Há seis anos, uma pandemia como a que vivemos agora com o novo coronavírus cabia apenas à ficção, imaginação ou mesmo previsão futurística. A busca de saídas e rupturas para o mundo desgastado e contaminado que já se manifestava, porém, fazia os estudos sobre Economia Afetiva despontarem em 2014, tendo o comunicólogo cearense Jackson Araujo grande responsabilidade nisso.
Inquieto com alguns valores predominantes no mercado da moda, a exemplo do enriquecimento pessoal e do individualismo, o pesquisador abriu um leque de possibilidades ao destrinchar o novo conceito, que segue extremamente atual e nos ajuda a construir caminhos para um esperado cenário “pós-pandemia”.
A Economia Afetiva parte da premissa de que vivemos uma nova era movimentada pelo senso de responsabilidade coletiva e por um novo poder regido pelo desejo de organizar o todo – vida social, política, econômica e cultural – a partir da criação de uma rede em que cada um de nós nos sintamos parte de um movimento de transformação socioambiental”, conceitua Jackson, que é também diretor do Festival Trama Afetiva.
O cearense, radicado em São Paulo, entende que esse tempo de isolamento social pode ser usado para refletirmos sobre os gatilhos que nos levaram a essa situação, mas também para imaginarmos que mundo queremos daqui para frente. E, neste sentido, evita falar sobre tendências de moda, cultura e consumo, porque tudo o que especialistas e futurologistas estão se arriscando a prever, para ele, já estava posto antes de a pandemia chegar.
A emergência climática, a crise dos combustíveis fósseis e do capitalismo, os milhões de desempregados no Brasil, o sistema de saúde a caminho de um colapso com o descrédito e a falta de investimento na área e em pesquisas científicas – nada disso se apresenta como novidade, na visão de Jackson. Tampouco home office, potência no e-commerce, roupas atemporais, tecidos com funcionalidades, e a casa como ambiente de proteção e diversão, por exemplo.
O que é certo pra mim é que não dá mais para dissociar lucro de responsabilidade socioambiental, o que tem sido chamado de ‘design centrado na vida’, visto que neste ambiente de isolamento e crise global, estamos sendo forçados a considerar cada indivíduo como integrante de um ecossistema compartilhado e único, a natureza. Assim, a moda e o design que me interessam trabalham com dois valores, o pessoal e o coletivo. Já é assim e assim será”, defende o comunicólogo.
Desacelerar
Em termos comportamentais, Jackson tem se preocupado especificamente com a dificuldade do ser humano de lidar com a solidão, a falta de perspectiva, o medo do desconhecido e a ansiedade por respostas sobre o tal “novo normal”. “Penso que teremos um mundo dominado pela crise de pânico exatamente pela inabilidade de lidarmos com os aspectos mais instintivos e escondidos da natureza humana. Ao negar nossa essência, adoecemos. O planeta, ao negar a natureza, adoeceu”, compara ele.
Essa situação que estamos vivendo, na opinião do pesquisador, nos obriga a desacelerar e a vasculhar os silêncios mais assustadores, o que pode adiantar um futuro intranquilo nos mais diversos aspectos da vida em sociedade. “O principal desafio será nos mantermos vivos e seguros para voltar a conviver ao vivo em coletivo”, acredita ele, e atribui à invenção da vacina o meio mais eficaz para enfrentá-lo.
Porém, mais do que pensar em si, Jackson convoca-nos a pensar nesse todo e retorna à Economia Afetiva como uma solução.
Por meio dela, estabelece-se a valorização do coletivo para a construção de relações transparentes, horizontais e saudáveis entre seus diversos atores (designers, modelistas, costureiras, tecelagens e consumidores) sem nunca perder de foco os valores ambientais, que hoje se estabelecem como condição indispensável para imaginarmos a construção de um novo mundo, sua moda, sua agricultura, sua política e sua economia”.
Desglobalizar a cadeia de produção, produzir localmente entre pequena e média escalas e tirar de cena o custo baseado em mão de obra e materiais baratos, sem levar em conta aspectos sociais da produção, são sugestões para pôr em prática uma lógica de preços que incorporam custos sociais e ecológicos.
A estrutura necropolítica que ainda hoje alimenta o trabalho escravo, no qual parte das pessoas são consideradas coisas, e o lucro individual sobrepõe-se à exploração e à manutenção da miséria humana, é alvo de crítica do pesquisador. “É preciso despertar nas pessoas um desejo de recuperação dessa realidade histórica de exclusão que compõe o que o mestre Ailton Krenak chama de sub-humanidade, ‘toda a vida que nós deliberadamente largamos à margem do caminho, tudo o que ‘sobra’ e não interessa’”, dialoga com o escritor indígena, nosso entrevistado da edição de ontem.
“Penso que esse momento de revisão de valores é ideal para imaginarmos um lugar onde pessoas não sejam apenas dados, mas subjetividades únicas que postas em contato num ecossistema de virulência positiva, possam contaminar e se contaminar de respeito mútuo e pela natureza”, pontua Jackson.
Paralelamente a esse desafio, Jackson entende como uma solução para a crise global que o mundo seja dirigido por mulheres.
Só o poder feminino e seu entendimento natural sobre cuidar e gerar vida e sua conexão ancestral com a Natureza poderá fazer com que o que estamos imaginando agora como saídas e estratégias para um novo mundo sejam realizáveis. O futuro (que já chegou) é mulher!”.