*Por Walter Takemoto
Em Salvador ocorreu uma carreata em defesa da reabertura das escolas. Vários carros, ônibus escolares e vans.
Nos carros cartazes com as frases “a escola deve ser a última a fechar e a primeira a reabrir”, “a UNICEF defende a reabertura das escolas”, entre outras.
Os empresários, mantenedores das escolas, são os principais organizadores desse movimento, com o apoio de parte das famílias que querem que as escolas voltem a funcionar para atenderem seus filhos e filhas.
O argumento principal que utilizam, por isso a menção a UNICEF, é o da defesa da saúde psíquica das crianças, impedidas de terem convívio social, de brincarem, aprenderem.
Alguns poucos se lembram das crianças pobres das escolas públicas, e dizem que estão nas ruas, sofrendo violência física, sem alimentação adequada.
A pandemia escancarou o absurdo abismo social existente em nosso país. Mais do que isso, expôs nossas fragilidades.
Estamos diante da nossa incapacidade de conviver o dia todo com crianças. De criar brincadeiras, de compreender suas fantasias, de escutar, saber lidar com suas birras e mudanças de humores. E nos deparamos com o que fazer, quando a TV ou o celular não dão conta de preencher todo o tempo em que estão em casa e nos cobram atenção.
E quando empresários de ensino, ou quem nunca pisou em uma escola pública da periferia, falam sobre os problemas das crianças pobres, acham que a condição de exclusão que vivem começou com a pandemia?
Não, existe desde sempre, agravou com a pandemia e se agravará ainda mais. Basta olhar os números de desempregados, informais, precarizados, a redução da renda familiar, inclusive dos profissionais do magistério das escolas privadas.
Não resta dúvida que a pandemia atinge duramente a escola privada, em especial as pequenas. Mas o problema não é exclusivamente da pandemia.
Sabem os empresários que quando citam a reabertura das escolas em países da Europa que lá os governantes adotaram medidas rigorosas de controle da pandemia? Que se garantiu condições de sobrevivência para os trabalhadores permanecerem em casa?
Antes da pandemia se preocupavam com a situação das escolas públicas, de seus profissionais e alunos? Conhecem as condições materiais de recursos das escolas europeias? É comparável com as condições existentes nas escolas públicas aqui do Brasil?
E sabem que em vários países da Europa os governantes fecharam as escolas em dezembro, junto com os setores não essenciais? Que em vários países decidiram pelo lockdown para impedir a disseminação do vírus?
Alegam eles que o vírus tem baixíssima transmissão por crianças.
Sabem que em 2020 ocorreram 1.203 óbitos de pessoas com menos de 20 anos, provocados pela COVI-19, ainda com 63 em investigação e 1.976 encerrados sem definição da causa (por falta de teste, teste inconclusivo ou amostra ruim)? Que 373 crianças com menos de 1 ano morreram por COVID-19 e 747 sem definição da causa ligada a SRAG?
Queremos a volta das escolas, das crianças, adolescentes e jovens. Afinal, a escola só se justifica, legítima e cumpre sua função social quando nela se encontram os profissionais da educação e seus alunos e alunas, ensinando e aprendendo.
Mas a relação de ensino e aprendizagem não se realizará com crianças que não podem brincar, trabalhar coletivamente, com o medo e a insegurança presente nas relações entre adultos e crianças.
Mais ainda, não podemos assumir a responsabilidade que é do poder público de mover todos os recursos disponíveis para proteger a vida dos profissionais da educação, dos alunos e seus familiares.
Temos que nos lembrar que se a escola não é o principal local de risco, as pessoas se locomoverão para ir e vir, utilizarão do transporte coletivo, estarão expostas em locais de risco pois com o retorno das aulas terão que voltar as atividades de rotina de suas vidas.
Estamos diante de um momento extremamente grave em nossas vidas e nosso país.
Mais de 200 mil pessoas morreram e era evitável grande parte dessas mortes. Pessoas estão morrendo por falta de oxigênio, por irresponsabilidade de governantes. A crise sanitária se agrava, em proporções superior ao do início da pandemia, aqui e no mundo.
E é preciso dizer que em vários países, alguns da América do Sul, iniciaram a vacinação da população e aqui nem mesmo se tem um plano definido e articulado, e o desgoverno Bolsonaro faz piada sobre a importância da imunização.
Querer a volta das escolas nesse momento é desconsiderar o que está ocorrendo no Brasil e no mundo.
Se aqueles que estão se organizando e fazendo carreata para exigir o retorno das aulas querem fazer algo em favor do bem comum, devem antes de tudo exigir que os governantes, principalmente o governo federal, implemente políticas que garantam proteção e condições de vida à população.
Não fazer isso é tratar a escola privada meramente como um negócio e vidas como produto de prateleira de supermercado.
*Walter Takemoto é professor