Crise aprofunda desigualdade econômica. Para recuperação, OIT sugere salário mínimo

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Por que ocupações de grande valor social, como cuidadores e professores, são sinônimo de salário baixo?, questiona diretor

OIT

Informe da OIT aponta perdas principalmente entre mulheres e trabalhadores de menor renda, por redução das horas trabalhadas

São Paulo – A pandemia causou perdas salariais e aprofundou a desigualdade, aponta recente relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT). E atingiu de forma mais dura mulheres e trabalhadores que já tinham salários menores. Uma das propostas da OIT é incrementar políticas de valorização do salário mínimo. De acordo com a entidade, 327 milhões de assalariados (19% do total), sendo 152 milhões de mulheres, têm remuneração equivalente ou inferior ao salário mínimo/hora.

“Um salário mínimo adequado deixa o trabalhador a salvo de uma remuneração baixa e reduz a desigualdade”, afirma Rosalía Vázquez Álvarez, uma das autoras do informe da OIT. “No entanto, efetivar políticas de salário mínimo exige um conjunto inclusivo de medidas. Significa ampliar a cobertura para mais trabalhadores e estabelecer um salário em nível adequado e ir atualizando-o, a fim de que o trabalhador e sua família possam ter um melhor nível de vida. Nos países em desenvolvimento e emergentes, isso exigirá a transição dos trabalhadores do setor informal para o formal.”

Perda ou ganho artificial

No primeiro semestre do ano, a crise atingiu os salários de pelo menos dois terços dos países com dados recentes disponíveis. Ou pressionando para baixo, ou aumentando “em boa medida artificialmente, como reflexo da perda substancial de postos de trabalho entre aqueles com salários menores”.

A OIT lembra que, em época de crise, as “drásticas variações na composição do emprego” podem distorcer o salário médio. No Brasil, Canadá, França, Estados Unidos e Itália, por exemplo, houve aumento do rendimento porque “a perda de emprego afetou o extremo inferior da escala salarial”.

A organização lembra ainda que as mulheres “sofrem mais os efeitos adversos” da crise. Na Europa, sem pagamento de complementos salariais, a perda seria de 6,5% da massa salarial do primeiro para o segundo trimestre. Queda de 8,1% para as mulheres e de 5,4% no caso dos homens. “Essa diferença se dá, sobretudo, pela redução das horas de trabalho, mais do que pela diferença na quantidade de demissões.” A massa efetivamente perdida, pela redução de horas, foi de 6,9% e 4,7%, respectivamente.

Menos horas trabalhadas

Quem ocupava postos de menor qualificação perdeu mais horas de trabalho. Em um grupo de 28 países europeus, sem os subsídios temporários, 50% dos que ganham menos teriam perdido aproximadamente 17,3% do salário, ante perda média de 6,5%. Em 10 países com dados disponíveis, os subsídios compensaram 40% da perda de massa salarial.

Dos 187 Estados membros da OIT, em 90% existe um salário mínimo fixado por lei ou negociado, com funcionamento bastante diversificado. Aproximadamente metade tem um piso nacional unificado. A outra metade tem salários por setor, função, idade ou região geográfica. A Convenção 131 da OIT, de 1970, fala em adoção de um salário mínimo após “consulta exaustiva com os interlocutores sociais e tendo em conta as necessidades dos trabalhadores e de suas famílias e os fatores econômicos”, aplicando-se reajustes periodicamente.

Políticas de valorização

No caso brasileiro, o Dieese calcula em quase R$ 5.300 o mínimo necessário. Um valor 5,6 vezes maior que o oficial (R$ 1.045). Durante os governos Lula/Dilma, a política de valorização do salário mínimo chegou a ser lei no país.

Nos quatro anos anteriores à pandemia, de 2016 a 2019, o crescimento do salário no mundo oscilou de 1,6% a 2,2% ao ano. Nas economias desenvolvidas do G-20, de 0,4% a 0,9%. E nos países emergentes, de 3,5% a 4,5%.

“O crescimento da desigualdade em razão da crise da covid-19 pode deixar um saldo desolador de pobreza e instabilidade social e econômica, de enormes proporções”, diz o diretor-geral da OIT, Guy Ryder. “Precisamos de políticas salariais adequadas, que tenham em conta a sustentabilidade do emprego e das empresas, em que se abordem também as desigualdades e a necessidade de sustentar a demanda.”

Ao mesmo tempo , acrescenta, se há de fato preocupação em construir um futuro melhor, é preciso refletir sobre questões que Ryder chama de incômodas. Ele exemplifica: “Por que com tanta frequência ocupações de grande valor social, como a de cuidadores e a de professores, são sinônimo de salário baixo?”.

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