O curta-metragem “O Assédio”, dirigido por Aniela Paes, narra a história de mulheres que sofreram assédio moral e sexual em um grande escritório de advocacia. Helena (Kiohara Schwaab), uma jovem advogada contratada recentemente, é abusada pelo chefe, o famoso advogado Max Wilson (Shawer Silva), que comete uma série de abusos sexuais com trabalhadoras da empresa. O curta de 13 minutos foi produzida em Campo Grande e pode ser encontrado no site Youtube.
O tema do filme, tão recorrente na vida das mulheres, alinha-se a notícia assombrosa da semana passada de assédio sexual e moral praticada por um alto dirigente do governo de Bolsonaro, revelando o quanto mesmo no século XXI, as mulheres são tratadas com profunda discriminação e preconceito pelo fato de serem mulheres. Trata-se do ex-presidente da Caixa Econômica Federal, o repugnante Pedro Guimarães, que entregou sua carta de demissão na última quarta-feira, ao mesmo tempo em que exibiu sua família subordinando sua mulher a esse vexame e humilhação, tentando justificar o injustificável. Esse é mais um caso de machismo no atual governo que novamente ganha repercussão e merece nosso profundo repúdio. Reportagens dos meios de comunicação revelaram que no fim do ano passado, um grupo de mulheres diretamente ligadas ao gabinete da presidência da Caixa romperam o silêncio e decidiram fazer a denúncia de assédio sexual junto ao Ministério Público Federal, revelando mais uma vez o conteúdo misógino desse governo.
Misógino é o termo usado para descrever o indivíduo que tem repulsa e ódio às mulheres, desrespeitando-as constantemente. Ao longo de sua trajetória desprezível, Jair Bolsonaro tem demonstrado seu comportamento desrespeitoso e seu governo está repleto dessas práticas ofensivas às mulheres, expondo o verdadeiro caráter do homem que hoje ocupa a Presidência do país.
Segundo matéria da Carta Capital, o governo federal teve, este ano, em média uma denúncia de assédio sexual por dia. Em 2021 o aumento de denúncias foi de 65,1% em relação à 2020. (dados são da Controladoria Geral da União).
O número de denúncias de assédio na administração federal deu um salto durante o governo atual e é o maior desde 2015, quando teve início a série histórica. É o que apontam dados da Controladoria Geral da União (CGU). Somente neste primeiro semestre, foram registradas 704 denúncias, das quais 545 de assédio moral e 85 de sexual. Em 2022, o aumento foi de 93% — portanto, quase o dobro — quando comparado ao mesmo período de 2021.
Não são poucos os exemplos, dessa prática hostil às mulheres. A fala do principal dirigente do país envergonha a todos e todas. Uma delas, de que teria sido “uma fraquejada”, o fato de ter tido uma filha — uma hostilização à menina que agora é adolescente, entre quatro filhos — ao ataque à Deputada Federal Maria do Rosário PT-RS, em 2014 após um discurso da deputada quando disse que os torturadores da ditadura militar teriam que ser responsabilizados, Bolsonaro está cometendo um ataque contra a deputada e a todas as mulheres, disse: “Não saia, não, Maria do Rosário, fique aí. Há poucos dias, você me chamou de estuprador no Salão Verde e eu falei que eu não estuprava você porque você não merece. Fique aqui para ouvir”. Acabou condenado por danos morais, pagou multa e ainda teve pedir desculpas publicamente por tal injuria.
Recentemente, a jornalista Patricia Campos Mello ganhou ação de condenação da 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) por ofensas dirigidas a repórter, mais uma vez uma ofensa a todas as jornalistas e a todas as mulheres. O valor da multa foi de R$ 35 mil.
Sobre essa temática, foi publicado nessa coluna, a resenha sobre o filme “Terra Fria”, (em 07/06/2021) sobre uma situação real que se passou no estado americano de Minnesota, em 1975, ocasião em que contrataram pela primeira vez mulheres para trabalhar numa mina de ferro. Escancarando o sofrimento das mulheres, expostas a situações vexatórias e humilhantes, tratadas em condição inferior à dos homens. A primeira ação coletiva por assédio sexual dos Estados Unidos, um marco histórico, que influenciou outros processos judiciais e lutas feministas no país e no mundo, foi movido por ocasião dos diversos abusos ocorridos nessa mina de ferro.
