Em 13 de julho de 2017, o então presidente Michel Temer (MDB) promulgava a Lei 13.467, que ficou conhecida como “reforma” trabalhista. A legislação foi aprovada a toque de caixa pelo Congresso Nacional, sob a falsa promessa de “modernização” trabalhista. Defensores da proposta anunciavam a criação de milhões de empregos e a dinamização da economia.
Passados quatro anos, o Brasil segue registrando seguidos recordes de desemprego. O subemprego e o trabalho informal também avançam, conformando um quadro de absoluta precarização das relações de trabalho. Superexplorados, os trabalhadores têm o acesso limitado à Justiça do Trabalho, sob pena de ter que pagar vultosos honorários advocatícios, caso seus pleitos não sejam acatados.
Tal precarização não se tratou de um efeito colateral não premeditado. Era o seu objetivo principal. De acordo com o professor Jorge Luiz Souto Maior, desembargador no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 15ª Região e presidente da Associação Americana de Juristas (AAJ), foi um projeto defendido pelas elites econômicas do país para aumentar a exploração da força de trabalho, de modo a suprir as perdas causada pela crise internacional desencadeada em 2009, com efeitos que perduram até hoje.
Para o especialista, a reforma trabalhista representou um “massacre” da cidadania da classe trabalhadora, na perspectiva dos direitos humanos, sociais e trabalhistas. Nesse sentido, esse massacre contou, ainda, com a cumplicidade de setores do Judiciário, como o próprio Supremo Tribunal Federal (STF). Além disso, também contou com o apoio absoluto da imprensa tradicional, porta-voz dos interesses empresariais.
“Não houve modernização alguma, Mas uma precarização, pura e simples. E foi pretendida”, afirmou Souto Maior, em evento virtual realizado, na última quinta-feira (29), pelo núcleo da Baixada Santista (SP) da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).
Para o magistrado, “precarização” é um eufemismo para o aumento da exploração, sem a compensação dos direitos sociais. “É o rebaixamento da condição humana da classe trabalhadora. É o que se pretendeu fazer por meio da Lei 13.467. E está sendo cumprido. Inclusive pelas mãos do ramo jurídico, como um todo”, declarou Souto Maior. Segundo ele, em vez de um “balanço” dos efeitos da “reforma” trabalhista, é preciso seguir denunciando suas inúmeras inconstitucionalidades da legislação.
Ele chama a atenção para o “silêncio” e a “conivência” das instituições em relação a inúmeros abusos decorrentes da nova lei. “A começar pelo STF, que tem declarado a constitucionalidade de alguns dispositivos que são explicitamente inconstitucionais. Não bastasse a inconstitucionalidade formal, do ponto de vista do conteúdo, também é muito evidente, em diversos aspectos.”
Ele citou, por exemplo, a supressão, “de uma hora para outra”, do imposto sindical. Um ano depois, em meados de 2018, o STF decidiu, por 6 votos a 3, contra a obrigatoriedade do imposto sindical, apontando a contribuição voluntária como única alternativa para o financiamento das organizações. “Em muitos outros temas em que a inconstitucionalidade foi demandada, o Supremo simplesmente se calou”, ressaltou o desembargador.
Segundo Souto Maior, o STF se calou sobretudo, em relação ao fim do acesso gratuito à Justiça do Trabalho. Desde a aprovação da “reforma”, trabalhadores que acionam o Judiciário e são derrotados em ações trabalhistas são obrigados a arcar com os honorários advocatícios gastos pela empresa que foi alvo da ação. Ele afirmou que as “punições” a que os trabalhadores estão sendo submetidos transcendem até mesmo os marcos da nova legislação. “E o Supremo não diz nada”, anotou.
O efeito “perverso”, segundo ele, é que as pessoas estão deixando de buscar o que ainda resta dos seus direitos. “Cria um obstáculo intransponível para muitos, que é a ameaça de gastar um dinheiro que não têm. Em muitas reclamações trabalhistas, alguns pedidos começam a ser evitados, demandas são reprimidas. Mas do assédio moral, do assédio sexual, ou de qualquer outra questão ligada à privacidade ou à intimidade, pensa duas vezes.”
Até o 2019, a reforma já havia causado uma verdadeira “bancarrota” no mundo do trabalho, com aumento do desemprego, subempregos, trabalho informal, salários rebaixados e aumento das doenças relacionadas ao trabalho. Como resultado, as grandes empresas registravam aumento dos lucros e as multinacionais ampliavam as remessas enviadas ao exterior. No entanto, com a chegada da pandemia no Brasil, em fevereiro de 2020, o mundo do trabalho passou a viver o que Souto Maior chama de “exploração completamente despudorada”.
Ele citou os efeitos das Medidas Provisórias (MPs) 927 e 936, editadas no início da pandemia, que permitiram redução das jornadas de trabalho e, até mesmo, a suspensão do contrato de trabalho por até quatro meses. Tais cláusulas seriam fixadas em negociação individual entre patrões e empregados. Seus efeitos foram estendidos, em 2021, sob a forma das MPs 1.045 e 1046.
Souto Maior ainda listou outros direitos que foram suprimidos, contando com o aval do STF. “Eliminou a fiscalização no ambiente de trabalho, bem como a necessidade de exames médicos periódicos. Aumentou-se a possibilidade de extensão do banco de horas, sem nenhum tipo de compensação. Se suprimiu ou adiou o pagamento do FGTS. Possibilitou a redução de salários em 25%, 50% e até 70%. As pessoas continuaram trabalhando, mas com redução de salários e aumento de jornadas, sem equipamentos de proteção individual (EPIs), durante uma pandemia.”
Inclusive ele atribui como consequência dessas medidas o número elevado de mortos pela pandemia no Brasil, combinado com outras ações e omissões adotadas pelo governo Bolsonaro. “Novamente vendeu-se como benefício para a classe trabalhadora. Mas, não. As grandes empresas é que foram beneficiadas, mantendo seus lucros mesmo durante a pandemia. É um momento de extrema maldade com a classe trabalhadora, que conduziu à morte de milhares.”
Fonte: Rede Brasil Atual