Roubini: assim será a próxima crise capitalista

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O economista que primeiro previu 2008 lança um alerta. Para ele, arma-se uma combinação de preços ainda mais altos, recessão e falência de empresas, famílias e países. Em meio ao inferno, haverá desta vez alternativas antissistêmicas?

As perspectivas financeiras e econômicas globais para o próximo ano azedaram rapidamente nos últimos meses. Agora, os formuladores de políticas, investidores e famílias perguntam a si mesmos o quanto devem rever suas expectativas, e por quanto tempo. Isso depende das respostas a seis perguntas principais.

Primeiro, o aumento da inflação nas economias mais ricas será temporário ou mais persistente? Esse debate esteve presente no ano passado, mas agora chegamos a uma opinião unânime: os que imaginavam a inflação como algo persistente venceram; e os que acreditavam em sua transitoriedade – grupo que incluía a maioria dos bancos centrais e autoridades fiscais – deve admitir que se enganou.

A segunda questão é se o aumento da inflação foi impulsionado mais pelo excesso de demanda (políticas generosas de emissão de moeda, oferta de crédito e impostos) ou por choques que provocaram redução da oferta agregada (oslockdownsiniciais do COVID-19, os gargalos na cadeia de abastecimento, a redução na oferta de mão de obra, o impacto da guerra na Ucrânia sobre os preços das commodities e a política “zero-covid” da China). Embora os fatores de demanda e oferta estejam embaralhados, agora é amplamente aceito que a redução de oferta tem desempenhado um papel cada vez mais decisivo. Isso é importante porque a inflação impulsionada por queda da oferta é estagflacionária. Ou seja, aumenta o risco de um pouso forçado [hard landing] das economias; de desemprego e possível recessão, no momento em que a política monetária é apertada.

Isso nos leva diretamente à terceira pergunta: o arrocho na política monetária, promovido pelo Federal Reserve dos EUA e outros grandes bancos centrais, provocará um pouso forçado ou uma aterrisagem suave [soft landing]? Até recentemente, a maioria dos bancos centrais e a maior parte de Wall Street apostavam na segunda hipótese. Mas o consenso mudou rapidamente, inclusive com o presidente do FED, Jerome Powell, reconhecendo que uma recessão é possível e que produzir uma aterrisagem suave será “muito desafiador”.

Além disso, um modelo matemático usado pelo Federal Reserve de Nova York mostra alta probabilidade de um pouso forçado, e o Banco da Inglaterra expressou opiniões semelhantes. Várias instituições financeiras destacadas de Wall Street anunciaram agora que a recessão é seu cenário básico (o resultado mais provável, se todas as outras variáveis forem mantidas constantes). Tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, as previsões sobre a atividade econômica e a confiança das empresas e dos consumidores estão apontando para baixo.

A quarta questão é se esse “pouso forçado” enfraquecerá a postura agressiva dos bancos centrais diante da inflação. Se eles pararem de elevar os juros assim que um pouso forçado se tornar provável, podemos esperar um aumento persistente na inflação e ou um superaquecimento econômico (inflação acima da meta e acima do crescimento potencial), ou estagflação (inflação acima da meta e recessão) — a depender de se predominarão choques de demanda ou de oferta.

A maioria dos analistas de mercado parece pensar que os bancos centrais permanecerão agressivos, mas eu não tenho tanta certeza. Argumentei que acabarão por aceitar uma inflação mais alta – seguida de estagflação – quando o pouso forçado se tornar iminente, porque estarão preocupados com os danos de uma recessão e de uma “armadilha de dívida” [debt trap], devido ao aumento excessivo do endividamento público e privado, durante anos de juros baixos.

Agora que esse pouso forçado está se tornando uma realidade para mais analistas, uma nova (quinta) questão está surgindo: a próxima recessão será leve e de curta duração ou será mais severa e caracterizada por profundas dificuldades financeiras? A maioria dos especialistas que chegaram (tarde e de má vontade) ao cenário do pouso forçado ainda afirma que qualquer recessão será superficial e breve. Eles argumentam que os desequilíbrios financeiros de hoje não são tão graves quanto aqueles que antecederam a crise financeira global de 2008, e que o risco de uma recessão em meio a uma dívida severa e crise financeira é, portanto, baixo. Mas acho essa visão perigosamente ingênua.

Há muitas razões para acreditar que a próxima recessão será marcada por uma crise de dívida grave e estagflacionária. Como parcela do PIB global, os níveis de dívida pública e privada são muito mais altos hoje do que no passado, tendo passado de 200% em 1999 para 350% hoje (com um aumento particularmente acentuado desde o início da pandemia). Sob essas condições, o aumento das taxas de juros levará famílias, empresas, instituições financeiras e governos à falência e à inadimplência.

A próxima crise não será como as anteriores. Na década de 1970, tivemos estagflação, mas não houve grandes crises de dívida, porque os níveis de endividamento eram baixos. Depois de 2008, tivemos uma crise de dívida seguida de inflação baixa ou deflação, porque a crise de crédito gerou um choque de queda de demanda. Hoje, enfrentamos choques de oferta em um cenário de dívida muito mais alta, o que implica que estamos caminhando para uma combinação de estagflação ao estilo dos anos 1970 e crises de dívida ao estilo de 2008 – ou seja, uma crise de dívida estagflacionária.

Ao enfrentar choques estagflacionários, os bancos centrais apertam sua política monetária mesmo quando a economia caminha para uma recessão. A situação hoje é, portanto, fundamentalmente diferente da crise financeira global ou dos primeiros meses da pandemia, quando os bancos centrais podiam aliviar a política monetária agressivamente em resposta à queda da demanda agregada e à pressão deflacionária. O espaço para expansão fiscal também será mais limitado desta vez. A maior parte da munição fiscal foi usada e as dívidas públicas estão se tornando insustentáveis.

Além disso, como a inflação mais alta de hoje é um fenômeno global, a maioria dos bancos centrais está arrochando suas políticas ao mesmo tempo, o que amplia a probabilidade de uma recessão global sincronizada. Esse aperto já está surtindo efeito: bolhas estão se esvaziando em todos os lugares – inclusive o preço das ações, dos imóveis, das criptomoedas, das SPACs1, dos títulos e instrumentos de crédito. A riqueza real e financeira está caindo, e as dívidas e seu custo estão aumentando.

Isso nos leva à pergunta final: os mercados de ações poderão se recuperar após a o atual período de baixa [bear market, um declínio das cotações de pelo menos 20%, em relação ao último pico], ou cairão ainda mais? Muito provavelmente, eles devem cair mais ainda. Afinal, em recessões mais comuns, as ações dos EUA e globais tendem a cair cerca de 35%. Mas, como a próxima recessão será estagflacionária e acompanhada por uma crise financeira, a quebra nos mercados de ações pode estar próxima de 50%.

Independentemente de a recessão ser leve ou severa, a história sugere que o mercado de ações tem muito mais espaço para cair antes de atingir o fundo do poço. No contexto atual, qualquer recuperação deve ser considerada como um voo de galinha, e não uma oportunidade de compra na baixa. Embora a atual situação global nos confronte com muitas questões, não há nenhum enigma real para resolver. As coisas vão piorar muito antes de melhorar.

1 Special-purpose Acquisition Companies. Instrumento de especulação financeira; empresas de capital aberto criadas especialmente para compra de outras empresas. Ver mais detalhes na Wikipedia [Nota da Tradução]

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