Variantes, vacinas e intervalos. Perguntas e respostas sobre a covid-19

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Assim como os avanços científicos, questões políticas também são velozes, mudam e impactam diretamente no processo de superação da pandemia

A RBA separou algumas questões importantes para o leitor com informações atualizadas sobre o vírus e políticas públicas relacionadas

São Paulo – A pandemia de covid-19 é a maior crise sanitária do planeta em mais de 100 anos, após a Gripe Espanhola de 1918. Naturalmente, com a doença, surgem muitas dúvidas a serem solucionadas. O novo coronavírus se torna um problema no fim de 2019, na cidade chinesa de Wuhan, província de Hubei. O alcance e letalidade do surto despertaram um movimento global de enfrentamento e levou a uma corrida científica que alcançou feitos inéditos.

Neste pouco menos de dois anos, foram desenvolvidas, testadas e aplicadas vacinas com diferentes tecnologias – um tempo até então recorde. A comunidade científica globalizou os estudos e os avanços no entendimento da covid-19 são diários. Imunizantes testados e aprovados com urgência utilizam, inclusive, a promissora e inovadora tecnologia de mRNA, ou RNA mensageiro, que deve ser base para a cura futura de outras doenças. Também avançaram protocolos de tratamentos que reduziram a letalidade do vírus ao longo dos meses.

Da mesma forma como provocou a aceleração de avanços científicos, a covid também criou a necessidade de os governos formularem políticas públicas com agilidade, para atuar diretamente no processo de superação da crise. Para esclarecer sobre os avanços de ambas as áreas no trato da pandemia, a RBA apresenta algumas informações atualizadas. Leia a seguir:

Qual o panorama atual da covid-19 no Brasil?

O Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes por covid-19. De acordo com o último balanço do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), foram 590.955 vítimas oficialmente registradas até ontem (20). Entretanto, cientistas argumentam que estes números são subnotificados. De acordo com estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), corrigidos os erros nos bancos de dados apenas de 2020, os mortos superam 630 mil. Estas incongruências, atrasos e erros de preenchimento em atestados de óbitos seguramente se repetem neste ano.

Se em 2020 os Estados Unidos lideraram o registro de mortos por covid, este ano é o Brasil que está à frente neste indicador. O principal fator de impacto foi a chamada segunda onda da pandemia, que atingiu o país entre o fim de fevereiro e a segunda quinzena de julho. Àquela altura, os norte-americanos já haviam adotado o rigor no protocolos de distanciamento social e conseguiram diminuir significativamente o número de óbitos. Mesmo o então presidente Donald Trump abandonou sua postura negacionista e passou até mesmo a apoiar a vacinação. Diferentemente de Bolsonaro, que até hoje não reconhece a importância da imunização em massa.

Celeiro de variantes

A ausência de políticas públicas para o enfrentamento da covid-19 no Brasil resultou na falta de medidas que garantissem segurança às famílias durante o isolamento social. Além disso, o país é dos que menos aplicou testes à sua população, dificultando os trabalhos de rastreio e controle do contágio. A subnotificação é uma realidade admitida até pelo governo federal. O resultado dessa ausência de políticas de cuidado foi o aumento de mortes evitáveis.

Mais que isso, transformou o país em um “celeiro” de mutações virais. Por circular sem controle, o novo coronavírus encontrou terreno fértil no Brasil e aqui produziu uma das mutações mais agressivas detectadas até agora. Conhecida como gamma, ou P.1, a variante surge em Manaus, uma das cidades mais afetadas pelo surto no Brasil.

A situação da capital do Amazonas foi denunciada pela RBA antes mesmo de explodir. Entretanto, investigações da CPI da Covid apontam que a cidade pode ter sido utilizada como “cobaia” de um estudo eticamente inaceitável e que, por fim, mostrou-se trágico. Influenciado pelo negacionismo de Bolsonaro, o governo local facilitou a ampla disseminação do vírus com finalidade de promover a chamada “imunidade de rebanho”. Isso, com uma doença de alta letalidade e causadora de extremo sofrimento aos pacientes.

