Ganham acima de 320 salários mínimos ao mês e quase não pagam imposto

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A abundância que existe no Brasil está nas mãos de poucos. Enquanto 52 milhões de brasileiros e brasileiras vivem na pobreza e 13 milhões em extrema pobreza, segundo dados divulgados pelo IBGE em novembro de 2020, e a carga tributária atinge mais fortemente quem ganha menos, devido à forte incidência dos tributos sobre o consumo no Brasil, um seleto grupo é mais que privilegiado.

De acordo com tabela divulgada pela Receita Federal (Tabela 9, abaixo), um grupo de 26.099 declarantes do Imposto de Renda – Pessoa Física em 2018 informou ao fisco um rendimento acima de 320 salários-mínimos ao mês!

Esse seleto grupo de menos de 30 mil pessoas tem quase todo o seu rendimento isento de tributação. A mesma tabela indica que do total de rendimentos informado por esse grupo, no montante de R$ 316,4 bilhões, R$ 224,7 bilhões são rendimentos isentos de Imposto de Renda, o que dá uma média, para cada um desses declarantes, de R$ 717 mil de rendimentos isentos de Imposto de Renda ao mês.

Enquanto isso, um trabalhador que recebe acima de R$ 4.664,68 mensais é sujeito a Imposto de Renda na fonte de 27,5% ao mês, mais contribuição previdenciária que pode variar de 11% a 14% ao mês, ou seja, mais de 40% de seu salário são tributos incidentes na fonte, além de todos os demais tributos embutidos em tudo que consome, e mais IPTU sobre sua moradia e, se tiver carro ou moto, IPVA.

O grupo que recebe em média R$ 717 mil de rendimentos isentos de imposto de renda ao mês não faz parte da classe trabalhadora. São os banqueiros que lucram com o Sistema da Dívida e sócios das grandes corporações nacionais e multinacionais que exploram o agrobusiness de exportação, a mineração e outros grandes conglomerados. Os lucros de bilhões anuais distribuídos aos sócios desses grandes negócios são isentos no Brasil desde 1996, e isso nunca foi alterado.

Ao contrário de gerar mais empregos e distribuir renda, como se dizia na época em que foi introduzida na legislação tributária essa isenção estapafúrdia sobre dividendos distribuídos aos sócios, que só existe no Brasil e na Estônia (página 15 do estudo publicado no portal do Ipea), tal privilégio tem sido um dos fatores que agravam a concentração de renda e as injustiças sociais no Brasil.

Grande parte dessa abastada renda superior a 320 salários-mínimos ao mês é aplicada no mercado financeiro, como indica o volume de R$ 61,9 bilhões de rendimentos tributados exclusivamente na fonte, na mesma tabela já referida, podendo grande parte disso estar usufruindo das benesses do Sistema da Dívida.

O privilégio desse mesmo grupo não está somente na isenção do imposto de renda sobre os lucros distribuídos sob a forma de dividendos. Esse mesmo grupo costuma ter coleções de aeronaves – helicóptero para deslocamentos locais, avião de pequeno porte para viagens curtas, de médio porte para viagens mais longas – e até iates, lanchas, e, pasmem, nenhum desses veículos de luxo está sujeito ao IPVA, pois o Supremo Tribunal Federal foi buscar na história a origem desse imposto para concluir que seria incabível aplicá-lo a tais bens de luxo.

Essas informações mostram que as injustiças sociais existentes no Brasil não decorrem de mero acaso, mas são fruto de modelo econômico voltado para esse resultado, como se depreende da análise dos principais eixos que sustentam tal modelo no Brasil:

1 – sistema tributário injusto e regressivo;

2 – política monetária suicida praticada pelo Banco Central, que transfere recursos públicos principalmente para os bancos;

3 – Sistema da Dívida, que torna o endividamento público um contínuo ralo de recursos em vez de instrumento de aporte de recursos que viabilizariam investimentos geradores de desenvolvimento socioeconômico; e

4 – modelo de exploração agrícola e mineral que deixam aqui no país somente danos ambientais7 e muita exploração da classe trabalhadora.

As injustiças sociais decorrentes desse funcionamento completamente errado do modelo econômico no Brasil, logicamente, refletem no agravamento da pandemia em nosso país. Se grande parte da população está na miséria, vivendo de esmolas e até do lixo, como irão lavar as mãos com sabonete, usar álcool em gel e usar máscaras?

É evidente que além da subnutrição e das péssimas condições de vida, as 52 milhões de pessoas mapeadas pelo IBGE na condição de pobreza e miséria não têm como cumprir os protocolos recomendados para o momento pandêmico e se encontram em situação de extrema vulnerabilidade.

Nesse contexto, 65 senadores lançaram carta pedindo socorro à comunidade internacional, para que a população seja urgentemente vacinada. De fato, é muito importante que tenhamos vacinas com urgência para imunizar a população, no entanto, por que deixamos de ter nossas indústrias químicas de base que desenvolviam aqui todos os insumos necessários à produção de vacinas?

Esse é apenas um exemplo do desmonte que tem ocorrido em nosso país, há várias décadas em que o Congresso Nacional votou e aprovou diversos projetos que foram desmontando a estrutura estatal para privilegiar a produção de “ajuste fiscal”, que agora foi parar na Constituição com a PEC 186, também aprovada no Congresso, a qual concede privilégios abusivos ao Sistema da Dívida e migalhas aos miseráveis.

A hipocrisia tomou conta do país com um manifesto pedindo vacinação urgente, assinado até por banqueiros que certamente estão na faixa dos que ganham acima de 320 salários-mínimos ao mês, ex-ministros da Fazenda, ex-presidentes do Banco Central e outros responsáveis pelas tremendas injustiças sociais que se aprofundam no país.

A imunização da população é de fato urgente, porém, a conscientização dos gestores e autoridades de todos os poderes para as consequências de seus atos e sua parcela de responsabilidade no quadro de profunda calamidade onde nos encontramos é mais que urgente, caso contrário, não haverá saída digna. É hora de virar o jogo!

 

Maria Lucia Fattorelli é coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida e membro titular da Comissão Brasileira Justiça e Paz da CNBB.

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