Pesquisa identifica pela primeira vez regiões áridas no Nordeste brasileiro

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10.11.2023


Por Por Catarina Buriti (Enviada especial do Instituto Letras Ambientais) – João Pessoa (PB)

O processo de desertificação no Semiárido brasileiro está mais grave. Uma recente publicação dos resultados de uma pesquisa inédita identificou, pela primeira vez, áreas áridas ou desérticas na região. Foi o que mostrou o meteorologista Humberto Barbosa, fundador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis/Ufal) e responsável pelo estudo, em palestra realizada no Seminário de Políticas Públicas de Combate à Desertificação.

O evento foi realizado pelo Tribunal de Contas da Paraíba (TCE-PB), nos dias 06 e 07 de novembro, em João Pessoa (PB). O objetivo foi apresentar e discutir os resultados de uma Auditoria Operacional Coordenada em Políticas Públicas de Combate à Desertificação do Semiárido brasileiro.

De maneira inédita, o TCE da Paraíba coordenou a Auditoria, integrando cinco tribunais de contas da região Nordeste (além da Paraíba, fizeram parte o Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe). O objetivo foi fiscalizar a implementação da Política Nacional de Combate à Desertificação do Semiárido e Mitigação dos Efeitos da Seca (Lei nº 13.153/2015), bem como das políticas estaduais nessa área.

O processo de desertificação no Semiárido brasileiro está mais grave. Uma recente publicação dos resultados de uma pesquisa inédita identificou, pela primeira vez, áreas áridas ou desérticas na região. Foi o que mostrou o meteorologista Humberto Barbosa, fundador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis/Ufal) e responsável pelo estudo, em palestra realizada no Seminário de Políticas Públicas de Combate à Desertificação.

O evento foi realizado pelo Tribunal de Contas da Paraíba (TCE-PB), nos dias 06 e 07 de novembro, em João Pessoa (PB). O objetivo foi apresentar e discutir os resultados de uma Auditoria Operacional Coordenada em Políticas Públicas de Combate à Desertificação do Semiárido brasileiro.

De maneira inédita, o TCE da Paraíba coordenou a Auditoria, integrando cinco tribunais de contas da região Nordeste (além da Paraíba, fizeram parte o Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe). O objetivo foi fiscalizar a implementação da Política Nacional de Combate à Desertificação do Semiárido e Mitigação dos Efeitos da Seca (Lei nº 13.153/2015), bem como das políticas estaduais nessa área.

O processo de Auditoria surgiu em 2017, por solicitação do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas de Estado da Paraíba (MPjTCE-PB), e foi executado em 2022. A justificativa para a realização foi o aumento do processo de degradação ambiental e da desertificação no Semiárido brasileiro, prejudicando os ecossistemas e o bem-estar da população.

Auditoria constata paralisia nas políticas para combate à desertificação no Semiárido

Na abertura do evento, o coordenador da Auditoria Operacional Integrada, conselheiro Fernando Catão (TCE-PB), ressaltou que há um bom tempo o papel das cortes de contas não se restringe apenas à fiscalização contábil das receitas e despesas públicas. Disse que o TCE-PB avança nessas questões desde 2017 e lastimou que omissões, nos três níveis de governo, tenham contribuído para o agravamento da situação.

Como resultado da investigação feita pelos TCE’s, detectou-se certa paralisia na execução das políticas de combate à desertificação e mitigação dos efeitos da seca, nos últimos anos. Em nível nacional, essa paralização se deu com a desativação da Comissão Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (CNCD), por meio do Decreto Federal no 9.759/2019.

O papel da CNCD era articular ações entre as esferas nacional, regional, estadual e municipal. Segundo o Relatório da Auditoria, a articulação é “um critério essencial quando se fala da boa governança de políticas públicas descentralizadas, permitindo estabelecer relações interfederativas com equilíbrio entre os interesses nacionais e subnacionais”.

No âmbito dos estados participantes da Auditoria, com exceção do Ceará, detectou-se não ter sido implementada as políticas estaduais de combate à desertificação e mitigação dos efeitos da seca, como também não ter sido executado seus correspondentes Programas de Ação Estadual (PAE’s).

Apesar do apagão nas iniciativas federais nessa área, nos últimos quatro anos, o Ceará foi o único estado integrante da Auditoria que deu continuidade à implementação do seu PAE, elaborado em 2010. O estado possui um histórico de políticas focadas em ambiente e clima, para reduzir os impactos da seca e combater a desertificação, a partir da articulação de órgãos governamentais, universidades e sociedade civil.

