O microcrédito e sua imprescindibilidade para o desenvolvimento regional

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A história e a principal função da política de microcrédito no BNB se confunde com a própria trajetória e missão institucional para a qual o Banco foi criado, qual seja, a de “atuar como o banco de desenvolvimento da Região Nordeste”. Com essa premissa e imbuído desse objetivo se desenvolveu ao longo dos 69 anos de Banco um amplo arcabouço de ações e investimentos nos mais variados ramos de atividades econômicas da Região.

Ainda no final dos anos 1990 um trabalho conjunto foi realizado envolvendo diversos setores do BNB, juntamente com órgãos internacionais para se pensar e estudar novas formas de impulsionar os pequenos negócios, principalmente nas pequenas cidades do interior nordestino. Celia Garcia em sua obra sobre esse período relata que uma equipe do Banco Mundial esteve na sede do BNB para um encontro em que se montaram as bases daquele que seria hoje considerado o maior programa de microcrédito produtivo e orientado da América do Sul.

Com o passar dos anos, a força do programa e a imprescindibilidade do Banco do Nordeste vem se mostrando cada vez maiores para a Região. Segundo dados do próprio BNB em seu Relatório de Microfinanças de 2020, naquele ano o Banco “desembolsou mais de R$ 15 bilhões em operações de microcrédito, sendo R$ 12,1 bilhões por meio de seu programa de microcrédito urbano, o Crediamigo, e outros R$ 2,9 bilhões por meio de seu programa de microcrédito rural, o Agroamigo”, números que falam por si e dão a dimensão de seu impacto junto às cadeias produtivas de regiões bastante afetadas pelas questões climáticas e os gargalos socioeconômicos e históricos da Região.

 

Primeiras experiências no Brasil e no Mundo

Raul Silva Thé,  membro do Laboratório de Estudos e Pesquisas sobre Conflitualidade e Violência da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e doutorando do programa de pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), destaca que historicamente no Brasil as políticas de microcrédito “começam ainda nos anos 1950, com Dom Helder Câmara; nos anos 1960 com as Comunidades Eclesiais de Base (CEBS) e a partir dos anos 1980 com experiências como o Banco da Mulher, Promicro dentre outros que vão operar com algumas iniciativas”. No entanto, segundo ele, muitas destas não foram à frente ou sofreram descontinuidades por focar tão somente na diminuição da pobreza. Tal quadro se modificou com uma política como Crediamigo, momento em que se priorizou a sustentabilidade do próprio sistema. O microcrédito deixou de ser algo somente voltado para o combate à pobreza passando a atingir atores considerados “pobres remediados” e os “não pobres”, serão estes de fato que se beneficiarão dessa estrutura em um ciclo virtuoso de desenvolvimento.  

Outras experiências com o microcrédito possuem registros em vários países ao longo da história, seja no Japão feudal, ao longo do sec. XIX, no Canadá, Alemanha, Inglaterra. Contudo o exemplo mais acabado deste tipo de investimento se dá com o Grameen Bank, de Bangladesh. Tal modelo de impacto social criado pelo professor Muhammad Yunus se ancora na figura da mulher como agente de transformação familiar e coletiva a partir de 1976. “Nesses países há uma olhar maior para o setor rural e na América Latina, evoluíram de atividades de ONGs para os parceiros de Bancos que operaram o microcrédito”, ressalta Raul. 

Além disso, a política de microcrédito procura se diferenciar do chamado crédito convencional do mercado financeiro. Enquanto o primeiro se destina ao crédito de juros altos e spread baixo, sendo um sistema excludente, o outro atua em empreendimentos com base nos pequenos negócios dentro das próprias comunidades, ou seja, “o mercadinho, a bodega, uma pequena venda de roupas”, destaca Raul. Assim, ao dar o crédito para quem ainda não tinha acesso ao mercado de trabalho formal, é construída a possibilidade de se produzir a própria renda.

Este aspecto demonstra que para que se consiga gerir e tocar tal projeto é necessário ter expertise e um olhar diferenciado acerca das demandas da região e suas limitações. É neste sentido que o BNB tem trabalhado dia a dia, com seus trabalhadores para a garantia de bons resultados.

Segundo o Banco Central, a participação do BNB no mercado de microcrédito orientado chega a mais de 87%, contra apenas 12,4% das demais instituições, o que evidencia a grande importância e responsabilidade para seus trabalhadores e gestores.

“Nenhum microcrédito é tão pródigo quanto o crediamigo, nem tem tantos clientes ou investimentos feitos. O BNB foi o primeiro banco a promover esta modalidade em ‘primeiro piso’, quando antes apenas o BNDES fazia”, esclarece Raul. Hoje, para se ter uma ideia da magnitude de seu alcance, segundo dados do Banco, o Crediamigo “possui 683 unidades de atendimento, dentre agências bancárias e unidades 7.053 agentes de microcrédito urbano e rural em toda sua área de atuação”, tal capilaridade é um dos elementos chave que faz do microcrédito do BNB ser reconhecido internacionalmente acumulando números expressivos a cada resultado. 

 

Impacto direto na vida da população

Estes fatores somados conferem à política de microcrédito não apenas uma estratégia de mudança no ponto de vista do consumo dessas populações, mas promove ainda um impacto social positivo, levando a “mudanças de estrutura de vida, melhorando em questões como a alimentação, por exemplo”, pontua Thé, demonstrando a necessidade de que o próprio Banco promova um maior salto em termos de estrutura como um melhor diálogo com os mandatários municipais, estaduais e Federal para que se proporcione ganhos indiretos, como saúde e lazer.  