Negacionismo e corrupção

Bolsonaro também apostou em medicamentos comprovadamente ineficazes contra o coronavírus, como a cloroquina e a ivermectina. Além de não serem eficazes, são perigosos. Grande variedade de estudos publicados em relevantes revistas científicas apontam para o risco de efeitos colaterais graves por estes medicamento. Os principais são hepatites medicamentosas e problemas cardíacos relacionados. Porém, ignorando todos os alertas, Bolsonaro recomendou o uso do chamado “kit covid” em repetidos discursos.

Além da má gestão já apontada, o presidente estimulou e promoveu aglomerações, além de diariamente divulgar mentiras e fake news sobre tudo que se relaciona à pandemia. Segundo levantamento da ONG Artigo 19, foram mais de 1.600 de mentiras em cerca de um ano. Bolsonaro ataca a eficácia e segurança de vacinas, por exemplo, postura que se reflete também no atraso da vacinação no Brasil. O governo federal ignorou as ofertas de imunizantes feitas por várias farmacêuticas. Ao mesmo tempo, trabalhou para boicotar a produção da CoronaVac pelo Instituto Butantan, de São Paulo, governado pelo seu desafeto político João Doria (PSDB). Por outro lado, “fechou os olhos” para negócios obscuros dentro do Ministério da Saúde para a compra de vacinas indianas da Covaxin, com contratos fraudulentos e superfaturados. Escândalo este em investigação na CPI da Covid.

Qual o panorama da vacinação no Brasil?

Apesar do triste panorama a que chegou o Brasil, pelo desgoverno de seu presidente, a pressão dos movimentos sociais e das bancadas de oposição no Congresso fizeram chegar as vacinas. E elas estão produzindo resultados efetivos. Desde a segunda quinzena de abril, com o avanço da imunização, naquele momento, sobretudo dos idosos, as mortes começaram a cair significativamente. No dia 12 de abril, a média diária de óbitos, calculada em sete dias, era de 3.124. No dia 10 de setembro, eram 454 vítimas diárias.

Entretanto, a manutenção de resultados positivos até a eventual erradicação da doença não está assegurada já que, com o fim precoce das medidas de distanciamento por estados e municípios, a ampla circulação do vírus pode estimular mutações. Junte-se a isso, o ainda pequeno percentual de vacinados no país. Até ontem, o Ministério da Saúde contabilizava 40,03% da população completamente imunizada, isto é, com duas doses ou vacina de dose única, no caso da Janssen. Porém, a Organização Mundial de Saúde (OMS) indica ser necessário mais de 80% da população vacinada para considerar o surto sob controle. Já tomaram a primeira dose 72,78% dos brasileiros dentro do público-alvo.

Mas, o fato de o Brasil sob Bolsonaro ter um Plano Nacional de Imunização (PNI) errático e sem coordenação efetiva levou os estados a adotar planos diferentes. Parte dos cientistas critica o método utilizado pela maioria das unidades da federação – de aplicar o máximo de primeiras doses, o que chegou a provocar uma escassez para a segunda. Como resultado, apesar de bom número de imunizados com uma dose, o país tem mais de 9 milhões de pessoas com o reforço em falta, e tem percentual de totalmente imunizados baixo, atrás de países como Argentina, Uruguai, Equador e Chile, e similar a Bolívia e Colômbia.

E no mundo?

No Brasil, mesmo com toda a campanha contra de Bolsonaro, a adesão da população está em patamares acima de 90%, chegando à totalidade em algumas faixas etárias. Em outros países, a situação é variada. Mais de 80% das vacinas produzidas foram direcionadas para 10% dos países mais ricos. Isso provoca uma desigualdade vacinal em larga escala, com escassez absoluta em algumas regiões. No continente africano, por exemplo, menos de 3% da população está totalmente imunizada.