Mesmo assim, como acontece com os demais, o Ceará também enfrenta dificuldades pela ausência de um fundo específico para financiar ações de combate à desertificação. Em Sergipe, foi iniciada a implementação da política, mas o processo ainda é incipiente.

A engenheira Margareth Benício, pesquisadora da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) participou do 2º painel de debates sobre “Áreas em Processo de Desertificação”, mediado pelo Auditor Júlio Uchôa, do TCE-PB. Ela enfatizou as áreas críticas da Caatinga que apresentam evidências de um processo de desertificação avançado, especificamente no Ceará.

A pesquisadora pontuou várias experiências naquele estado, por meio de mapeamento e imagens de satélite, constatando-se que um percentual de 10% do Semiárido cearense experimenta um avançado processo de degradação. Nesses locais, a Fundação desenvolve ações para recuperar as áreas degradadas, por meio de monitoramento e implementação dos instrumentos do PAE-CE. “Mas essa é uma situação pontual e se fazem necessárias revisões pactuadas, com a participação do Governo Federal, do processo de desertificação na região”, completa.

Existe uma diferença entre os conceitos de “degradação da terra” e de “desertificação”. Em geral, a desertificação é identificada quando as terras já estão degradadas de forma grave ou muito grave. De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, 2019), a desertificação é a degradação da terra em áreas áridas, semiáridas e subúmidas secas, resultantes de muitos fatores, incluindo variações climáticas e atividades humanas.

Já a degradação da terra é uma tendência negativa na condição da terra, causada por processos humanos induzidos, diretos ou indiretos, incluindo mudança do clima de natureza antrópica. Essa tendência é expressa como redução de longo prazo e como perda de pelo menos um dos seguintes itens: produtividade biológica, integridade ecológica ou valor para os seres humanos.

Nos estados auditados, novamente com exceção do Ceará, também foi detectada a ausência de monitoramento e fiscalização ambiental sistemáticos das áreas susceptíveis à desertificação. Quando falamos em monitoramento, estamos nos referindo ao acompanhamento contínuo das áreas susceptíveis à desertificação.

Já o mapeamento se refere ao retrato da situação ambiental, em determinado momento. Nos estados investigados, os únicos diagnósticos e zoneamento das áreas susceptíveis/afetadas pela desertificação foram feitos no Ceará e em Sergipe. De maneira geral, todos os estados carecem da atualização dos dados.

Em nível nacional, o último mapeamento foi feito em 2004, com a publicação do Atlas das Áreas Susceptíveis à Desertificação do Brasil. De acordo com Alexandre Pires, diretor do Departamento de Combate à desertificação (DCD/MMA), com a recente retomada da Política Nacional de Combate à Desertificação, está sendo feita a atualização do mapa das áreas suscetíveis à desertificação e do Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação (PAN-Brasil). A CNCD também está em processo de recriação.

A ausência de um fundo com recursos específicos para financiamento das políticas estaduais de combate à desertificação foi outro gargalo encontrado pela Auditoria. Esse obstáculo é mais dramático no âmbito dos municípios, que geralmente não dispõem sequer de estrutura mínima de gestão ambiental.

Sobre isso, na abertura do evento, o governador da Paraíba, João Azevedo, destacou os esforços do Consórcio Interestadual de Desenvolvimento Sustentável do Nordeste, do qual ele é presidente, para a capitalização de um Fundo em defesa do Semiárido. Confira o vídeo abaixo:

João Azevedo ainda enumerou ações do seu governo para enfrentamento da seca, entre elas a ampliação de adutoras necessárias à segurança hídrica das cidades e do campo, “onde o problema é mais grave e maior”. O Consórcio é um organismo que articula e representa os governadores nordestinos, sendo presidido atualmente por João Azevedo.

A Auditoria constatou a inexistência de programas, projetos e/ou legislações na temática desertificação, na quase totalidade dos municípios do Semiárido. Além disso, evidenciou a incipiência na articulação entre Estado, municípios e organizações sociais para ações de combate à desertificação.
Como providência imediata da Auditoria, várias recomendações foram feitas aos governos e seus diferentes órgãos, nas diferentes instâncias (União, estados e municípios). Concluída a fiscalização, o objetivo agora é estimular a revisão, implementação e avaliação da política nacional de combate à desertificação e, no âmbito dos estados, suas respectivos políticas/programas de ação.

