancários estavam sob intensa pressão. Segundo ela, o gerente geral ameaçava de demissão em razão do não cumprimento das metas usando termos como” eu também sou cobrado”, ”lá fora não está bom”, ”não era o pior emprego do mundo”. Para cumprir a meta de venda de produtos bancários, ela vendia aos sábados e domingos, em eventos sociais particulares, como churrascos.
Previdência Social
De acordo com o Ministério Público do Trabalho, o banco Santander apresentou os dados consolidados de atingimento de metas para os anos de 2014 e 2015. Segundo a instituição, os documentos mostram a submissão de empregados a metas abusivas. Em setembro de 2014, apenas 21% dos bancários teriam conseguido atingir as metas estabelecidas. Em julho, 66% conseguiram atingir a meta – sendo o maior percentual para aquele ano. Em 2015, o menor percentual foi de 26%, no mês de outubro, e, o maior, de 54% em março.
De acordo com a ação, levantamento sobre os benefícios previdenciários aos empregados do Santander mostra que, no primeiro semestre de 2010, aqueles concedidos por transtornos mentais correspondiam a 20,41% do total. Já, no segundo semestre de 2015, a quantidade chegou a 37,29%.
Isso estaria representando um custo de mais de R$ 90, milhões ao INSS, envolvendo afastamentos por transtornos mentais (hoje, maioria, segundo o MPT) e distúrbios osteomusculares.
O Ministério Público do Trabalho afirma que enviará toda a prova produzida à Advocacia Geral da União para eventual ajuizamento de ação regressiva coletiva a fim reaver do banco os valores pagos pelo INSS aos empregados afastados do Santander pelas razões aqui expostas.
E pede que a Justiça obrigue o Santander a deixar de exigir cobrança por metas– entendidas, por exemplo, como as metas que não forem atingidas, mensalmente, por no mínimo 80% do total dos bancários e as que que não forem atingidas, no mínimo, em dez meses por ano. Também foi requerida a redução de, no mínimo, 40% do volume de metas e produtos bancários, o limite para aumento de metas até 10% ao ano e parar de aplicar a ”produtividade negativa” – quando os correntistas realizam saques em aplicações financeiras, entre outras obrigações. As demandas valeriam para todas as agências em território nacional.
Em resposta a um pedido de tutela de urgência feito pelo MPT, para garantir que o banco adote imediatamente as mudanças na cobrança de metas consideradas abusivas, o juiz Francisco Luciano de Azevedo Frota, responsável pelo caso, afirmou que ”as alegações da parte autora, por si só, já são motivos para acender uma luz vermelha em relação à higidez do ambiente de trabalho propiciado pelo réu aos seus empregados”. E que ”dados estatísticos apresentados sinalizam para a existência de uma desconformidade ambiental, que vem incapacitando um quantitativo elevado de trabalhadores”.
Mas considerando que o pedido foi de alcance nacional, que é necessário tempo para a leitura e interpretação dos dados apresentados uma vez que a questão é controversa e que se faz necessária a visão do banco, o magistrado postergou a decisão sobre essas mudanças para depois da apresentação da defesa pelo réu em maio.
A ação civil pública tramita na Justiça do Trabalho da 10a Região com o número: 0000342-81.2017.5.10.0011.
Source: SAIU NA IMPRENSA – 500