Em busca de saídas para a luta contra o câncer

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Casos continuam a crescer, no pós-pandemia, mas país desvia verbas para o orçamento secreto. Encontro em SP suscita três alternativas – financiar dignamente o SUS, cumprir leis do tratamento precoce e quebrar patentes dos medicamentos

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Segunda maior causa de mortes no mundo, o câncer atingirá, em 2022, cerca de 685 mil brasileiros. Embora a maior parte dos casos seja tratável, quando descoberta precocemente, 235 mil pessoas morreram em função da doença em 2019 – um aumento alarmante de 16,5% em relação a 2014. A pandemia agravou o quadro, devido ao enorme atraso nos diagnósticos e mesmo nos tratamentos que estavam em curso. Foram afetados 71% dos exames, 66% das consultas e até mesmo 15% das sessões de quimioterapia e 9% das de radioterapia.

Ainda assim, a negligência governamental persiste. O orçamento secreto usado para atrair parlamentares para a base do Palácio do Planalto reduziu em 45% (de R$ 175 milhões para R$ 97 milhões, em 2023) a verba destinada à Rede de Atenção à Pessoa com Doenças Crônicas – Oncologia, que repassa dinheiro a governos estaduais e municipais para implementar, aparelhar e expandir os serviços de saúde hospitalares e ambulatoriais oncológicos. Como enfrentar tal drama?

Tudo começa, é claro, com o fim do desfinanciamento do SUS e a imposição, aos planos privados, de normas rígidas que garantem tratamento de seus usuários. Mas a 9ª edição do Congresso Todos Juntos Contra o Câncerocorrida em São Paulo nesta semana, foi além. Ao longo de três dias, debateram-se soluções concretas para alguns dos problemas mais graves que atingem os atuais pacientes e bloqueiam a prevenção.

Como o encontro tem forte presença dos hospitais privados, Outra Saúde ouviu também pesquisadores e ativistas que não estiveram presentes. Foi possível traçar um primeiro diagnóstico (que pode orientar estudos mais profundos) e, em especial, apoiar as lutas para que a Saúde Pública enfrente com eficiência e dignidade uma doença para a qual crescem as alternativas de tratamento. Eis três pontos suscitados:

Tratamento precoce: Não faltam no Brasil, frisou o encontro, leis robustas para garantir a assistência oncológica e a democratização do acesso à saúde. Mas não são respeitadas. As principais são 13.896 ,de 2019, ou “Lei dos 30 dias”, e a 12.732 de 2012, ou “lei dos 60 dias”. Mas elas têm brechas que, num contexto de corte de verbas, tendem a afetar os tratamentos. “A Lei dos 30 dias define que os exames devem ser feitos dentro de 30 dias, mas deixa aberto o prazo para receber o resultado”, explicou Helena Esteves, Coordenadora de advocacy da ONG Oncoguia. Como consequência, enquanto alguns pacientes recebem o resultado em 2 dias, outros podem esperar 8 meses. Segundo a especialista, por se tratar de uma lei recente, a criação e aplicação de políticas públicas é essencial para garantir sua eficácia.

Já a “lei dos 60 dias” garante tratamento neste prazo para pacientes diagnosticados com câncer. Segundo dados do Radar do Câncer, contudo, 50% dos pacientes diagnosticados em 2018 começaram o tratamento depois deste prazo.

Wilames Freire Bezerra, presidente do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems), explicou que apesar de a população recorrer muitas vezes ao judiciário para assegurar o tratamento, nem sempre o problema é resolvido. O gargalo é a falta de verbas. Segundo Wilames, o setor público se vê por vezes obrigado a tirar recursos de outras áreas para cumprir as decisões. Ele lembra: a única solução é aumentar os investimentos na saúde pública, revertendo o “teto de gastos”.

Nova remuneração dos tratamentos: Em entrevista a Outra Saúde, um ex-presidente do Instituto Nacional do Câncer (INCA), Luiz Santini, já havia falado sobre a importância de se repensar o investimento no Sistema Único de Saúde para o tratamento do câncer. E nos casos de tratamentos custeados pelo Estado mas realizados em hospitais privados, não basta, segundo ele “rever a tabela SUS”, como reivindicado pelas entidades do setor. “O mais importante é rediscutir as formas de financiamento dos serviços prestados, pois o problema é maior que a defasagem financeira do pagamento das atividades e procedimentos. Talvez seja necessária uma revisão do modelo de remuneração, que infelizmente está ultrapassado. Ele baseia-se na produção física de serviços, e não na qualidade e no resultado do serviço prestado”, sustenta Santini.

Quebra das patentes: Outro problema crucial é o preço dos medicamentos patenteados, vendidos a preços exorbitantes ao SUS e que muitas vezes acabam inviabilizando sua aquisição pelo setor público. “No caso dos medicamentos oncológicos, vemos preços bem abusivos, na casa dos 10 mil ou 20 mil reais. Algumas pessoas conseguem pelo plano de saúde, mas muitas têm que pagar do próprio bolso. Por isso é importantíssima a incorporação de medicamentos oncológicos no SUS.”, argumenta Felipe Carvalho, coordenador da Campanha de Acesso do Médicos Sem Fronteiras. Ele explica que os medicamentos atingem preços astronômicos quando apenas uma empresa controla a sua comercialização.

“Essa situação de monopólio precisa ser evitada quando existe um patenteamento que é indevido. As patentes precisam terminar no seu prazo, sem extensão”, argumenta. O momento delicado em que o financiamento se encontra agrava a situação.

A grande frustração é estarmos avançando no sentido de oferecer mais medicamentos do SUS – mas esses medicamentos serem caros demais. Em consequência, o Estado os oferece de forma racionada ou só para pacientes com a doença em um determinado estagio”, lamenta. A discussão de preço é fundamental. Não basta demandar que os medicamentos sejam incorporados, precisamos expor as situações de abuso de preços e buscar soluções para que esses monopólios não prejudiquem o direito à saúde”, conclui Felipe.

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