O Brasil tem 50 milhões de jovens. Em um país com esse perfil, priorizar investimentos na formação é condição imprescindível para viabilizar o futuro das atuais e novas gerações em condições dignas de vida.
Porém, na contramão dessas demandas inadiáveis, no atual governo federal a execução orçamentária do Ministério da Educação (MEC) atingiu os menores valores da última década, R$ 147,56 bilhões em 2015 e R$ 119,96 em 2021, valores liquidados, corrigidos pelo IPCA para janeiro de 2022.
A Proposta de Lei Complementar (PLP) 18/2022, que estabelece teto para cobrança de ICMS dos combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo reduziu, na prática, a alíquota do ICMS para 17%. Estudos apontam para uma redução de receitas de R$ 83,5 bilhões, o que implicaria uma perda mínima de R$ 21 bilhões para as despesas com Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE), que correspondem aos 25%.
Essa perda de recursos atingirá, principalmente, a educação básica, lembrando que o ICMS responde por 60% da receita do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
Por outra perspectiva, faltando menos de três anos para o final da vigência do Plano Nacional de Educação (PNE), a quase totalidade das suas diretrizes e metas (86%) são descumpridas e 45% são alvos de retrocessos e é enorme a falta de dados e de informações atualizadas.
É o que demonstra o 8º balanço anual da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, divulgado no dia 20 de junho. Nesse caso, é um evidente descumprimento da Lei nº 13.005/2014 que aprovou o PNE, inclusive, por unanimidade, no Congresso Nacional.
Quanto ao Plano Estadual de Educação (PEE-RS), em cumprimento ao PNE, instituído pela Lei estadual 14.705/2015, não temos relatórios de monitoramento nem informações públicas desde 2016.
No artigo 5º da Lei do PEE-RS está expresso que o “cumprimento de suas metas serão objeto de monitoramento contínuo e de avaliações periódicas”, realizados pela Secretaria Estadual da Educação (Seduc), União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, seção do Rio Grande do Sul (Undime/RS), Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (CECDCT), Conselho Estadual de Educação (CEEd/RS), União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação, seção do Rio Grande do Sul (Uncme/RS) e o Fórum Estadual de Educação (FEE/RS), que sequer teve funcionamento regular nos últimos quatro anos.
Enquanto o PNE descumpre e, inclusive, retrocede em algumas metas e, o PEE-RS segue sem monitoramento e avaliação, o MEC e as secretarias estaduais da Educação ocupam-se com programas específicos de governo sobre “passivos e impactos da pandemia, déficit na aprendizagem, reformas curriculares decorrentes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC)”, em detrimento dos planos e políticas de Estado, amplamente discutidos pela sociedade e aprovados pelos parlamentos.
PNE: Retrocessos alarmantes
Entre agendas paralelas e exemplos desse atravessamento de prioridades estão a implementação da BNCC da educação básica (restrita à reforma curricular) e a reforma do novo ensino médio. Em detrimento das metas e estratégias estabelecidas nos planos, a BNCC tornou-se o epicentro das políticas educacionais a partir do governo Temer, em 2016.
A própria qualidade social da educação e o direito à aprendizagem dos estudantes foram descuidados, conforme já consta na meta 7 do PNE e PEE: Fomentar a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem de modo a atingir as médias nacionais para o Ideb.
Esta meta já era um mecanismo político-pedagógico preventivo ao que se sucedeu, seja com a pandemia ou mesmo com uma BNCC implementada virtualmente durante o período de distanciamento social entre 2020-2022.
No 8º balanço do PNE, as metas que tiveram retrocesso são justamente as vinculadas à expansão e universalização do ensino fundamental e do ensino médio (metas 2, 3, 6, 10 e 11); as metas de expansão do ensino superior (12 e 14); a meta de gestão democrática (meta 19) e, a meta 20 do financiamento da educação.
Entre as metas que apresentam retrocessos, é alarmante que a Universalização do ensino fundamental de 9 anos para toda a população de 6 a 14 anos (meta 2) evidencia que o número de crianças nessa faixa etária que não frequentam nem concluíram a etapa quase dobrou de 2020 para 2021, saltando de 540 mil para 1,072 milhão.
Como, também, houve queda no percentual de jovens concluindo o ensino fundamental na idade adequada.
Enquanto isso, a meta 3, que prevê universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos e elevar a taxa líquida de matrículas no Ensino Médio para 85% apresentou queda na taxa líquida de frequência ao ensino médio em 2020 e 2021, interrompendo uma sequência de altas que ainda não era suficiente para o cumprimento do dispositivo no prazo.
Enquanto a Lei 13.415/2017, que instituiu a reforma do ensino médio, se propõem a fomentar uma política de expansão da escola em tempo integral, a meta 6 do PNE, que prevê oferecer Educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, apresenta queda nos níveis entre 2014-2021.
