A AFBNB conversou com o ex-presidente do BNB, João Alves de Melo, sobre o papel desenvolvimentista do BNB e os impactos devastadores que a MP 1052/2021 acarretará não apenas para a Instituição, mas para toda a região. Confira:
AFBNB – O senhor foi presidente do BNB em 1992 quando o cenário econômico e social brasileiro e nordestino era outro, mas o BNB já se apresentava como fundamental instituição de fomento ao desenvolvimento. O que mudou de lá para cá com relação à atuação do Banco?
Em 1992, quando assumi a Presidência do BNB, encontrei a Região Nordeste assolada por mais uma crise climática com efeitos negativos diretos sobre a economia e o social da região. De pronto adotei providências para minimizar o estado de carência e pobreza da região, conduzindo a aprovação da Presidência da República o primeiro Programa Nacional de Fomento a Geração de Emprego e Renda-PROGER, para ser operacionalizado com recursos do FNE e do FAT, e voltado para o financiamento de atividades produtivas de produtores individuais, micronegócios não formalizados, associações de produtores e micros e pequenas empresas. O objetivo do PROGER era gerar emprego e renda.
A nação brasileira, traumatizada com a cassação do Presidente da Republica, voltava a ter esperança no novo governo chefiado pelo Presidente Itamar Franco.
O cenário econômico era desanimador para investidores, pois a inflação tinha atingido níveis nunca vistos, requerendo medidas governamentais urgentes de implantação de um novo Plano Econômico para normalização da economia, daí surgindo o Plano Real, cuja implantação ocorreu a partir de 1994.
O BNB à época dava os primeiros passos na operacionalização do FNE e ainda não conseguia cumprir a determinação constitucional de aplicação de um mínimo 50% dos recursos do fundo no semiárido.
Muita coisa mudou ao longo destes 29 anos. O FNE atingiu a sua maioridade e hoje responde por aproximadamente 60% das aplicações do Banco no setor produtivo da economia regional. O apoio financeiro aos micros e pequenos já incorporou ao mercado uma massa de nordestinos da ordem de 15 milhões de cidadãos.
AFBNB – Como ex-presidente do BNB e tendo agora lançado o livro “João de Melo, o BNB e o desenvolvimento do Nordeste: Uma história de vida”, como o senhor avalia o papel desempenhado pelo Banco nos últimos anos diante de tantas ameaças de redução de seu potencial por parte do Governo?
O livro citado reúne uma série de ações e programas estruturados e implantados na minha gestão 1992/1995. Esses programas e essas ações tiveram crescimento significativo neste último quarto de século elevando o Banco do Nordeste à condição de indispensável ao desenvolvimento da região. As ameaças ao papel do BNB na sua função de banco de desenvolvimento e sobretudo a operacionalidade do FNE, que têm sido uma constante a partir de 1989, sempre partem de setores da vida nacional pouco comprometidos com as desigualdades regionais e alheios às estatísticas econômico-sociais da Região Nordeste.
AFBNB – O BNB já nasceu diferente dos demais bancos; nasceu em um momento de seca, de extrema dificuldade financeira e situado em uma região historicamente fragilizada. Essa desigualdade embora reduzida ainda persiste. O BNB tem acompanhado a evolução da região?
O BNB, pela forma como foi constituído, transformou-se em modelo de banco de desenvolvimento para o Brasil, a América Latina e o mundo. A sua missão de desenvolvimento da região Nordeste persistirá, pois embora o NE venha crescendo a taxas superiores às do Brasil ainda persiste um grande diferencial a ser superado no campo econômico e social.
O BNB tem sido o principal fator de evolução da região e detém o maior acervo de informações sobre o Nordeste graças aos permanentes estudos realizados sobre o seu desenvolvimento.
AFBNB – Desde que foi criado, há mais de 60 anos, o BNB sofreu inúmeros ataques, seja ao próprio banco seja ao FNE que é sua principal fonte de financiamento. Por que recursos estáveis para regiões como o Nordeste despertam tanto interesse? Por que querem botar a mão nesse dinheiro?
O BNB foi criado com o suporte dos recursos estáveis advindos do Fundo das Secas instituído pela Constituição de 1934 e ampliados pela Carta Magna de 1946. Nos seus 13 anos iniciais de funcionamento contou com esses recursos estáveis para cumprir a sua função de banco de desenvolvimento. A Carta Magna de 1967 extinguiu o Fundo das Secas levando o BNB a mera condição de um banco de repasse, condição está que perdurou até a criação do FNE pela Constituição de 1988.
O interesse pelos recursos do FNE por Governos estaduais e Federal advém do fato de se tratar de uma fonte permanente e estável de recursos e muito mais pela falta de estadistas no comando das unidades federadas e da nação, que consigam avaliar a função macro desses recursos para o desenvolvimento regional.
AFBNB – A MP 1052/21 em discussão neste momento no Congresso reduz as taxas de administração das instituições que gerem os fundos constitucionais. O que essa redução representa para a atuação do Banco no âmbito do Desenvolvimento Regional?
Com a palavra “inviabilidade” definimos o desastroso efeito que essa MP viria provocar na operação dos Fundos Constitucionais caso fosse aprovada. Inviabilizando a atuação dos bancos gestores na operacionalização dos fundos os efeitos econômicos e sociais oriundos da sua aplicação cessariam, provocando em contrapartida um novo crescimento das disparidades regionais.
AFBNB – Como as entidades de representação dos trabalhadores (Associações e Sindicatos) devem atuar para barrar projetos como esse e lutar em defesa do BNB?
Este caminho já foi praticado pelas associações de funcionários dos bancos de desenvolvimento (BNB e BASA) e das autarquias de desenvolvimento regional (SUDENE e SUDAM), por ocasião da Constituinte de 1988. Hoje com pequenos ajustes poderíamos por em prática as mesmas estratégias, em permanente articulação com os Bancos de Desenvolvimento.