Enquanto o Congresso debate a flexibilização dos agrotóxicos, o cultivo agroecológico propõe repensar o uso do campo
Edilson Mendes é técnico agropecuário em assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no Alagoas. Ele conta que há algum tempo foi chamado para tratar de uma praga que ataca as plantações de banana, o moleque da bananeira. “Em um diagnóstico, vi que estavam usando agrotóxico para combater a praga. Para eles era muito mais prático”, explica.
Em uma conversa com o lavrador que cuidava das plantações de banana, ele lhe relatou náuseas e dores de cabeça. O agrotóxico era aplicado sem proteção alguma e inalado pelo trabalhador. “Expliquei que podia gerar um câncer, para ele e para os filhos. Ele não estava vendendo banana, estava vendendo veneno”, conta.
Segundo Mendes, não é a primeira vez que um dos lavradores do assentamento tem a saúde comprometida pelo uso de agrotóxicos. Segundo o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (Inca), as intoxicações por agrotóxicos afetam principalmente trabalhadores rurais, que são expostos todos os dias a esses produtos durante a sua aplicação. As consequências vão de uma irritação nos olhos à uma desregularização hormonal grave, dentre outras.
O uso de agrotóxicos está sendo debatido no Congresso. A Câmara dos Deputados foi ocupada durante essa semana por grupos insatisfeitos e contrários ao PL 6299/02, conhecido como Pacote do Veneno, que está sendo votado por uma Comissão Especial responsável por analisar o projeto. A votação deveria ter ocorrido na semana passada, mas um pedido de vista coletivo na quarta-feira 16 a adiou.
A proposta flexibiliza as regras para a aprovação, fiscalização e utilização dos agrotóxicos no País. Atualmente, as decisões em relação aos agrotóxicos passam pela avaliação dos Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente, do Ibama e da Anvisa. Com a mudança na Lei, apenas o Ministério da Agricultura teria poder de decisão. Além disso, o termo “agrotóxico” seria alterado para “defensivo fitossanitário”.
Criado pelo deputado Blairo Maggi (PP-RN), considerado o maior produtor de soja do mundo e ex-Ministro do Meio Ambiente, o Projeto de Lei tem provocado uma crise. Isso porque o Ministério da Saúde, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o Ibama se colocaram contrários às mudanças, sobre as quais não foram consultados.
A situação coloca novamente em pauta a discussão sobre o uso de agrotóxicos no País, que é o maior consumidor deles no mundo. Existem hoje, no Brasil, 381 ingredientes ativos e 1808 produtos formulados de agrotóxicos registrados. Segundo a “Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida”, o desmonte na legislação, arquitetado pelo PL 6299/02 se fortalece justamente no ano em que a indústria de agrotóxicos teve queda de 20% em seus lucros.
A Lei n° 7.802 de 1989 permite que os agrotóxicos sejam utilizados no País, que é apontado por especialistas como um mercado que tem grande abertura a agrotóxicos considerados perigosos e que não são permitidos em outros países.
Edilson conta que ele e outros técnicos ensinam às famílias dos assentamentos que o melhor a se fazer é combater as pragas e as doenças dos produtos agrícolas com métodos naturais, como armadilhas ou predadores que já estão incorporados no ecossistema. “Além disso das técnicas, a gente trabalha com eles a consciência agroecológica”, conta Edilson.
Ele explica que a agroecologia, além de não fazer uso de venenos químicos e biológicos no solo, nas sementes e nos produtos finais, é também uma forma de organização social e ambiental. As condições do trabalho e a escolha do local são levados em conta.
Os produtos agroecológicos se afastam cada vez mais do modelo de produção do agronegócio
A produção é diversificada em espécies e há um cuidado em preservar as sementes crioulas, por exemplo. Assim como acontece com os orgânicos, a produto agroecológico também recebe selos e certificados, como o do tradicional Instituto de Mercado Ecológico.
“A agroecologia quer superar o uso de venenos, mudar a convivência com a natureza e produzir, cada vez mais, uma maior quantidade de espécies”, explica Cássio, de 23 anos. Ele é educador nas Escolas do Campo do MST e vive em um assentamento em Wenceslau Guimarães, Bahia.