Além de uma contradição e falácia, a reforma do novo ensino médio descumpre tanto a lei do PNE como seus propósitos, como já ocorre no estado do RS, que apresenta a terceira pior proporção de alunos em tempo integral matriculados na rede pública: somente 4,8%.
No ensino superior não é diferente. A meta 12 prevê elevar a taxa bruta de matrícula na Educação Superior para 50% e a taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos, assegurada a qualidade da oferta e expansão para, pelo menos, 40% das novas matrículas, no segmento público.
O primeiro objetivo da meta já exigia um aumento do ritmo de avanço observado até 2020, o cenário ficou ainda pior com a diminuição de 1,5% em relação ao ano anterior.
A situação é similar para o segundo objetivo, que caiu de 26,9% para 25,8% entre 2020 e 2021, além da alta concentração de matrículas na rede privada.
A meta 20 é fundamental e estratégica para o cumprimento do Plano Nacional de Educação na sua totalidade.
Esta meta prevê: ampliar o investimento público em Educação pública de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) do País no 5º ano de vigência desta Lei e, no mínimo, o equivalente a 10% do PIB ao final do decênio.
Para 2019, o PNE previa uma destinação de 7% do PIB para a educação, o que dificilmente terá sido atingido, já que os gastos estiveram em torno de 5% de 2015 a 2017, tendo uma queda ao invés de subir.
A austeridade fiscal que se aprofundou nesse período não saiu de cena desde a aprovação da PEC-95 do Teto de Gastos.
Cabe relembrar que o Brasil já investia em torno de 5.5% ou 6% do PIB (dependendo dos cálculos) quando o PNE foi aprovado por unanimidade pelo Congresso nacional em 2014.
Além de descumprir o que o PNE determina, o MEC encerrou o exercício de 2020 com a menor dotação desde 2011, R$ 143,3 bilhões.
A educação básica encerrou 2020 com R$ 42,8 bilhões de dotação, 10,2% menor em comparação ao ano anterior, marcado pela crise sanitária e calamidade pública.
As atuais avaliações de diagnóstico e desempenho de aprendizagem dos estudantes estão diretamente relacionadas às condições de estudo e ao investimento que o país realiza ou deixa de realizar.
Cabe destacar que o gasto por estudante da rede pública brasileira de educação básica representa cerca de um terço do valor das mensalidades de escolas privadas e a metade do gasto médio dos países da OCDE (US$ PPC 1.000/mês); a relação de estudantes/professores nos anos iniciais do ensino fundamental da rede pública é o dobro da média da OCDE (26 x 13) e o salário inicial dos docentes corresponde a 42% da média da OCDE (US$ PPC 13.983 x US$ PPC 33.016/ano).
Tais cifras e comparações indicam a distância entre o praticado no Brasil e o encontrado no conjunto dos países que têm servido de parâmetro para análises econômicas e educacionais realizadas pelo mainstream.
Considerando esses desafios que impactam diretamente na qualidade do ensino, acrescidos das demandas por ampliação do acesso na educação básica e superior – em especial das crianças e jovens das famílias mais pobres, da população do campo, dos negros e indígenas –, foi aprovado o Plano Nacional de Educação (Lei n. 13.005/2014).
O PNE estabeleceu a meta de ampliação dos gastos públicos em educação pública para 7% do PIB até 2019 e 10% do PIB até 2024.
Apesar disso, o último dado disponibilizado pelo INEP, para 2018, aponta um percentual inferior a 5% do PIB.
Uma avaliação séria evidenciará que a crise da educação básica e superior no Brasil e nas redes estaduais tem a pandemia como causa principal, mas o descumprimento das metas dos planos de educação nacional, estaduais e municipais.
Crise e revogação de políticas
A pandemia apenas acentuou e evidenciou uma crise existente na educação que se agravou por decisões políticas e econômicas que se materializaram na revogação das políticas públicas e dos programas de apoio as instituições de ensino e aos estudantes brasileiros.
Sendo a educação um direito de todos e responsabilidade do Estado, da sociedade e da família, cabe-nos exigir o cumprimento desse direito, responsabilizando legalmente aqueles que descumpriram esse direito, e como cidadãos, devemos exercer nossa cidadania nos manifestando e elegendo representantes políticos que estejam comprometidos com a educação, a ciência e a cultura.
Precisamos todos, enquanto educadores/as, estudantes e sociedade civil, exigir o cumprimento integral da Lei 13.005/2014, do Plano Nacional de Educação, e a construção, com ampla participação social, de um novo Plano Nacional 2024-2034, assim como os estaduais e municipais subsequentes.