Pesquisador alerta que já existem regiões “áridas” no Nordeste brasileiro

O mapa acima mostra a análise das áreas que já se encontram em condições de aridez no Nordeste brasileiro, segundo o pesquisador Humberto Barbosa. Usando dados de satélite, seu estudo permitiu identificar que houve aumento da radiação de onda longa e redução das nuvens em áreas desertificadas. Por consequência, houve diminuição das chuvas e aumento da aridez em alguns municípios da região. A análise permitiu identificar, pela primeira vez, áreas áridas no Nordeste brasileiro.

“Isso demonstra a ausência de chuvas, em paralelo ao aumento das temperaturas. A tendência é de a região se tornar árida, como já está acontecendo. É uma informação alarmante nesse cenário de retomada das políticas para conter o processo de desertificação”, explica Humberto.

Os resultados sugerem que algumas áreas da região estão particularmente susceptíveis a processos de desertificação. Esse processo é impulsionado pelas secas recentes e pelas perturbações acumuladas ao longo do tempo, decorrentes de impactos humanos e das mudanças no uso da terra.

O diferencial do mapeamento é ter utilizado uma metodologia que permite comparar a relação entre a atividade da vegetação e da atmosfera. Com os dados do satélite Meteosat, de alta frequência temporal, foi possível analisar a troca de energia entre a superfície e a atmosfera, percebendo que, em algumas locais muito secos e degradados, a vegetação não responde mais aos fatores climáticos. Houve o declínio dos fatores da atmosfera, que não mais responde a essas áreas muito secas e houve a diminuição das chuvas.

“Identificamos um processo no qual a ação humana de degradação, associada às adversidades climáticas, perturbam a vegetação em um nível de gravidade que ela não mais apresenta condições de se recuperar, mesmo que ocorram chuvas suficientes”, ressalta o meteorologista.

No período de 2004-2022, a pesquisa analisou, na superfície, a resposta da vegetação às secas, levando em conta a umidade do solo e a temperatura. Em seguida, essas áreas foram comparadas com o balanço de energia da atmosfera, olhando o indicador de onda curta (albedo) e o indicador da radiação de onda longa (chuva).

As análises foram feitas a partir de índices de vegetação, precipitação, umidade do solo e temperatura, baseados em dados de satélites. No topo da atmosfera, foi analisado o sinal de satélite que estima a energia em regiões específicas (albedo), e o balanço da radiação de ondas curtas.

Como você pode observar na imagem acima, a tendência de redução do albedo reflete a diminuição de nuvens, principalmente na área central do Semiárido, região mais crítica, onde as nuvens estão diminuindo.

A piora na degradação das terras no Semiárido tem sido agravada pelas chamadas “secas repentinas” (flash droughts), uma categoria especial de seca, com início rápido e de forte intensidade, que costuma durar alguns dias ou semanas. Nos últimos 18 anos, esses eventos extremos exerceram impactos dramáticos nos ecossistemas semiáridos, com redução na quantidade de água no solo e interferência na dinâmica da cobertura vegetal.

Unidades de conservação de uso sustentável são essenciais para combater a desertificação

Outro tema importante debatido no evento foi o uso sustentável dos recursos naturais do Semiárido brasileiro. Em um dos painéis, Francisco Campello, ex-diretor do DCD/MMA e atual coordenador técnico da Fundação Araripe, destacou sua experiência no processo de construção da política nacional de combate à desertificação no Brasil.
“A participação da sociedade civil, que é uma exigência da Convenção [das Nações Unidas para o Combate à Desertificação] foi um diferencial no Brasil. A gente coordenou os trabalhos para a criação da Política Nacional de Combate à Desertificação, para aprovação no Congresso, e o nosso maior instrumento de luta foi a Comissão Nacional [de Combate à Desertificação]. A Articulação Semiárido Brasileiro (ASA Brasil) tinha um representante de cada estado na Comissão e foi extremamente importante essa participação social, no trabalho pela aprovação da Política”, destacou Campello.

Ele foi enfático em relação à necessidade do uso sustentável da Caatinga, adotando o manejo florestal sustentável como ferramenta de conservação. “É uma forma de evitar a remoção da caatinga e permitir que a população use seus benefícios, evitando a degradação. O uso sustentável permite a conservação dos solos, das águas e da biodiversidade. O grande desafio da caatinga é não precisar recuperar solos degradados, pois é uma prática muito custosa e cara”, ressaltou Campello.