Para ele, os orgânicos têm sido incorporados pelo agronegócio. “A gente pode ter uma produção capitalista, em larga escala, monocultora e que pode ser orgânica”, explica Cássio. Enquanto isso, os produtos agroecológicos se colocam como um ponto de resistência e se afastam cada vez mais desse modelo de produção. Eles resgatam técnicas menos agressivas, como o rodízio de culturas, por exemplo, e valorizam a agricultura familiar.
Percalços
As dificuldades para chegar a uma produção agroecológica e orgânica são grandes. Segundo Cássio, as dificuldades iniciais são as principais causas da desistência dos agricultores.
“Quando as famílias acampadas que chegam ao lote, geralmente não tem recursos, precisam construir casas, algumas cercas, processos de produção, tudo sem subsídio para a produção orgânica”, explica Cássio. Os incentivos financeiros são geralmente voltados ao agronegócio, setor mais rentável e lucrativo.
“O lobby da bancada ruralista faz com que seus interesses fiquem acima dos da população”, explica Luz Gonzalez, que compõe Secretaria Nacional de Meio Ambiente da CUT. “A agricultura familiar fica refém dessa relação perversa que fragiliza cada vez mais os pequenos agricultores e a agroecologia.”
O objetivo da maioria dos pequenos agricultores, principalmente os assentados, que já produzem de forma agroecológica e sem o uso de agrotóxicos é conseguir o selo orgânico, que valoriza seus produtos.
“É um modelo que requer uma série de burocracias, é muito mais difícil você mostrar que não usa agrotóxicos do que você vender livremente um produto que é cheio de veneno. É muito mais fácil você ser um vendedor de um produto que faz mal para a população e não precisar identificar isso. Enquanto isso, quem produz orgânicos tem uma série de burocracias e dificuldades para conseguir um carimbo”, conclui.
“O processo de transição agroecológica é demorado”, explica Cássio. As plantações no entorno dos assentamentos, muitas vezes participantes do circuito do agronegócio, tem interferência direta. Mesmo que o lavrador pratique a agroecologia, se os fazendeiros no entorno usam agrotóxicos, sua produção não pode ser considerada orgânica, por exemplo.
O controle do mercado de sementes também é um entrave aos produtores dos assentamentos. “Quem depende o mercado tem uma limitação, sim”, explica o engenheiro agrônomo Marcelo Kehl, que orienta assentamentos de Santa Catarina. “Há a questão da transgenia e da monopolização das sementes. Além disso, a maioria das empresas cobram para comprar as sementes delas e reproduzir”, explica.
“As grandes empresas, como a Monsanto, controlam uma série de sementes que você precisa usar com químicos. Para ter a semente você precisa comprar o agrotóxico”, explica Luz.
Marcelo explica que, por ser um mercado muito controlado, a cada ano menos empresas o dominam, o que é muito perigoso para a agricultura familiar, além de colocar em alto risco a diversidade de espécies, que têm tendência a diminuir.
A fim de proteger a biodiversidade, a agroecologia propõe o uso de sementes crioulas, que são produzidas e conservadas pelos agricultores por gerações, não são transgênicas e nem se utilizam de agrotóxicos. “O acesso às sementes orgânicas, às sementes agroecológicas, ainda é muito difícil para o agricultor. Estamos tentando criar, cada vez mais, uma rede de troca de sementes com os povos indígenas na região”, explica Cássio.
Projetos que valem à pena
“No sul da Bahia a realidade é a do monocultivo do eucalipto e café, além do gado. Então a agroecologia, deve ser uma bandeira de luta a ser trabalhada de forma interdisciplinar entre as pessoas”, explica Cássio. Ele é educador do campo na Escola Popular de Agroecologia e Agrofloresta e foi um dos responsáveis pela mobilização que levou, em 2014, a aprovação da agroecologia como disciplina na educação básica.
A projeto tornou-se também uma cartilha, “Agroecologia na Educação Básica” com uma proposta curricular para as escolas do campo. Depois da aprovação em Alcobaça, primeiro município a adotar a medida em suas escolas,a agroecologia ainda foi incorporado, como disciplina, em outros dois municípios da região e seu ensino é feito de forma interdisciplinar em outros onze.
“A agroecologia como disciplina é um marco da luta dentro das escolas contra o agronegócio. Até porque essas empresas também ofereciam, antes, um processo de educação ambiental, mas uma educação ambiental que visa apenas culpabilizar nós, assentados, e as tira totalmente a culpa da destruição da natureza”, conta Cássio.