Movimento sindical exige proteção aos direitos trabalhistas e melhorias nas normas de fiscalização e controle das empresas para evitar socialização apenas dos prejuízos
Num momento em que o crédito já vem perdendo força por conta da alta dos juros e do endividamento das famílias, o rombo encontrado nas demonstrações financeiras da Americanas tende a tornar as condições gerais de financiamento ainda piores, afetando toda a sociedade e enfraquecendo dois dos motores da recuperação econômica, que é a oferta de crédito e o nível de emprego.
“A tendência é a de que este rombo cause impacto nos resultados dos bancos que são credores da Americanas e de uma extensa rede de fornecedores da empresa, que também pode ficar ser receber. Estas instituições financeiras, especialmente as privadas, por sua vez, atuarão de forma pró-cíclica, reduzindo a oferta de crédito e elevando as taxas de juros, o que pode aprofundar as dificuldades da economia”, explicou o economista Gustavo Cavarzan, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Diesse), um dos responsáveis pela elaboração do documento “O caso das Americanas S.A. e potenciais impactos para os trabalhadores e o sistema financeiro brasileiro”, publicado para contribuir com o debate do movimento sindical sobre o tema. “E olha que neste estudo não consideramos as mais recentes especulações sobre dívidas semelhantes em outras empresas”, completou o economista, referindo-se às acusações da Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (CervBrasil) contra a maior fabricante de cervejas do país, a Ambev.
Entre os credores da Americanas, estão alguns dos mais importantes e atuantes bancos do país, como o Deutsche Bank (R$ 5,2 bilhões de crédito), o Bradesco (R$ 4,5 bilhões de crédito), o Santander (R$ 3,6 bilhões), o BTG Pactual (R$ 3,5 bilhões), o Votorantim (R$ 3,2 bilhões), o Itaú (R$ 2,7 bilhões), o Safra (R$ 2,5 bilhões), o Banco do Brasil (R$ 1,3 bilhão) e a Caixa Econômica Federal (R$ 501 milhões). A previsão é de um impacto de aproximadamente 20% a 30% nas próximas divulgações de resultados no caso dos bancos mais expostos, como BTG, Santander e Bradesco e de 10%, nos casos de Itaú e Banco do Brasil. O Santander, por exemplo, já divulgou os resultados de 2022, com aumento no provisionamento para cobertura de dos débitos com liquidação duvidosa (PDD).
A presidenta da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Sistema Financeiro (Contraf-CUT), Juvandia Moreira, mostrou preocupação com o fechamento de agências e a perda de postos de trabalho nos bancos. “Precisamos evitar que os bancos fechem agências e demitam funcionários numa tentativa de recuperar seus prejuízos”, disse. “Estas medidas sobrecarregam ainda mais os bancários e prejudicam o atendimento aos clientes. Os trabalhadores e a sociedade não podem arcar com os prejuízos daqueles que, seja por ganância, incompetência, corrupção, ou qualquer outro motivo, cometeram erros que levaram a este rombo”, completou.
Proteger o emprego e os trabalhadores
As entidades de representação dos trabalhadores exigem melhorias nas normas de fiscalização e controle das demonstrações financeiras das empresas, para aumentar a transparência e evitar rombos como o da Americanas, e a regulamentação do sistema financeiro, como forma de democratizar a concessão de crédito e de reduzir as taxas de juros.
Para Juvandia, não é justo que a sociedade seja penalizada, mais uma vez, com a perda de postos de trabalho e a socialização do prejuízo. “Precisamos criar mecanismos para proteger as empresas e os empregos que elas geram (e como consequência os trabalhadores) e responsabilizar quem obteve lucro com as possíveis irregularidades fiscais”, afirmou ao lembrar que os principais proprietários do Grupo Americanas estão entre as pessoas mais ricas do país. “Os três acionistas que cometeram estas fraudes precisam ser obrigados e devolver esse dinheiro para as empresas, pois eles estão bilionários”, completou.
Assim como a presidenta da Contraf-CUT, o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Sergio Nobre, também defende que a atividade econômica, as empresas e os empregos precisam ser preservados. “Quando se tem um rombo de R$ 20 bilhões resultando em uma dívida com credores de R$ 43 bilhões, há algo de errado. Isso precisa ser investigado e as pessoas precisam ser punidas”, disse, ao pontuar que o rombo não afeta apenas a Americanas, mas toda a rede de fornecedores e credores do mercado financeiro e que, por isso, em conjunto com os líderes das demais centrais sindicais e confederações de comerciários (Contracs-CUT e CNTC), pediu ao ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, que convoque o Grupo Americanas para tratar do assunto.
A ponta do iceberg
No dia 19 de janeiro, em “Comunicado ao Mercado” realizado no ato de petição de recuperação judicial, a Americanas informou que possui 44 mil funcionários, incluindo os outras empresas do grupo (Hortifruti Natural da Terra, Vem Conveniência, Grupo Uni.co e Ame Digital), além de empregos indiretos, que somados chegam a 100 mil trabalhadores.
Segundo a divulgação da empresa, seus negócios concentraram-se em 3.601 lojas de diferentes formatos, praticamente metade delas composta por lojas próprias das Americanas, no formato tradicional e express (1.800 lojas ou 49,9%). Vale destacar também as franquias, como as do Grupo Uni.co (Puket, Imaginarium, MinD e Love Brands, com 419 lojas) e da Vem Conveniência (60 lojas da marca Local, operada pelas Americanas, e 1.240 lojas da BR Mania em postos de combustíveis).
Também fazem parte do grupo a maior rede varejista especializada em frutas, legumes e verduras do país, a Hortifruti Natural da Terra, com 79 lojas em quatro estados da região Sudeste (RJ, SP, MG e ES), e a Ame Digital (plataforma financeira da Americanas), com cerca de 30,5 milhões de contas abertas e que, em outubro de 2022, foi autorizada pelo Banco Central a operar como instituição de pagamentos.
No documento divulgado pelo Dieese, com base em informações financeiras divulgadas pela própria Americanas, é possível se observar que o Grupo Americanas possuía, em 2021, lojas próprias em todos os estados brasileiros e em 938 municípios, sendo que, quase metade delas (1.937) estava no Sudeste (49,6%). As demais estavam distribuídas regionalmente no Nordeste (22,6%); Sul (10,4%); Norte (9%) e Centro-Oeste (8,4%).
Ainda em 2021, o grupo Americanas possuía 25 centros de atendimento/distribuição em 11 estados e seis sedes administrativas, cinco delas no município do Rio de Janeiro e uma na cidade de São Paulo. O total das operações movimentou, naquele ano, mais de 2 mil fornecedores, principalmente dos segmentos têxtil, alimentício, de papelaria e de utilidades domésticas.
Em relação ao perfil dos trabalhadores empregados nas principais operações das Americanas, é importante destacar que mais da metade eram mulheres: 53,6%, ou quase 24 mil trabalhadoras. Desse total, 1.230 foram mães em 2021, ano em que foi retirada a licença maternidade, segundo Relatório Anual da empresa.
Também é importante destacar que a força de trabalho possui um perfil majoritariamente jovem: 75,9% dos empregados possuíam menos de 30 anos. Em relação à cor/raça, 42,1% dos funcionários foram declarados como pardos e 16,9%, como pretos.
Veja mais dados no documento elaborado pelo Dieese.