MP 936: A pandemia como escudo para a flexibilização radical dos direitos trabalhistas

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Por Cacau Pereira*
A edição da Medida Provisória 936, que institui o “Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda”, representa um salto na política de desregulamentação dos direitos trabalhistas, retomada com muita força a partir do governo Temer (PMDB), com prosseguimento e aprofundamento agora no governo Bolsonaro (Sem Partido).
A MP 936 vem na esteira de duas outras medidas provisórias: a MP 905/2019 – conhecida como “Programa verde e amarelo” – e a MP 927/2020, que previa a ampliação do uso de banco de horas, teletrabalho, prorrogação, alteração e compensação de jornadas de trabalho, antecipação de feriados e das férias individuais e coletivas, entre outras medidas.
A MP 927 ampliava ainda as possibilidades de redução de salários e suspensão dos contratos de trabalho, sem apresentar qualquer contrapartida. Caiu muito mal num momento em que nem o mais liberal dos neoliberais defende a capacidade do mercado em atuar para garantir empregos e manter a renda das pessoas. Bolsonaro foi obrigado a recuar.
A nova MP 936 retoma os propósitos da anterior (MP 927) com algumas compensações. O governo estima que cerca de 24,5 milhões de trabalhadores com carteira assinada poderão ser atingidos, tendo o seu contrato de trabalho reduzido ou suspenso. Isso não é motivo de alívio para os trabalhadores!
A MP 927 mantém a lógica de ampliar, de maneira desmedida e descarada, a flexibilização dos contratos de trabalho e dos direitos trabalhistas, diminuindo ainda mais a capacidade de fiscalização e intervenção dos sindicatos na defesa dos seus representados.
Neste breve texto não pretendemos analisar ponto a ponto os 20 artigos da MP, mas apresentar algumas considerações sobre os aspectos – que consideramos os mais qualitativos – que envolvem a sua proposição.
Um programa para reduzir salários e benefícios dos trabalhadores
O ponto fundamental do Programa é estabelecer a possibilidade de que empresas possam diminuir jornada de trabalho e salários, por um tempo determinado, com compensação aos trabalhadores, por parte do governo, de uma parte do valor, cujo cálculo será baseado em valores do seguro-desemprego. As empresas que aderirem ao Programa não poderão demitir aqueles que vierem a aderir ao Programa durante o período da redução salarial e por prazo igual após o término da redução.
A redução se dará por faixas salariais, nos percentuais de 25%, 50% e 70% para quem ganha até R$ 3.135,00 (três salários mínimos) ou acima de R$ 12.202, 12 (dois tetos de benefício do INSS). Para quem ganha entre R$ 3.135,00 e R$ 12.202,12, há uma aparente incoerência na MP, que não trata dos acordos individuais nessa faixa de salários. A compensação para o trabalhador, no entanto, não vai garantir o mesmo salário que tinha antes, pois ele vai receber um percentual do valor do seguro-desemprego a que teria direito em caso de demissão.
A redução vai ainda impactar outros benefícios dos trabalhadores, como o 13º salário, férias, recolhimento ao INSS e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).
Veja alguns exemplos de cortes e compensações
– Um trabalhador que ganha R$ 2.000 tem a mudança do contrato negociada individualmente, baixando a jornada e o salário em 25%. O texto estabelece que o patrão irá pagar 75% do salário; R$ 1.500, portanto. Já o governo irá pagar 25% do seguro-desemprego, que, normalmente, seria de R$ 1.479,89. Assim, a empresa entra com R$ 1.500 e o governo entra com R$ 369,98, totalizando um salário de R$ 1.869,98.
– Um trabalhador que ganha R$ 6.000 tem a mudança do contrato negociada coletivamente, acordando uma redução de 50% na jornada e no salário. O patrão, portanto, irá pagar R$ 3.000. Já o governo irá pagar 50% do valor do seguro-desemprego a que a pessoa teria direito, que normalmente seria de R$ 1.813,03 (teto do benefício). Assim, a empresa entra com R$ 3.000 e o governo entra com R$ 906,52, totalizando um salário de R$ 3.906,52.
– Um trabalhador que ganha R$ 15.000 tem a mudança no contrato negociada individualmente, diminuindo o salário e a jornada em 70%. O patrão entra com 30% do salário, ou seja, R$ 4.500. Já o governo entra com 70% do valor do valor do seguro-desemprego a que a pessoa teria direito, que normalmente seria de R$ 1.813,03 (teto do benefício). Assim, a empresa entra com R$ 4.500 e governo entra com R$ 1.269,13, totalizando um salário de R$ 5.769,13, menos da metade que o habitual.
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