“A caatinga é extremamente interessante em termos de resposta, quando ela é utilizada com critérios de sustentabilidade. A categoria de unidade de conservação de uso sustentável é uma forma de não isolar a população para conservar, mas de permitir a convivência com o Semiárido brasileiro”, completou Campello.

Como exemplo, ele ainda citou as comunidades de fundo de pasto, áreas coletivas usadas de forma sustentável na Bahia. A Fundação Araripe desenvolve um projeto com essa comunidade, em parceria com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), visando fortalecer o processo de conservação e gerar renda para as famílias.

No mesmo painel, Rafael Camilo, gerente no Nordeste do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), apresentou os vários tipos de unidades de conservação do bioma Caatinga. Ele ressaltou a necessidade de planejamento e implantação das unidades de conservação para manutenção da integridade dos ecossistemas da Caatinga.

O Seminário encerrou o primeiro dia de atividades destacando a importância do reconhecimento do bioma Caatinga como patrimônio nacional. O painel foi mediado pela senadora Maria Teresa de Melo (PT-PE), integrante da Comissão de Meio Ambiente, do Senado Federal.

Retomada do Programa Um Milhão de Cisternas

A ASA Brasil é uma rede formada por mais de mil organizações civis que lutam, de forma articulada, por políticas de adaptação ao clima do Semiárido brasileiro. É o caso das políticas de acesso à água, por meio da implantação de tecnologias sociais hídricas, a exemplo das cisternas de placas.

Durante o evento, a coordenadora da Rede ASA, Glória Batista, salientou que não é possível combater a desertificação sem acesso água no Semiárido. “Sem água, não há combate à desertificação. A água é essencial para as populações”, assegurou a coordenadora.

Durante o Seminário, Glória informou uma novidade esperada pela população da região, que é a retomada das políticas de implantação das tecnologias sociais. Segundo ela, o Relatório da Auditoria Operacional destacou que os recursos para captação e estocagem de água no Semiárido foram paralisados, principalmente no período de 2019 até 2022.

“Mas agora, eu queria anunciar que a ASA vai reunir na próxima semana 300 organizações do Semiárido brasileiro, para um planejamento da volta do Programa Um Milhão de Cisternas. O Programa voltou! E de imediato nós vamos trabalhar com cerca de 60 mil famílias na região”, celebrou a coordenadora.

O Programa Um Milhão de Cisternas é uma política pública federal implantada desde 2002, como resultado da luta da sociedade civil organizada. O objetivo é construir um milhão de cisternas na região, para universalizar o acesso à água, contribuindo para a convivência com a região.

Como destacado no Livro “Um século de secas”, obra utilizada como uma das referências da equipe da Auditoria, a ASA figurava, no ano de 2008, como uma das organizações que mais recebiam recursos governamentais, para implementar tecnologia sociais de baixo custo na região.

O evento foi encerrado no dia 07 de novembro, com debates sobre sobre povos originários do Nordeste (região que concentra a segunda maior população de indígenas no Brasil), desenvolvimento rural e impactos das energias renováveis nas espécies vegetais e animais. A professora Mônica Tejo, diretora do Instituto Nacional do Semiárido (Insa/MCTI) enfatizou a questão do manejo inadequado e da depredação do solo, preocupação também manifestada por Ricélia Marinho, representante do Comitê de Energias Renováveis do Semiárido.

Especialistas e sociedade civil celebram o trabalho da Auditoria

Durante o evento, a equipe da Auditoria Operacional dos cinco TCE’s foi saudada pelos presentes. A iniciativa do TCE-PB, envolvendo os demais tribunais da região, foi um marco para a retomada das políticas de combate à desertificação no Brasil.

Na ocasião, especialistas, representantes da sociedade civil, gestores públicos e emissários dos governos reconheceram a gravidade das conclusões do trabalho, ao mesmo tempo em que se animaram com a retomada das políticas.

A apresentação da Auditoria Operacional Coordenada por emissários dos cinco TCE’s expôs os resultados de cinco eixos de investigação:
1) Implementação da Política/Programa de Ação de Combate à Desertificação;
2) Monitoramento e Avaliação da política estadual de combate à desertificação;
3) Viabilização de ações referentes à desertificação no território municipal; 4) Unidades de Conservação no bioma Caatinga;
5) Ações visando o combate à desertificação, por meio da Agricultura Familiar e de Tecnologias sociais hídricas.

Mais informações:

Acesse o Sumário Executivo do Relatório da Auditoria Operacional neste link.

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