A desigualdade na distribuição de vacinas atingiu, inclusive, a OMS. A entidade liderou, ainda na época da produção das vacinas, uma iniciativa chamada Covax Facility. O objetivo era distribuir mais de 1 bilhão de doses para países mais pobres. Esse consórcio não deve alcançar 30% de seu objetivo neste ano. Com isso, o presidente da OMS, Tedros Adhanom, pediu uma “moratória” na aplicação de terceiras doses. Como estudos, inclusive revisões de agências sanitárias europeias e americanas, apontam que duas doses são o suficiente para a maior parte da população, a OMS pede que apenas idosos acima de 60 ou 65 anos recebam o reforço. Também entram neste grupo imunossuprimidos, como pacientes em tratamento de quimioterapia.

Outro destaque negativo na vacinação global fica por conta do negacionismo. Países com ampla oferta de vacinas sofrem com uma parcela da população que rejeita os imunizantes. Um dos casos mais sérios são os Estados Unidos, onde milhares de doses perdem a validade por falta de americanos que queiram se vacinar. Governos locais chegaram a pagar 100 dólares para quem se vacinasse. Mesmo assim, apenas 50,3% da população está totalmente imunizada. Autoridades locais identificaram que cerca de 90% das mortes por covid-19 neste ano são de pessoas não vacinadas.

As vacinas são seguras e eficazes?

Objetivamente: a resposta é sim. Embora exista um grande fluxo de desinformação sobre a segurança das vacinas, para todas as faixas etárias estudadas os benefícios superam (e muito) os riscos, como de tromboses ou questões cardíacas. As porcentagens evidenciam que os perigos são baixos ou inexistentes, ao contrário do que foi observado para cloroquina e ivermectina, além de estas substâncias simplesmente não funcionarem contra a covid-19.

Além dos estudos de eficácia que orientam a aprovação do uso das vacinas, muitos estudos de efetividade já foram divulgados. Quando se fala em efetividade, está em jogo o “mundo real”, ou seja, os resultados obtidos através da aplicação em massa dos imunizantes.

Tabela de efetividades das vacinas em uso no mundo. Fonte: Mellanie Fontes-Dutra (UFRGS)

Pode tomar duas doses de vacinas diferentes?

Sim, como visto na tabela de efetividade das vacinas, o uso combinado de imunizantes, além de seguro, funciona. Em alguns casos, o uso heterógeno das vacinas se mostra, inclusive, mais eficaz.

Combinar vacinas diferentes é seguro e eficaz. Entenda

Quais os riscos da covid-19 entre os mais jovens? Como está a vacinação neste grupo?

As taxas de mortalidade da covid-19 despencam conforme a idade é reduzida. Entretanto, existem riscos sérios. Dados de Israel apontam que 10% dos jovens acometidos por covid-19 sintomática sofrem da chamada “covid longa“, uma forma mais persistente e de difícil tratamento da doença. Após meses de contágio, estes jovens ainda apresentam sintomas. Existem iniciativas para classificar este impacto do vírus como uma “doença autoimune” adquirida, de tão sérias e duradouras as consequências. No Brasil, em 2021, a covid-19 é a maior responsável pela morte de adolescentes.

Uma ampla variedade de estudos classifica a vacinação entre os mais jovens como segura e necessária. Além das mortes que são realidade, estes grupo, por frequentarem ambientes de risco, como escolas, são responsáveis por grande transmissão. Então, a OMS, a Anvisa, os conselhos de secretários de Saúde, e a comunidade internacional recomendam a vacinação. Entretanto, Bolsonaro pressionou o Ministério da Saúde para que o Brasil parasse de vacinar os mais jovens.

Mesmo com a postura do governo federal, a maioria dos estados segue com a vacinação. Entre os estados que ignoraram a orientação de Bolsonaro estão São Paulo, Rio de Janeiro, Distrito Federal e todo o Nordeste. Estão sendo vacinados jovens acima de 12 anos, conforme aprovação da Anvisa e recomendação em bula da Pfizer, único imunizante autorizado no país para esta faixa etária. Já são mais de 4 milhões de adolescentes em processo de imunização. Em São Paulo, 90,3% deste grupo já tomou a primeira dose, comprovando a ampla adesão também dos jovens.