Igualmente, o documentário “O Assédio”, termina por incriminar o advogado assediador e estuprador por seus crimes, trazendo informações importantes ao final do curta, sobre o que fazer em situações aterrorizadoras como essas.
A violência sexual revela o complexo contexto de poder que marca as relações sociais entre os sexos com consequências gravíssimas para as mulheres, e poucos sabem lidar com ela, muitos se omitem. No curta, Helena conta com o apoio de um amigo advogado que a acompanha para realizar a denúncia.
Nos casos de assédio acompanhado de estupro que é exibido tanto no filme “Terra Fria” como em “O Assédio”, os sentimentos de vergonha, de culpa e de medo tomam lugar na vida das mulheres, apagando a noção de serem sujeitos de direitos. Muitas vezes ficam cicatrizes cravadas no corpo dessas mulheres, na sua sexualidade, no afeto, nas relações de trabalho e por toda a vida. Violências a que mulheres são secularmente expostas, em especial a violência sexual e, quando narrados tais acontecimentos, a impressão é de rompimento, não só com o silêncio, mas também com a cumplicidade que a sociedade e o Estado têm tido ao longo da história com os agressores.
Não poderia nesse texto, de deixar de lembrar com saudades da médica Margarida Barreto que nos deixou nesse ano, vítima de câncer, sem antes lutar e muito pela vida, como fez durante seus longos anos ao dedicar-se aos estudos e a ação concreta contra o assédio moral que é muitas vezes acompanhado do assédio sexual, mais uma faceta da violência e reveste-se de complexidade, cujo conceito, segundo Barreto, é “polissêmico” e faz parte de um fenômeno mais amplo – a violência genérica. Este tipo de violência é praticado por superiores hierárquicos. E que se revela em todas as relações: pelos chefes, pelos colegas, seja através de piadas vexatórias, de manifestações abusivas e outras formas de violência.
Lembrando que é possível através do Estado realizar ações contra os assédios e as violências como faz a Secretaria de Politicas para as Mulheres da Bahia com o Programa “Respeita as Mina”, tendo como Secretaria a respeitada feminista Julieta Palmeira, que não mediu esforços para transformar o “Respeita às Mina” em estratégia de gestão para enfrentamento à violência contra as mulheres, radicalmente diferente do governo federal que, com seu discurso ultra-conservador contra as mulheres, tem insistentemente cortado investimentos em políticas públicas para mulheres, que norteariam, por exemplo, programas de ajuda a vítimas de violência doméstica. Segundo o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), com Jair Bolsonaro (PL) como presidente e Damares Alves como ministra da área, “instituiu-se um movimento de desmonte” das políticas para a população feminina.
Muita luta pela frente para que possamos enterrar essa politica ultraneoliberal e genocida, que ataca fortemente a democracia, destrói o Estado, incita a violência em um país de estrutura patriarcal como o Brasil. Vamos reconquistar a democracia, a esperança e a vida das mulheres e de nosso povo com o fim desse governo cruel, misógino e machista.
Referências:
https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2022/07/01/governo-bolsonaro-acentuou-desmonte-de-politicas-para-mulheres-diz-ipea.htm
https://www.cartacapital.com.br/cartaexpressa/sob-bolsonaro-governo-federal-tem-aumento-de-denuncias-de-assedio-sexual/
https://vermelho.org.br/coluna/a-terra-fria-da-multifacetada-opressao/
https://midiamax.uol.com.br/midiamais/2021/o-assedio-filme-de-campo-grande-aborda-assedio-sexual-de-mulheres-no-trabalho/
*Texto publicado originalmente no Portal Vermelho
Elza Campos é assistente social, mestra em Educação e Trabalho pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), professora universitária, ex-presidente da UBM e titular da Secretaria de Mulheres do PCdoB-PR.