O historiador da economia e economista americano Michael Hudson, em seu livro “Super Imperialism”, afirma que há alguns eventos centrais na definição da expansão do poderio dos Estados Unidos.
O primeiro ocorre em 1971, quando o dólar já não pode mais ser trocado por ouro. É o fim do “padrão ouro” em que a moeda americana passa a não ter qualquer relação com a produção real, se tornando papel pintado sustentado por poderio militar e geopolítico.
O segundo é a “guerra do frango”, um enorme confronto comercial entre os Estados Unidos e a Europa, com aqueles quadruplicando o preço do trigo e a Europa adotando medidas protecionistas para seu mercado agropecuário.
O terceiro é o primeiro “choque do petróleo”, uma reação dos países produtores de petróleo à elevação dos preços internacionais dos alimentos.
A partir destas ideias de Michael Hudson é possível ver que são eventos devastadores, principalmente para os países que buscavam o “desenvolvimento” por meio da implantação de grandes parques industriais. Mas também tornam os custos de produção extremamente mais caros em todos os países, criando assim um devastador processo inflacionário para as camadas assalariadas.
A economia dominante nas universidades passa a propor o controle da inflação por elevação das taxas de juros. A justificativa era cortar o crédito e, consequentemente, o consumo. Ou seja, o preço dos alimentos subiu. A energia ficou mais cara. A inflação de custos se espalha pelas economias do mundo. As camadas assalariadas arcam com o financiamento desses preços mais altos. Mas qual a medida proposta? Diminuir ainda mais o consumo dos que vivem de salários.
Uma imensa concentração de renda é o resultado. Desmonte de mecanismos de bem-estar nos países ricos. Exploração em grau cada vez mais cruel nos países pobres.
A dilapidação dos mercados consumidores internos dos países em desenvolvimento inicia o processo de desindustrialização. As dívidas crescentes destes países em suas tentativas de continuar a conseguir pagar por energia mais cara começa a estrangular os seus orçamentos públicos. O passo seguinte é a explosão das dívidas externas e o sangramento de todos os excedentes exportados. A renda se dirige para os grandes centros financeiros e o colapso econômico se torna inevitável.
Todo um receituário foi aplicado impiedosamente. Diminuição dos impostos dos mais ricos, elevação dos impostos das camadas médias e pobres. Desmonte de legislações protetivas do trabalho assalariado. Destruição de benefícios sociais.
Qual o objetivo ou quais os objetivos geopolíticos de todo esse processo?
Não podemos esquecer que havia uma busca nacional em muitos países pela industrialização. Indústria é poder, capacidade de produção bélica, elevação da pesquisa, controle de recursos naturais, disputa por recursos naturais elevando o preço dessas commodities nos mercados internacionais. Menor transferência de renda aos centros capitalistas.
Nada disso poderia ser permitido pelo poder corporativo e estatal-militar americano. Era preciso desmontar as conquistas nacionais de países desafiadores do poderio bélico, monetário, cultural e diplomático dos Estados Unidos.
A subida brusca das taxas de juros fez as dívidas dos países explodirem. A desorganização econômica, produtiva, social e política daí decorrente era inevitável. Simples movimentos movem uma guerra surda aos “perigos” futuros aos países capitalistas centrais: dólar como papel pintado e obrigatoriamente aceito; comida mais cara; energia mais cara; dívidas asfixiantes; golpes, ditaduras, invasões e massacres contra os que ainda resistissem. Tudo tornado sagrado pela “teoria econômica” – erigida agora como a fonte inquestionável do saber – das faculdades de economia dos centros capitalistas e seus lacaios espalhados pelo mundo.
O mundo não é uma sucessão aleatória de eventos sem conexões. Há um planejamento do caos e do controle do poder. A História precisa ser pensada nestes termos. Ainda vivemos sob os trágicos eventos iniciados nos anos 60 do século passado.
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Fábio Sobral é professor de Economia (UFC)