A Pfizer divulgou um estudo também ontem (20) demonstrando eficácia e segurança em crianças de cinco a 11 anos. Em Cuba, por exemplo, a vacina Soberana já é aplicada em crianças acima de dois anos.

Qual o intervalo entre doses das vacinas disponíveis? É seguro antecipar ou postergar?

Alguns estudos publicados em periódicos relevantes e depositários de artigos científicos apontam que um maior intervalo entre doses de algumas vacinas mostra-se mais eficaz. A partir disso, em caso de atraso da segunda dose, a orientação é para que se busque o reforço o quanto antes.

Existe uma ampla discussão em andamento sobre o tema. Entretanto, com o avanço de variantes mais contagiosas, sobretudo a delta, a imunização completa mostra-se essencial. Com este fator sobre a mesa, calendários com maior breviedade possível são amplamente adotados pelos países.

No caso da Pfizer, o recomendado em bula é o intervalo de 21 dias. No Brasil, este intervalo flutua entre 90 e 21 dias. O Rio de Janeiro divulgou hoje, por exemplo, que reduziu o intervalo para o mínimo recomendado, 21 dias, para quem tem mais de 50 anos. Em São Paulo, os imunizados com Pfizer ou AstraZeneca, que também foi adotada em regime de 90 dias inicialmente, podem se inscrever na “xepa” após 21 dias. Já para a CoronaVac, o intervalo recomendado e utilizado é o descrito em bula, de 21 dias.

Após a vacinação, é seguro se aglomerar?

Diferentes cientistas e institutos como a Fiocruz, recomendam que as medidas de segurança devem continuar. A Fiocruz considera precipitado o fim do distanciamento social nos estados. Contudo, a saúde mental também é algo a se levar em conta. A partir disso, a ciência recomenda atividades ao ar livre, onde as chances de contaminação são reduzidas. Estudos também apontam para maior eficácia de máscaras do tipo PFF2 ou N95, com desempenho superior às de pano ou cirúrgicas. Entretanto, na falta delas, o essencial é usar máscaras. Contudo, riscos sempre existem e estudos indicam que as novas variantes do novo coronavírus podem circular mesmo entre vacinados, apesar de reduzidas as chances de mortalidade.

Quando a pandemia vai acabar?

O médico sanitarista e fundador da Anvisa Gonzalo Vecina teme que o fim não esteja tão perto. Questionado sobre a realização do Carnaval do ano que vem, o especialista se posiciona contra. “Em 2024 teremos um belo carnaval”, avalia. Em um mundo globalizado, a segurança sanitária plena só virá com a comunidade internacional, de forma conjunta, combatendo o vírus. Não está descartada a necessidade de novas doses de imunizantes. Estudos ainda estão em andamento e a certeza da duração da imunidade só virá com o tempo. Contudo, artigos e levantamentos internacionais recentes apontam que a eficácia das vacinas supera as expectativas, e que este fim pode estar mais próximo.

O médico e deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP) analisa cenários diferentes para o fim da pandemia. Em um deles, com a imunização coletiva, cepas contagiosas mas menos agressivas se sobressairão. Algo como o ocorrido com a Gripe Espanhola, que se tornou endêmica nos países como gripe comum. Por outro lado, também existem os riscos de novas mutações serem tão agressivas e diferentes em sua forma genética que possam derrubar a eficácia das vacinas existentes. Neste cenário pessimista, seria necessário voltar à prancheta para a elaboração de novos imunizantes.

Fontes: Rastrador do covid Microsoft; Fiocruz; Lancet; Mellanie Fontes-Dutra (UFRGS); Alexandre Padilha (PT-SP); Jesem Orellana (Fiocruz); Ministério da Saúde; GloboNews; Agência Brasil; Denise Garret (CDC-EUA/Sabin Vaccine); Rede Análise Covid-19; Rede Brasileira de Mulheres Cientistas; Pfizer; Oxford Universitie; Sinovac

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