Em momento de crise como o Pandemia da Covid-19 o microcrédito é fundamental pois atua em um mercado fragilizado, com a queda da renda da população, por outro lado há também pontos que suscitam reflexões. “A tendência é de que as pessoas busquem esse crédito com vistas a uma melhor renda, melhoria de consumo em um mercado deprimido nessa pequena economia. Assim o microcrédito oferece a possibilidade destas pessoas terem renda quando não há essa perspectiva, o que pode acarretar o endividamento dessa população”, pondera Raul.

No comparativo entre 2019 e 2020 (primeiro ano da pandemia) o BNB realizou desembolsos no ano superiores a R$ 12 bilhões (no Crediamigo) e R$ 2,9 bilhões em valores contratados, no Agroamigo. Tais valores são, respectivamente, 16% e 14% maiores do que o realizado em 2019, ano anterior à chegada da Pandemia.    

O setor de serviços é o mais afetado pelo microcrédito, principalmente no que tange às vendas. Os pequenos negócios abertos proporcionam um mais rápido retorno de capital. No caso do Nordeste há uma menor oferta de crédito, além de oferta deprimida de outros nichos da atividade econômica (educação, ofertas de serviços públicos etc). Raul enfatiza que “é fundamental que nessa região haja um investimento focado e que vise o microcredito”, destacando, contudo, que não se deve cair na ideia da “solução financeira” pura e simples, mas sim um maior impacto social sustentável. 

O pesquisador ressalta ainda que as repercussões do microcrédito são mais positivas na microeconomia quando a mesma está em expansão, por outro lado o aumento da concorrência e as depressões econômicas podem trazer impactos negativos nesse setor como o endividamento e a “quebra do setor microfinanceiro”, algo que já ocorreu na Bolívia e em Blangadesh.

 

Fundos Constitucionais e ameaças ao microcrédito

Os fundos constitucionais são constantes em termos de porcentagem do PIB, com a queda registrada nos últimos anos tais recursos vêm sofrendo uma depressão do ponto de vista do seu volume. “Há um risco de diminuição de investimentos no Nordeste já que o Fundo permitiu que o BNB pudesse ampliar sua carteira, seus produtos, financiando investimentos que geram emprego e renda na região. Isso diminui o impacto do Banco na Região e as potencialidades que começa a apresentar”, Raul argumenta. Investimentos como os aportados pelo FNE desenvolvem empresas e proporcionam uma maior equidade regional no país, dando permanência a instituições como o BNB, diferente do que ocorre no sul com o BNDES.

Daí a importância dos recursos provenientes dos Fundos Constitucionais, notadamente o FNE, não apenas para o microcrédito e demais investimentos realizados pelo Banco. No caso do BNB, o FNE responde por mais de 70% do total dos recursos injetados na economia da região em que atua. No primeiro semestre desde ano o BNB registrou avanço do microcrédito pelos programas Crediamigo e o Agroamigo. Foram mais de R$ 8 bilhões investidos entre janeiro e junho de 2021.  

Nesse sentido, reforça, o papel das entidades é fundamental para o fortalecimento destes fundos. Para ele, o “aprofundamento do microcrédito” é uma luta que deve continuar a ser travada, não só pela manutenção dessa política, mas pelas mudanças efetivas que trazem à população. “A luta tem que ser constante. Os limites devem ser superados. Em um mercado como o brasileiro o microcrédito é um saída, mas precisa de apoio em outras áreas como saúde e emprego”, para ele o impacto mesmo que seja individual repercute nas gerações futuras, o que foi provado ao longo de seus estudos sobre o tema. “As associações devem apontar caminhos e arregimentar essas populações, explicando a necessidade de se exigir melhorias em políticas urbanas, de emprego, lazer e o aprofundamento dos ganhos de renda trazidas pelo microcrédito”, conclui. 

Todos estes elementos apontam para a imprescindibilidade do BNB como fomentador do desenvolvimento da Região e de seu trabalho com o microcrédito orientado ao longo do tempo e a experiência de seus trabalhadores acumulada nos mais de 20 anos de programa. 

O reconhecimento e a força de sua atuação estão expressas em números e prêmios. Em 2010, Crediamigo ficou em 1º lugar no ranking da revista “Microfinanzas Americas: Las 100 mejores” e em 2014 foi vencedor do Prêmio Inclusão Financeira (BID/FOMIN). Em 2017, foi vencedor do Prêmio Agrobanco (Alide). Já em 2021, até julho, foram mais 2, 60 milhões de empréstimos, totalizando R$ 7,55 bilhões de valor contratado e 2,43 milhões de clientes ativos.

Cabe portanto, a todos os atores, sejam políticos, empresários, gestores, entidades de representação e aos próprios trabalhadores estarem mobilizados e atentos a possíveis ataques e ameaças seja ao microcrédito e ao próprio Banco enquanto vetor de desenvolvimento regional. A continuidade destes programas é fundamental para que o Banco continue a cumprir sua missão, estando sempre à frente de seu tempo, contribuindo para um Nordeste mais forte e um país mais justo e socialmente mais sustentável.

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