Só a superação do modelo capitalista pode conter a emergência climática, diz economista

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Para Esther Bemerguy, movimentos têm que atingir a raiz do problema da questão ambiental, que é o modo como a sociedade se organiza e produz

De acordo com Esther, economia verde e Green New Deal “estão inseridos nos princípios do capitalismo”, por isso são insuficientes

São Paulo – A “economia verde” como forma de frear a emergência climática está longe de ser um modelo promissor e nem mesmo iniciativas contempladas pelo chamado Green New Deal teriam como realizar uma efetiva preservação ambiental diante do atual cenário. É o que alerta a economista Esther Bemerguy, em entrevista a Glauco Faria, no Jornal Brasil Atual.

Em comum, esses modelos repetem fórmulas dentro do que deveria ser de fato superado para se reverter o quadro de devastação ambiental: o sistema capitalista. Ex-secretária do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República, entre 2004 e 2011, e ex-secretária de Planejamento e Investimentos, Esther explica que a ideia de uma “economia verde” vem, desde a década de 1970, sendo vendida como alternativa pelos próprios agentes da crise ambiental. Ao longo do tempo, ela se mostrou insuficiente para reverter ou mesmo conter esse processo.

“Todos esses modelos acreditam na racionalidade do próprio sistema. Como se o sistema capitalista, por meio de novas tecnologias, pudesse resolver o processo de emergência climática. Não pode, não tem como. Estão inseridos nos princípios do capitalismo, utilizam os mesmos conceitos e tecnologias”, destaca.

Outros modelos

Autora do artigo Elementos para um Programa de Transição Ecológica, publicado no livro Brasil: Estado social contra a barbárie, da Fundação Perseu Abramo (2020), a economista vem se dedicando a pesquisar soluções que atinjam a raiz do problema, que considera ser o modo como a sociedade se organiza hoje, desde sua produção até o consumo. A palavra de ordem para estancar a emergência climática, de acordo com ela, seria, portanto, lutar pelo fim do modelo capitalista.

Conceitualmente, a proposta de ecologia integral do Papa Francisco, assim como o “Bem Viver” dos indígenas e a agroecologia poderiam ser um norte para essa mudança. “São movimentos que trazem princípios e práticas que contribuem com a transição para um outro sistema”, ressalta Esther.

Desde a década de 1960, quando o meio ambiente se tornou uma questão central no debate público, a insustentabilidade do modelo capitalista tem se mostrado evidente, comenta a economista. Por isso, a ideia de transição ecológica como um novo modelo de produção e consumo, que impeça processos de cercamento da terra e dos bens comuns como serviços públicos de saúde e educação, ganha cada vez mais adeptos. A transição também se soma ao conceito de ecossocialismo, que tem como expoente o cientista social brasileiro radicado na França Michael Löwy, um conhecido crítico do “capitalismo verde”.

“O ecossocialismo vai justamente na origem da contradição, que é o sistema capitalista, recupera aquilo que (Karl) Marx já dizia, que o sistema capitalista, no limite, é destruidor da vida”, explica Esther.

A esquerda e a transição ecológica

Mas, de acordo com a pesquisadora, para além do ecossocialismo, a ideia de uma transição ecológica precisa principalmente ser integrada ao entendimento que “de que tudo é natureza”. Uma relação desenvolvida principalmente pelos saberes indígenas de povos do Paraguai, Bolívia e do Brasil.

O Brasil, inclusive, segundo a economista, poderia “ser a saída do mundo”, observa. O que não falta, segundo Esther, são exemplos de que é possível construir uma alternativa. Como fez o líder sindical Chico Mendes, na década de 1980, numa articulação com seringueiros, indígenas e comunidades locais para a preservação do meio ambiente. Nessa aliança, lembra a economista, o que interessava era a floresta em pé, o uso coletivo da terra, de forma sustentável.

É por isso também que ela reforça a importância do campo progressista incorporar a ideia de transição ecológica para trabalhar a mudança do modelo de desenvolvimento. A ideia já aparece, por exemplo, no plano de Reconstrução e Transformação do Brasil do PT, e também estava no projeto de governo de Fernando Haddad, em 2018.

Para Esther, o programa da legenda traz uma questão importante ao colocar a Amazônia como “bem comum dos brasileiros”, em uma área que foi espaço de contradições nas gestões em nível federal. Ao mesmo tempo em que governos comandados pelo PT conseguiram avanços como a redução do desmatamento na Amazônia, também promoveram a construção das usinas hidrelétricas de Belo Monte, no Pará, e Santo Antônio e Jirau, em Rondônia.

“A emergência climática é uma realidade hoje. Já não estamos mais no momento em que nós podemos ficar pensando alternativas que já se demonstraram fracassadas. É preciso pensar em estratégias, novos valores, princípios, que nos levem a um novo modelo de produção e consumo”, finaliza a economista.

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