Petrobrás impõe novo mega-aumento do diesel três dias depois de anunciar lucro recorde. Empresa ganha, mas não leva: 2/3 dos dividendos que paga vão para acionistas privados, 71% dos quais estrangeiros. Projeto Resgate debate, nesta terça-feira (10/5), política de preços alternativa
Há múltiplas formas de privatizar uma empresa, mostra o caso da Petrobrás. Nesta segunda-feira a empresa comunicou que obrigará a população a pagar um novo aumento dos preços do diesel — que, num país rodoviarista, repercutem sobre quase todos os demais. O litro do combustível mais usado pelos caminhoneiros subirá mais 8,87% nas refinarias e é provável que beire os R$ 8 nos postos. A majoração foi decretada pelo presidente da estatal escolhido por Jair Bolsonaro há apenas três semanas. Os aumentos acumulados desde o início do ano já somam 47%. A Petrobrás leva a má-fama: a população, que vive o desemprego e o empobrecimento (a ponto de ser forçada a voltar a cozinhar com lenha), vê a companhia nadando em dinheiro — beneficiária de uma lucratividade superior à de quase todas as grandes petroleiras internacionais. Mas é ilusão: quem abiscoita o ganho são megafundos de investimento.
Por que este processo se dá? Como transformá-lo? Este é o tema a que se dedicarão, nesta terça-feira (10/5), às 20h, dois grandes conhecedores do petróleo brasileiro: Fernando Siqueira, diretor da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet) e Eduardo Costa Pinto, professor da UFRJ e economista do Instituto de Estudos Estratégicos sobre Petróleo (Ineep). O diálogo faz parte do Projeto Resgate, por meio do qual Outras Palavras busca formular ideias-força para um novo projeto de desenvolvimento do país. Poderá se acompanhado aqui.
A séria de matérias que Outras Palavras vem produzindo sobre o desmonte da Petrobrás – e as alternativas para revertê-lo – dá algumas pistas para compreender o contexto sobre o qual falarão Siqueira e Costa Pinto. Desde o governo Fernando Henrique Cardoso, a estatal foi progressivamente entregue a particulares – em especial, grandes fundos financeiros internacionais, como o trilionário BlackRock. Por exigência legal, a maior parte das ações da petroleira (50,26%) com direito a voto (ordinárias) ainda pertence à União. Mas 2/3 das ações preferenciais estão em mãos privadas. Do capital total, apenas 36,61% estão em mãos do Estado Brasileiro. Da maior parte restante, 71,2% são controlados por estrangeiros.
O aumento dos combustíveis serve a estes acionistas. Só no ano passado, a Petrobrás lucrou R$ 106,6 bilhões – mais que os quatro maiores bancos brasileiros juntos. E o lucro do primeiro trimestre de 2022, anunciado em 5/5 foi proporcionamente maior: R$ 44,5 bilhões. Mas de forma espantosa, a empresa reduz drasticamente seus investimentos — de US$ 16 bi, em 2013, para apenas US$ 4 bi, em 2020, como mostra o gráfico abaixo. Prefere transferir os ganhos para os acionistas, cujo perfil está descrito acima. A lei brasileira obriga pagar-lhes, a cada ano, apenas 25% dos lucros. Por decisão também dos dirigente nomeados por Bolsonaro, a Petrobrás presenteou estes mui abastados senhores com o quase inacreditável percentual de 95,3%. Só uma empresa que está sendo preparada para privatização adotaria este comportamento bizarro.
De que modo estabelecer outra política de preços — favorável não aos acionistas mas ao povo brasileiro? A atual, chamada de PPI (“paridade com os preços internacionais”) baseia-se numa ficção, simplesmente porque não existe um preço internacional do petróleo. As cotações variam, de país para país, na proporção de 1 para 23. Quais as alternativas? Oferecer os combustíveis a preço de custo, ou mesmo subsidiado (como faz, por exemplo, a Venezuela) seria certamente demagógico – porque o petróleo brasileiro é extraído a baixíssimo custo, e isso significaria subsidiar os combustíveis fósseis. Muito mais útil é auferir lucros e empregá-los em ações de incentivo, lançadas pela Petrobrás, à reindustrialização estratégica do Brasil, ou à transição energética para fontes limpas. Num novo governo, será possível adotá-lo e, ainda assim, reduzir os preços dos derivados, já que não haverá especuladores internacionais a alimentar.
Caberá a Fernando Siqueira e Eduardo Costa Pinto explorar as possibilidades. O diálogo de amanhã será uma oportunidade rara de conhecer a fundo um tema que a imprensa comercial brasileira prefere nunca debater.